quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Nos EUA, juiz informa aos jurados que Deus lhe disse que ré é inocente

Veredito tomado, os jurados de um caso no estado americano do Texas seguiram o protocolo: tocaram a campainha para avisar que poderiam ser reconduzidos à sala de julgamento. Mas, ao contrário do que esperavam, o juiz que presidia o julgamento é que entrou na sala de deliberações. Ele queria ter uma palavra com os jurados: “Pensei muito neste caso, rezei, e Deus me disse para informá-los de que a ré não é culpada”, resumiu o juiz Jack Robison.
Os jurados, no entanto, já haviam decidido que Gloria Romero Perez era culpada por tráfico sexual contínuo de uma menor. E não culpada da acusação de compra e venda de uma criança.
Houve um mal-estar na sala. Pessoas se disseram confusas, alguém estava com vontade de vomitar e uma mulher começou a chorar, contou aos jornais Express-News e Herald Zeitung o jurado-chefe Mark House.
Alguém perguntou se não deveriam, quem sabe, propor uma pena correspondente ao tempo de prisão já cumprido — pouco mais de um ano. Com o veredito de culpada por tráfico sexual de menor, a ré seria sentenciada à pena mínima de 25 anos.
Gloria Perez, 32, foi presa em dezembro de 2016, acusada de haver trazido uma adolescente da família de Honduras para o Texas para prostitui-la. Quando a adolescente completou 15 anos, ela a vendeu para um homem de 32, que a engravidou.
Os jurados estavam convencidos disso e, apesar de um certo abalo pela interferência inapropriada do juiz, decidiram manter o veredito de que a ré era culpada.
Tocaram de novo a campainha, e o juiz entrou de novo na sala. “Quando Deus me diz uma coisa, eu tenho de fazê-la. Ele me mandou dizer-lhes que ela não merece passar 25 anos na cadeia”, reafirmou o magistrado.
Os jurados não arredaram pé, e o juiz percebeu que deveria tomar uma atitude. Convocou os promotores e a advogada de defesa a seu gabinete e anunciou que não podia sentenciar a ré.
“Só queria lhes comunicar o que fiz. Sinto muito se eu compliquei as coisas. Vocês podem pedir a anulação do julgamento. Eu senti, fortemente, que a ré não deveria ser condenada com base nesses fatos. Assim, eu fui até a sala dos jurados e lhes disse o que senti. Sinto muito. Eu apenas senti que estava fazendo a coisa certa”, disse, ao anunciar que se recusava a presidir a fase da sentença.
Nessa fase, ele foi substituído pelo juiz Gary Steele. A advogada de defesa Sylvia Cavazos pediu imediatamente a anulação do julgamento. O juiz negou o pedido. E quando estava discutindo se devia ou não instalar um novo júri, o oficial de Justiça lhe entregou uma nota dos jurados, dizendo que haviam chegado a um acordo sobre a sentença: “Nós tivemos todas as provas que precisávamos. Chegamos a um acordo pela sentença mínima [de 25 anos de prisão]”.
Isso confirmou que não era necessário anular o julgamento, porque, apesar das tentativas do juiz de interferir nas deliberações, os jurados não se deixaram influenciar.
“Eu bem que pedi a ele para tomar uma decisão monocrática, em vez de convocar um júri. Se ele tivesse me escutado, não estaria agora em uma enrascada”, disse a advogada de defesa, que acrescentou nunca ter visto nada como isso em seus 20 anos de carreira.
A enrascada a que ela se referia é a de que o juiz está, agora, sendo investigado pela Comissão de Conduta Judicial do Estado, com base em uma reclamação apresentada por um inesperado admirador, o jurado-chefe Mark House.
“Eu apresentei a reclamação porque achei que era minha obrigação fazer isso. Mas o juiz merece nossa admiração pelo que fez. Ele seguiu a sua consciência”, disse House aos jornais.
O juiz Jack Robison já sofreu uma “reprimenda privada” da Comissão de Conduta Judicial no passado, por causa de uma trapalhada procedimental. Mandou prender um avô que o chamou de bobo por causa de uma decisão desfavorável sobre a custódia da neta.
Na reprimenda, a comissão escreveu que o juiz excedeu o escopo de sua autoridade e deixou de cumprir a lei, ao mandar prender o homem por desrespeito à corte, sem fazer uma audiência ou uma advertência prévia da acusação.
Revista Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2018.

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