A Delegacia de Crimes Contra a Economia Popular do Decon, em mais de uma oportunidade, autuo em flagrantes gerentes ou mesmo proprietários de estabelecimentos que vendiam produtos sem que suas especificações estivessem traduzidas para o português. Apontava-se como violada a regra do artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que pune a afirmação falsa, enganosa e, também, a omissão de informação. A interpretação prestigiada era a de que a mensagem em língua que não a pátria equivale a ausência de informação.
Um tal intelecção do tipo penal, mais que afrontar o princípio da legalidade, tem servido para verdadeiras extorsões por parte de alguns policiais mal formados.
Para uma correta interpretação do tipo penal em questão é imperioso observar-se que o artigo 31 do CDC prescreve que toda a oferta e apresentação de produtos ou serviços deve assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, etc..
Todavia, no artigo 66 do mesmo diploma o legislador não erigiu à categoria de infração penal a conduta de deixar de traduzir para o português as especificações do produto. Na regra em exame pune-se apenas a informação falsa, enganosa ou aquela que se possa considerar lacunosa, isto é, que omita dados relevantes.
Dizer-se que informar em língua estrangeira equivale a omitir informação é valer-se da interpretação extensiva ou analógica vedada em direito penal. Como bem adverte Alberto Silva Franco:
"O princípio da legalidade equivale à taxatividade da lei e exprime 'a exigência de que o âmbito de aplicação da norma seja explicitamente delimitado por sua paradigma legislativo: numa palavra, o princípio acarreta a proibição da analogia' (Spasari, Diritto Penale e Constituziona, p. 2)" ("Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial", SP, ed. RT, 4ª ed., 1993, p. 27, n° 2.02).
Ou, por outra, na esteira de Adauto Suannes:
"Em direito penal, o princípio da reserva legal exige que os textos legais sejam interpretados sem ampliações ou equiparações por analogia, salvo quando in bonam partem. Ainda vige o aforismo poenalia sunt restringenda, ou seja, interpretam-se estritamente as disposições cominadoras de pena" (in, RT 594/355).
No Habeas Corpus n° 272.306/2, a matéria foi apreciada pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e o ilustre relator, juiz Ciro Campos, em acórdão majoritário, proclamou que "a falta de tradução pode consistir infração administrativa, jamais o crime do artigo 66 do Código em questão" (RT 730/542).
Alberto Zacharias Toron, Advogado em São Paulo, professor de Direito Penal da PUC/SP, mestre em Direito Penal pela USP e presidente do Conen.
TORON, Alberto Zacharias. Falta de traduçäo em embalagem do produto não é crime. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.49, p. 10, dez. 1996.
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