quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Suprema Corte dos EUA se recusa a julgar caso de menino que matou pai violento

Apesar de pedidos de instituições que representam crianças, a Suprema Corte dos EUA se recusou, na segunda-feira (3/10) a julgar o caso de um menino de 10 anos, com problemas mentais, que confessou à Polícia que matou, com um tiro na cabeça, seu pai violento — e neonazista. O menino foi condenado à prisão até completar 23 anos de idade.
Sem qualquer comentário, a corte negou uma audiência aos advogados que se prontificaram a defender o menino. Os advogados alegam que uma criança não tem capacidade para entender a lei, como seus direitos a um advogado, a permanecer calado e mesmo de entender as consequências das acusações que são feitas contra ela. Esses são direitos constitucionais de todos os réus.
O caso envolve uma criança de Riverside, Califórnia, identificada como Joseph H, que encontrou em casa a arma do pai e atirou nele, enquanto dormia no sofá da sala, em maio de 2011. O pai era o líder do grupo neonazista chamado Movimento Socialista Nacional, usava drogas e, frequentemente, batia em Joseph, de acordo com os autos do processo que tramitou por um tribunal de recursos do estado.
Quando os policiais chegaram à casa, dizem os autos, Joseph disse a eles que seu pai havia batido nele e em sua mãe no dia anterior. Os autos também registram que Joseph foi exposto a drogas ainda no útero de sua mãe e que sofria de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade e era propenso a acessos de raiva.
Um detetive da Polícia declarou, no julgamento, que ao prender o menino leu os seus direitos (chamados “Miranda rights”), como o direito a um advogado e o direito de permanecer calado e que tudo o que dissesse poderia ser usado contra ele. O detetive afirmou que, a cada etapa da leitura, perguntou a ele se ele entendia o que estava dizendo. O menino teria respondido que sim, mas que poderia contar o que aconteceu.
Em seu julgamento, o juiz do “tribunal juvenil” usou as declarações do menino como prova do crime, o que lhe rendeu a condenação por homicídio de segundo grau.
Em junho de 2015, um tribunal de recursos na Califórnia manteve a condenação, com o argumento de que o vídeo que gravou o interrogatório mostrava que Joseph “não teve problemas de comunicação” com os policiais e que, apesar de sua idade e de seus problemas emocionais, ele “renunciou voluntariamente a seus direitos”.
Quatro meses mais tarde, o Tribunal Superior da Califórnia decidiu não julgar o caso, conta a opinião de três ministros — um a menos do que o necessário para maioria. O ministro dissidente Goodwin Liu escreveu que já é tempo do Judiciário ou do Legislativo decidir “como o conceito de uma renúncia voluntária, consciente e inteligente dos direitos assegurados a suspeitos de crime, pode ser aplicado a uma criança de 10 anos?”
Na petição à Suprema Corte para julgar o caso, os advogados de Joseph explicaram que 2/3 dos estados americanos, incluindo a Califórnia, não têm qualquer tipo de proteção para crianças e adolescentes em interrogatórios policiais. Outros estados exigem a presença de um pai ou guardião no interrogatório, mas para idades diferentes.
“É um absurdo completo”, disse aos jornais o professor de Direito da Universidade de Michigan Frank Vandervort. “Todos sabem que uma criança ainda tão jovem não tem um bom entendimento dos direitos que lhes são assegurados por lei e o que significa renunciar a eles”.
A decisão da Suprema Corte de não entrar no caso foi tomada três dias após o governador da Califórnia, Jerry Brown, haver vetado um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa, que garantia a crianças e adolescentes o direito de falar com um advogado antes do interrogatório policial.
Em seu veto, o governador reconheceu que crianças e adolescentes são mais vulneráveis do que adultos a pressões policiais e que estudos mostram que, mais do que os adultos, tendem a fazer confissões, mesmo que falsas. “Mas confissões podem ajudar a Polícia a solucionar crimes sérios”, disse o governador, segundo o San Francisco Chronicle.
“Essas realidades conflitantes levantam questões difíceis e preocupantes e ainda não se sabe se a exigência de um advogado no interrogatório policial é a solução”, disse o governador, que é advogado. Mas prometeu que, no próximo ano, vai trabalhar com a Assembleia Legislativa do estado para ver se pode conciliar a segurança pública com a garantia dos direitos das crianças e adolescentes.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2016.

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