quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O sistema prisional e as eleições

Prender mais dá voto, mas não resolve o problema


O grande problema do sistema penitenciário brasileiro está fora das prisões, em uma sociedade que vê os estabelecimentos prisionais como espaços de vingança e não como lugares de recuperação.

O problema está no preconceito, na ideia ferrenha de que o preso tem de sofrer e que “bandido bom é bandido morto”.

Valdeci Ferreira discursa em premiação concedida a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados

Valdeci Ferreira discursa em premiação concedida a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados - KEINY ANDRADE/FOLHAPRESS
O problema está na sociedade que, em grande parte, teima em cometer o grave equívoco de acreditar que, tão somente, prender resolve. Esquecemos que, cumprida a pena, aquele que foi abandonado atrás das grades irá sair muito pior, com mais ódio e revolta.
O Brasil, lamentavelmente, já é o terceiro país do mundo em quantitativo prisional. Registra mais de 736 mil presos, homens e mulheres vivendo em condições sub-humanas. Mesmo assim, esse contingente não é suficiente para saciar e aplacar a sede de vingança da sociedade.


Basta surgir um novo político com promessas de que vai prender mais, aumentar as penas, cortar direitos como progressão de regimes, saídas autorizadas em família, reduzir a maioridade penal e tantos outros absurdos que terá grandes chances de ser eleito.



Na contramão dessa lógica perversa de vingança, nasceram as Apacs  (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados), com o objetivo de recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover a justiça restaurativa.



Assim, após 45 anos de estudos e evolução, em face dos bons resultados obtidos, tais como a redução da reincidência de 85% para índices inferiores a 20% e redução do custo per capita a um terço daquilo que se gasta no sistema prisional comum, o método Apac se tornou referência nacional e internacional.



Hoje, administramos no Brasil 50 Centros de Reintegração Social sem polícia ou agentes penitenciários. Um modelo alternativo que só não interessa à indústria do preso, que lucra com prisões abarrotadas, e ao crime organizado.



Dentro desse contexto, por acreditar piamente na recuperação do ser humano e após investir mais de 35 anos de minha vida nessa causa,  eu me oponho radicalmente a todo e qualquer pretendente a cargo público, em especial à Presidência da República, que defenda tão somente o uso da força, das armas, da violência e do autoritarismo para conter a escalada do crime e da violência.



Eu me oponho veementemente a toda e qualquer supressão de direitos conquistados e consagrados na legislação, como assinalados em recentes afirmações do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). 



Da mesma maneira que me oponho a toda e qualquer forma de corrupção, ativa ou passiva. As Apacs são apartidárias, um modelo implantado em diferentes estados governados por partidos que abarcam todo o espectro ideológico.



No entanto, o líder das pesquisas neste segundo turno declarou textualmente, por exemplo: “O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] precisa ser rasgado e jogado na latrina”, “Vamos entupir as cadeias de bandidos, se faltar espaço a gente constrói mais”, “Vou brigar para acabar com a progressão de regimes, vou acabar com as remições e com as saídas autorizadas em família”, “Vou trabalhar para agravar as penas”.



Ao se referir ao sujeito que o esfaqueou, Bolsonaro disse que “tem que agravar a pena deste cara, não perdoo, não”. “Se depender de mim, ele mofa na cadeia.”



Todos nós, envolvidos com o projeto das Apacs, temos o direito de exigir do mandatário supremo da nação uma outra atitude. Outra postura.



Tais afirmações contrariam in totum toda a essência e a proposta das Apacs, bem como ferem de morte o ideal de seus fundadores, além de contribuir para acirrar o clima de ódio, violência, intolerância e preconceito em relação aos presos e aos seus familiares.



Como afirmava o papa João Paulo 2º: “A violência destrói tudo o que o homem pretende construir”.
Valdeci Ferreira
Diretor-executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, membro da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais e Empreendedor Social do Ano no Brasil e América Latina 2018
Diretor-executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, membro da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais e Empreendedor Social do Ano no Brasil e América Latina 2018.

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