sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Tipificação de desacato atenta contra liberdade de expressão, decide TJ-SP

Tipificar "desacato" como crime contraria a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garante o direito à liberdade de expressão, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. É que a corte já decidiu que os tratados internacionais assinados pelo Brasil têm caráter supralegal e infraconstitucional.
Comissão Americana sobre Direitos Humanos vale mais que leis nacionais e proíbe criminalização do desacato, decide 15ª Câmara Criminal do TJ-SP.
Reprodução
Esse foi o entendimento da 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao absolver do crime de desacato homem condenado também por atear fogo numa lixeira.
A contravenção penal é prevista no artigo 42 da Lei das Contravenções Penais: “Perturbar o trabalho ou o sossego alheios com gritaria ou algazarra”.
A acusação de desacato foi feita porque o réu mostrou o dedo do meio quando viu que os policiais se aproximavam. Ele foi preso enquanto fugia. Segundo a Defensoria Pública de São Paulo, que representou o acusado, o crime de desacato vai contra a cláusula de liberdade de expressão prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos.
O defensor público Mario Eduardo Bernardes Spexoto, que assina a peça, argumentou que essa tese não significa liberdade para agressões verbais ilimitadas, pois a o autor da suposta ofensa pode ser processado com base em outros dispositivos legais que não diferenciam pessoas comuns e funcionários públicos.
 "As leis nacionais que tipificam o desacato são contrárias ao artigo 13 da CADH, o qual garante o direito de liberdade de pensamento e expressão. Configura, portanto, violação do Estado brasileiro à Convenção processar, condenar, ou impor sanção a alguém, em função deste crime", explicou o defensor.
Ele também afirmou que o posicionamento apresentado já foi ratificado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Para o órgão internacional, “os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade". Definiu ainda que "as leis que punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como 'leis de desacato', atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação”.
O defensor público ressaltou que essa jurisprudência da corte internacional mostra que o problema é a falta de proporcionalidade decorrente da criminalização de críticas a agentes públicos por meio de um tipo penal diferenciado.
De acordo com o relator do caso, desembargador Encinas Manfré, a infração de perturbação da paz pública deve ser mantida, mas o desacato, não. Ele detalhou que tipificar o ato do réu como crime de desacato significa criminalizar a expressão de uma opinião dele.
Isso, para o relator, afronta a liberdade de expressão, “pilar fundamental e essencial a qualquer Estado Democrático, além de garantir igualdade entre funcionários públicos e particulares”.
Especificamente sobre os funcionários públicos, o desembargador destacou o artigo 11 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação”.
Manfré argumentou que a criminalização do desacato também afronta o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garante o direito à liberdade de pensamento e de expressão. “Houvera manifestação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH de que se se considerar a conduta de desacato como crime, se estará limitando opiniões tidas como incômodas e, assim, proporcionando maior proteção aos agentes do Estado do que aos particulares.”
Segundo o desembargador, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 466.343, reconheceu que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm caráter de normas supralegal, ou seja, devem ser incorporados pelo nosso ordenamento jurídico. “Portanto, de rigor manter-se a condenação desse apelante apenas por infringir o artigo 42, I, do Decreto-Lei 3.688/1941”, disse o relator.
STJ dividido
A criminalização do desacato tem entendimentos diferentes no Superior Tribunal de Justiça. No REsp 1.640.084, a corte entendeu que o delito é incompatível com o artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica por afrontar mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão.

Mas, no Habeas Corpus 379.269, o STJ destacou que o texto internacional, elaborado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não tem caráter vinculante, impedindo essa incompatibilidade. “É possível deduzir que os verbos relacionados às suas funções não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo.”
Ainda no HC 379.269, o STJ afirmou que, apesar do entendimento firmado no REsp 1.640.084, as determinações do Pacto de São José da Costa Rica tem “ótica doutrinária, tão somente ‘poder de embaraço’ ou ‘mobilização da vergonha’".
Argumentou, por fim, que não houve deliberação da Corte Interamericana sobre violação do direito à liberdade de expressão pelo Brasil, apenas pronunciamentos. Complementou dizendo que o próprio tribunal internacional já definiu que a liberdade de expressão é um direito absoluto.
“Nessa toada, tem-se que o crime de desacato não pode, sob qualquer viés, seja pela ausência de força vinculante às recomendações expedidas pela CIDH, seja pelo viés interpretativo, ter sua tipificação penal afastada”, detalhou o STJ.
Clique aqui para ler a decisão.
*Notícia alterada às 19h18 do dia 17 de agosto de 2017 para acréscimo de informações.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 17 de agosto de 2017.

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