quarta-feira, 21 de junho de 2017

Comprar crack para fumar com amigos não é tráfico de drogas

Comprar mais de 80 pedras de crack para distribuição a amigos não é tráfico de drogas, crime tipificado no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006, mas ‘‘consumo compartilhado’’, figura típica descrita no parágrafo 3º da mesma lei.
Com este entendimento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu uma travesti acusada de traficar drogas num pequeno município da região metropolitana de Porto Alegre. O colegiado entendeu que esta segunda conduta — que ficou patente no curso da instrução processual — não estava expressa na denúncia.
No primeiro grau,  onde foi acolhida a tese de tráfico, o réu foi condenado à pena de quatro anos e dois meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de multa.
MP denuncia tráfico

O Ministério Público afirmou que a denunciada foi flagrada na posse de 81 pedras de crack e uma trouxinha de maconha. Segundo os relatos policiais, que embasaram o inquérito no MP, a acusada costumava se posicionar num ponto de intenso tráfego de veículos e pedestres, à noite, com o propósito de traficar drogas. Ela havia escapado noutras abordagens, porque a polícia não conseguira localizar a droga. Na ação ocorrida noite de 15 de maio de 2010, no entanto, foi diferente: a droga foi localizada nos bolsos da sua calça.

A juíza Jaqueline Hofler Braga, da Vara Criminal da Comarca de Sapucaia do Sul, julgou procedente a denúncia-crime. Segundo a juíza, a materialidade do delito ficou demonstrada pelo registro policial, pelo auto-de-apreensão e pelo laudo que atestou a natureza química da substância.
Os depoimentos dos policiais também atestaram a autoria do delito, já que a denunciada admitiu a posse da droga, que seria para consumo próprio e de mais dois amigos. Ela advertiu que armazenar a droga em benefício de outros não tira a responsabilidade da ré, já que ela contribuiu para a prática delituosa.
‘‘Consabido que para a modalidade da traficância não se exige prova flagrancial do comércio, bastando que o agente seja surpreendido guardando ou tendo consigo a substância e os elementos indiciários e as circunstâncias da apreensão evidenciem a atividade delituosa’’, justificou na sentença condenatória.
Novo entendimento

Ao prover a Apelação da defesa da ré, o desembargador-relator Diógenes Hassan Ribeiro observou que a citação de ‘‘trouxinha de maconha’’ na inicial foi erro material do MP, já que nenhum agente de segurança fez referência a esta droga nas fases policial e judicial. E que a denunciada admitiu que se prostituía no local, ‘‘como outros colegas’’, sendo comum que, ao encerrarem os ‘‘programas’’, buscasse drogas para consumir em conjunto. E mais: que era comum consumir 30 pedras em uma hora.

Com isso, Ribeiro ficou em dúvida sobre a tipicidade da conduta descrita pelo MP, já que os policiais também registraram que a acusada estava acompanhada de outras duas pessoas que possuíam características de usuários de crack. Além do mais, pontuou que não houve apreensão de qualquer valor em dinheiro em poder da ré, o que vai ao encontro de sua alegação, de que conseguira dinheiro com os “programas” e comprava a droga com esse valor.
O julgador salientou que os policiais não presenciaram nenhum ato de tráfico, afirmando ‘‘conclusões pessoais’’ construídas pela sua experiência profissional. ‘‘A versão [da acusada] vem respaldada por diversos elementos de prova auferidos do caderno processual, constituindo hipótese relevante que gera dúvida sobre a conduta denunciada. Assim, diante das circunstâncias do caso concreto, que revelam a possibilidade de consumo compartilhado (figura típica prevista no artigo 33, § 3º, da Lei 11.343/06), remanesce dúvida sobre a hipótese acusatória denunciada, impondo-se a absolvição por insuficiência probatória’’, registrou.
Clique aqui para ler a sentença.
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 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2017.

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