quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Entrevista - Luiz Paulo Guanabara

Drogas: 'A ONU quer mais do mesmo'

A data da reunião anual da Comissão de Drogas Narcóticas da Organização das Nações Unidas está se aproximando e, com ela, um dos debates mundiais do momento: devemos continuar com a política de guerra contra às drogas establecida há dez anos ou é hora de dar uma guinada na direção da regularização das drogas ilícitas?



Para Luiz Paulo Guanabara, diretor da ONG Psicotropicus, Centro Brasileiro de Políticas de Drogas, a ONU se prepara para ratificar a política que vem dominando a política direcionada às drogas durante a última década. Mas seu objetivo, assim como o de muitas outras organizações do Brasil e da América Latina, é participar ativamente neste cenário para convencer os governos de que a política de drogas implementada em 1998 foi um fracasso tanto social, como econômico.



Para marcar essa atitude, a Psicotropicus realiza no dia 12 de fevereiro, no Rio de Janeiro, um encontro preparatório com representantes de diversas organizações que lutam pelos direitos humanos. Dali, sairá um documento que representará o posicionamento de um setor da sociedade brasileira e que será exposto em março em Viena, durante as sessões da Comissão de Drogas Narcóticas da ONU.


Quem faz parte deste grupo de ONGs?



Esta vai ser a terceira reunião que realizamos e nelas estamos reunindo pessoas que estão trabalhando e pensando sobre o tema das drogas com o objetivo de fortalecer um movimento forte de reforma da política de drogas para influenciar mudanças nas leis. Fazem parte deste grupo umas 60 pessoas, das mais diversas organizações do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mas esperamos ampliar o grupo integrando organizações de todo o Brasil.



Existe um consenso sobre como esse tema deve ser abordado?



Eu acho que a pesquisa no Brasil é mais voltada para a redução de danos, questões como a transmisão do HIV pela utilização de seringas entre usuários de drogas e questões médicas em geral. No que se refere ao conhecimento do sistema global de manejo das drogas exercido pelas Nações Unidas, somos todos principiantes.



Estamos aprendendo sobre as convenções e sobre como relacioná-las com outros tratados, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a própria Carta das Nações Unidas. Nosso objetivo também é fazer deste um grupo de estudo, por isso temos textos no site que são fundamentais e estamos gerando traduções e discussões sobre esses aspectos. Deste modo, vamos tentar influenciar sobre o resultado das reuniões de março através de um trabalho com as diferentes delegações nacionais que estejam participando.



O que se pode esperar das reuniões de março em Viena?



Mesmo que o bloco europeu seja favorável à redução de danos e à abordagem dos direitos humanos ou do direito ao trabalho e que tenha feito seus relatórios sobre drogas de acordo com a Organização Mundial da Saúde, pelo que se percebe nos rascunhos, não vai propor nenhuma mudança.



Até agora, os textos apresentados pela Comissão de Drogas Narcóticas para ser discutidos com os governos não muda a política em nada. A própria Declaração Política e o anexo não fazem nenhuma modificação, está tudo igual e a idéia deles é seguir com o que está sendo feito até agora.


O senhor espera poder influenciar?



Apesar de estarem prontos para ser discutidos, os rascunhos podem ser totalmente alterados. No entanto, está clara a proposta de continuidade do enfoque proibicionista, para continuar com a luta contra as drogas. Só pedem mais dinheiro, essa é a única mudança com relação a anos anteriores pois a burocracia que constitui todo este sistema quer continuar com o que vem sendo feito durante os últimos dez anos. A ONU está interessada em mais recursos para fazer mais do mesmo e ter como resultado mais do mesmo.



E qual será a proposta das ONGs?



Que se tenha um enfoque nos direitos humanos para ver se conseguimos humanizar a política mundial de drogas e para ver se conseguimos implantar a supremacía dos princípios de redução de danos.



Só para dar un exemplo da importância da redução de danos, 30% das infecções por HIV fora da África acontecem entre usuários de drogas. Outro exemplo da importância do enfoque dos direitos humanos são os países que aderiram às Convenções de drogas da ONU e que foram muito mais longe do que as convenções sugeriram - em parte porque a declaração amarrou os países exigindo deles que esta fosse uma política única - como a China, a Indonésia, a Rússia, a Tailândia. São lugares onde é possível condenar à morte um usuário de drogas ou pessoas que cometam delitos como comércio ou produção de drogas.


Como vai a ser a mecânica da participação desses grupos em Viena?



Vamos para a reunião da mesma forma que no ano pasado, só que desta vez levando um grupo de brasileiros, uma minidelegação da sociedade civil brasileira e vamos entregar a declaração para a Comissão. Entretanto, não sei se este ano haverá novamente a leitura das declarações em plenário pois este ano é um pouco atípico já que se completam dez anos da Declaração e culmina o processo de revisão da política que começou em 1998.


Una coisa é a postura das ONGs, do setor acadêmico e de instituições que pesquisam o tema. Mas até que ponto isto reflete a opinião da sociedade brasileira?



A sociedade é muito conservadora e esta é uma dificultade que enfrentamos. Nos Estados Unidos acontece o mesmo, mas lá existe uma forte resistência civil, muito organizada e com recursos financeiros. Por isso, nosso interesse agora é convocar cada vez mais gente no país e na América Latina para trabalhar no tema.



E com relação ao governo brasileiro?



Também estamos trabalhando no desenvolvimento de canais com o governo. Já existe diálogo com o governo, temos uma cooperação forte com o Ministerio da Saúde e seus programas de atenção à Aids. As coisas têm mudado. A antiga Secretaría Nacional Antidrogas, por exemplo, criada por Fernando Henrique Cardoso en 1998, hoje é a Secretaría Nacional de Políticas sobre Drogas, o que já deixa clara a mudança de atitude.



A lei de drogas, por exemplo, aprovada em 2006 criou a figura do usuário (que continua cometendo um delito ao consumir uma droga segundo a lei, mas já não é submetido a pena de prisão) e isto traz um ar diferente. Mas ainda há muito a ser feito.

Comunidade Segura.

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