segunda-feira, 17 de abril de 2017

Após uma década, especialistas divergem sobre futuro da Lei de Drogas

Ao mesmo tempo em que parece ser consensual a necessidade de revisão da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), existem, entre os especialistas no tema, diferentes pontos de vista sobre se a modificação da legislação deveria caminhar na direção da descriminalização dos entorpecentes ou em sentido contrário, do fortalecimento das sanções.
Tráfico de drogas é responsável por 28% dos presos no Brasil, apontam estudos.
Reprodução
Com opiniões distintas sobre o assunto, três desses especialistas — o promotor de Justiça José Theodoro Corrêa de Carvalho, a coordenadora do Centro de Referência em Drogas e Vulnerabilidade Associadas da Universidade de Brasília, Andrea Gallassi, e o professor Norberto Fischer, pai de menina que depende de tratamento à base de canabidiol — estarão presentes no seminário "10 Anos da Lei de Drogas – Resultados e Perspectivas em uma Visão Multidisciplinar".
O evento acontece nos dias 25 e 26 de abril, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Com inscrições gratuitas, o seminário é organizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e tem a coordenação científica do ministro Rogerio Schietti Cruz.
País conservador
Como fruto de sua participação em programas de recuperação de pessoas envolvidas com entorpecentes, Andrea Gallassi considera o Brasil um país conservador no enfrentamento da questão das drogas, que é encarada normalmente como um tema relacionado à polícia, Justiça e segurança pública, e não como uma questão de saúde, economia e cultura.

Para a professora, que considera “urgente” a revisão da Lei de Drogas, a proibição associada à criminalização do usuário contribui para a violência urbana nas grandes cidades e nas regiões de fronteira, situação agravada pela disputa entre organizações criminosas pelo “hipertrofiado e altamente rentável” comércio de entorpecentes.
A mudança do panorama normativo passa, segundo a especialista, pela observação das práticas bem-sucedidas adotadas por outros países.
“A tendência internacional, e destaco aqui os nossos países vizinhos da América Latina, em especial o Uruguai, está apontando para a compreensão e abordagem deste fenômeno de uma forma que saia da esfera da proibição e passe para a de regulação, justamente pelos resultados trágicos que a guerra às drogas vem acumulando, que contabiliza muito mais mortes do que o uso de todas as drogas juntas, e o ‘melhor pior’ exemplo que temos no Brasil é o da cidade do Rio de Janeiro”, destaca a professora.
Novas regulações
Pai de Anny, primeira brasileira a ter, em 2014, autorização judicial para importar medicamento derivado da maconha, o canadibiol, Norberto Fischer vivenciou diariamente os resultados de um debate enfrentado, como apontou Andrea Gallassi, sobre o prisma da criminalidade.

Todavia, para ele, apesar dos avanços pontuais que permitiram a atenuação do problema de saúde de sua filha, o Brasil não possui maturidade política, governamental e social para a simples liberação das substâncias para os usuários.
“É necessário avançar, mas me preocupa ter uma possível regulação pautada apenas por valores pessoais de políticos, muitas vezes sem a devida qualificação ou permeada de preconceitos”, ponderou Fischer, que defende que a revisão das regulações sobre o tema seja acompanhada por profissionais qualificados, organizações não governamentais e cidadãos interessados.
Segundo o professor, as mudanças legislativas também deveriam abarcar a regulamentação da produção nacional de medicamentos que usam produtos à base de substâncias atualmente consideradas ilícitas, e, no caso da maconha, a regulação do autocultivo em situações específicas. 
“Precisamos ganhar celeridade nos processos para facilitar e viabilizar os estudos e pesquisas pela academia. Além disso, o tempo das famílias que possuem entes queridos sofrendo é bem diferente do tempo usualmente utilizado para regulamentações ou mudanças de leis. Temos pressa”, ressaltou Fischer.
Abrandamento prejudicial
Segundo José Theodoro Corrêa de Carvalho, a Lei 11.343/2006 trouxe regras rigorosas para imputação, processamento e execução da pena no caso de tráfico de drogas, que possui natureza constitucional comparada ao crime hediondo. Contudo, de acordo com o promotor, após a declaração de inconstitucionalidade de alguns dispositivos da legislação pelo Supremo Tribunal Federal, houve questionável abrandamento da punição para esses crimes.   

“Há processos em que o traficante foi flagrado em atividade de venda e foi apreendida uma arma raspada em seu carro, por exemplo, o que gera uma condenação de um ano e oito meses pelo tráfico privilegiado e uma condenação de dois anos pelo porte de arma de uso restrito”, ponderou o promotor, que defende modificações na legislação para adequação da equiparação constitucional da hediondez do tráfico de drogas à interpretação trazida pelo STF.
Drogas e prisões
A revista eletrônica Consultor Jurídico publicou em fevereiro uma série de reportagens e entrevistas sobre a relação entre a guerra às drogas e a superlotação dos presídios. O especial teve como motivação a onda de rebeliões e massacres em presídios no início de 2017.

Os textos do especial, que podem ser encontrados neste link, apontam que a repressão às drogas não reduziu o uso e comércio delas, apenas gerou encarceramento em massa e mais violência. Nesse combate, os acusados têm seu direito de defesa rebaixado, e o depoimento dos policiais, muitas vezes, é o que embasa as condenações, conforme demonstram estudos. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2017.

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