terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Mercado de tornozeleiras eletrônicas está em alta no país

Maior empresa de equipamentos de monitoramento de presos do Brasil cresceu 296% entre 2011 e 2015


Cadeia na cidade de Manaus após rebelião de presos

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google PlayPara ler esta reportagem antecipadamente, assine EXAME Hoje.
Apenas nos seis primeiros dias de 2017, 93 homens foram assassinados em prisões brasileiras. Sessenta em duas unidades em Manaus, Amazonas, 31 em uma em Boa Vista, Roraima e dois em Patos, na Paraíba. Tragédias como estas trazem de volta às manchetes problemas recorrentes do sistema prisional do país. Entre eles, a rivalidade entre gangues do crime organizado, que comandam as cadeiras, a superlotação, as condições sub-humanas e a falta de cumprimento da legislação (estima-se que mais de 40% da população carcerária não tenha sido condenada em definitivo). Com a volta do tema às discussões nacionais, os velhos problemas remetem a não menos antigas soluções: criação de novos presídios e penas mais duras, de um lado, e penas alternativas e menos encarceramento, de outro.
No segundo grupo, uma saída que já provou sua eficiência, especialmente depois da visibilidade que ganhou com as prisões da Operação Lava-Jato, é o monitoramento à distância de condenados por meio de tornozeleiras eletrônicas. Relativamente recente na justiça brasileira, o monitoramento foi instituído pela lei 12.258, sancionada pela Presidência da República em junho de 2010.
Além de caminho para desinchar o sistema prisional brasileiro, ele tornou-se também um lucrativo negócio. “Hoje três empresas atuam no mercado brasileiro, e a Spacecom desenvolveu a sua própria tecnologia”, conta Sávio Bloomfield, presidente e fundador da empresa paranaense pioneira no desenvolvimento de dispositivos de monitoramento no Brasil e que detém cerca de 90% do mercado. Hoje são cerca de 20.000 monitorados pela Spacecom em dezesseis estados da federação, e Bloomfield diz que tem capacidade para aumentar em muito esse alcance. “A empresa está apta para atender muito mais, já que a tecnologia permite o monitoramento sem limite operacional”, garante.
Atuando somente no mercado governamental, a empresa nasceu da Spacecom Comunicações e Tecnologia, desenvolvedora de plataformas de autoatendimento eletrônico (URA) para operadoras de telefonia criada em 1996. “O projeto surgiu lá dentro e, em 2008, decidimos criar uma empresa específica para o monitoramento eletrônico, a Spacecom Monitoramento. Sou sócio e presidente de ambas”, explica Bloomfield.
Apesar de dados de mercado indicarem que a empresa de monitoramento cresceu 296% entre 2011 e 2015, seu presidente e fundador não fala em faturamento. Mas garante que o investimento nesse período foi de mais de 25 milhões de reais. “Nós investimos 5 milhões de reais no desenvolvimento da tecnologia, três milhões de reais em infraestrutura e 17 milhões de reais em tornozeleiras, sendo que nestas nós continuamos investimos mensalmente na produção de novos equipamentos”, detalha.
“Alguns produtos utilizados pela concorrência são oriundos do exterior. A Spacecom desenvolve e produz todos os seus produtos”, conclui o presidente da empresa. A EU Brasil Tecnologia, com sede em Brasília e uma das concorrentes da empresa paranaense no mercado de tornozeleiras eletrônicas, afirma ter crescido cerca de 40% nos últimos dois anos.
Ela não sai do seu pé
O funcionamento de uma tornozeleira eletrônica é relativamente simples. Pesando cerca de 130 gramas, o equipamento instalado no monitorado inclui uma localização por satélite e um modem que transmite os dados – e que funciona mesmo em lugares sem sinal de celular. As informações são transmitidas em tempo real para uma central de monitoramento, e um alarme é acionado quando o sentenciado rompe o lacre do equipamento, ultrapassa o perímetro determinado pela justiça ou ultrapassa o horário determinado para estar em casa, dependendo das especificidades de cada caso. “Todas as informações do monitoramento são criptografadas e ficam à disposição dos órgãos competentes”, conta Sávio Bloomfield.
São mais diversas do que se imagina as possibilidades de uso do monitoramento eletrônico, ainda que a justiça brasileira só tenha regulamentado parte delas. A tornozeleira hoje é utilizada em condenados em regime aberto ou semiaberto em prisão domiciliar, em regime semiaberto em trabalho externo, em saídas temporárias, medidas cautelares, condicionais, medidas preventivas (como as oriundas da Lei Maria da Penha, que ditam que um homem agressor deve respeitar uma distância mínima da mulher agredida), entre outros.
Nos últimos anos, houve uma redução no tamanho e peso dos equipamentos, além de facilidades implementadas no sistema de monitoramento. “Nossos equipamentos são os mais robustos que existe no mundo atualmente, permitindo inclusive o monitorado entrar no mar e mantê-lo funcionando”, explica Bloomfield.
São dois os modelos oferecidos pela Spacecom, o de duas peças e o de peça única. Hoje, segundo a empresa, cerca de 90% dos monitoramentos são feitos por equipamentos de peça única, mas a solicitação de um ou de outro depende da particularidade de cada situação. “Se o preso sai e volta diariamente para o presídio para dormir, ele não pode levar o carregador para dentro da cela. Neste caso, o aparelho de duas peças é melhor, pois a tornozeleira menor não precisa ser carregada por 18 meses, somente a Unidade de Rastreamento Pessoal (UPR), que é carregada pelo carcereiro, do lado de fora”, conta Bloomfield. “Já no caso de prisão domiciliar ou de saídas temporárias, é melhor o monitoramento de peça única, pois ela pode ser carregada diretamente na casa do sentenciado”, completa.
Pouca gente sabe que a tornozeleira também pode ser usada para monitorar os condenados dentro da unidade prisional, o que, se não serve para reduzir a população carcerária, poderia ter evitado as chacinas vistas nos primeiros dias deste ano. Mas este uso ainda não é feito no país. “O Brasil vem investindo no monitoramento para aliviar a superlotação carcerária, por isso utiliza muito nos regimes semiaberto e fechado e em prisão domiciliar. O monitoramento interno dos presídios ainda não foi alvo do governo em sua implementação”, revela Bloomfield, cujo serviço é contratado através de licitações e cujos contratos normalmente são de 12 meses e podem ser prorrogados por 5 anos.
Apesar de seu negócio estar em um bom momento, ele não passou incólume pela falência decretada por alguns estados brasileiros. Notícia do jornal O Globo de outubro do ano passado indicava que a inadimplência do governo fluminense com a Spacecom havia resultado em uma dívida de quatro milhões de reais.
Na teia da justiça
A primeira experiência com o monitoramento eletrônico de sentenciados que se tem notícia no mundo foi registrada nos Estados Unidos, em 1977. Foi pelas mãos do juiz Jack Love, de Albuquerque, no estado do Novo México, que, reza a lenda, teria vislumbrado a novidade a partir de uma história em quadrinhos do Homem-Aranha. Na década seguinte, o monitoramento já estava presente em todos os estados norte-americanos, especialmente como alternativa a prisões processuais, como em ocorrências de trânsito. Na Europa, o Reino Unido e a Suécia foram pioneiros no continente ao adotar o monitoramento, na primeira metade dos anos 1990.
Entre as vantagens da tornozeleira eletrônica ainda estão o custo (um monitorado custa cerca de 280 reais por mês ao Estado, enquanto um prisioneiro sai por mais de 3.000 reais), e a eficiência – poucos tentam fraudá-la. Mas, ainda assim, elas precisam de aperfeiçoamento. Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), encomendado pelo Ministério da Justiça, indicou que um dos problemas do sistema é a falta de uma regra comum para o seu uso – cada Estado brasileiro segue uma lógica própria.
E a principal crítica diz respeito a seu público-alvo. Além de atingirem um contingente pequeno de sentenciados, especialmente diante do tamanho do problema do sistema prisional brasileiro, as tornozeleiras ficaram famosas pelos motivos errados. Segundo os especialistas, elas seriam mais efetivas para sentenciados agressivos ou reincidentes em crimes menores, não entre criminosos de colarinho branco, como os da Lava-Jato, uma vez que a geolocalização em tese não os impediria de cometer esse tipo de crime. No caso, seu uso em operações do tipo tem mais a ver com uma espécie de vitrine do que com a efetividade em si. Ela aparece no pé de políticos e empresários em cadeia nacional (sem trocadilho) para contar ao grande público que uma nova forma de controle da justiça pode ser possível. Não é pouca coisa.

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