quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Detecção de mentiras em depoimentos gera debate e polêmica nos EUA e no Brasil

O debate sobre detectar mentiras em depoimentos por meio da análise das atitudes e expressões corporais da testemunha ressurgiu ao mesmo tempo no Brasil e nos Estados Unidos. Aqui, um juiz no Rio Grande do Sul anulou depoimento depois de analisar linguagem corporal de testemunha e argumentar não ser "palpite", mas sim técnica contemporânea de coleta de prova. Nos EUA, a discussão envolve o polígrafo (conhecido como detector de mentiras). Frank Horvarth, ex-presidente da Associação Americana de Poligrafia, que disse à ABC News que o instrumento não é totalmente preciso. A margem de acerto, diz ele, é de 90%, segundo seus defensores, e de 70%, segundo seus críticos.
“Não há testes totalmente confiáveis para detectar mentiras”, diz Horwarth. O polígrafo é chamado erradamente de detector de mentiras. Ele detecta apenas reações fisiológicas durante um interrogatório, como frequência respiratória, atividade das glândulas sudoríferas (ou do suor) e atividade cardiovascular. Não detecta mentiras. Pode ser uma indicação de mentira (maior possibilidade) ou apenas de que a pessoa não está resistindo à pressão do interrogatório.
O teste do polígrafo em um ambiente jurídico é um tema controvertido nos EUA. De acordo com a Associação Americana de Poligrafia, tais exames são aceitos nos tribunais de 26 estados e em alguns tribunais federais. Nos demais, eles foram banidos. O simples fato de se mencionar o teste do polígrafo no tribunal do júri pode causar a anulação do julgamento.
No entanto, advogados, promotores e detetives americanos discutem, frequentemente, técnicas que possam ajudá-los a, pelo menos, “farejar” mentiras em depoimentos e testemunhos. Detectar mentiras, com base em linguagem corporal e tantas outras observações, pode ser um sonho. Mas é possível aprender técnicas que irão ajudar o profissional a perceber sinais de alerta para uma mentira.
A percepção desses sinais de alerta pode estabelecer, para o profissional, os pontos duvidosos em um interrogatório ou inquirição, indicando que “nesse mato pode ter coelho” — ou seja, são indicações de partes do interrogatório ou inquirição que ele precisa trabalhar com mais zelo. Mas, definitivamente, não são comprovações de mentiras.
Divergência entre juristas no Brasil
No caso brasileiro, o juiz Max Carrion Brueckner, da 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, considerou que a testemunha fez gestos incompatíveis com o que dizia e mudou o depoimento depois de questionamentos feitos pelo advogado. Ele explicou que a impressão do magistrado quanto ao comportamento das testemunhas e a análise da linguagem não verbal dizem respeito ao valor dado à prova oral.

Segundo ele, muitas vezes uma testemunha fala alguma coisa, mas sua linguagem corporal diz outra. "Em outras palavras, a dissonância entre as linguagens verbal e corporal da testemunha pode ser comparada à situação de quando perguntamos algo e a pessoa verbaliza 'sim', mas, concomitantemente, faz o gesto de 'não'", exemplificou o julgador.
A decisão gerou debate entre os juristas. Em coluna publicada na ConJur, o juiz Alexandre Morais da Rosa disse que a prática não deve ser utilizada de forma que seja a única fonte da conclusão do magistrado. Porém, dominá-la é importante “caso você enfrente um jogador/julgador que as domina (ou acredita nelas) [técnicas de linguagem corporal], não saberá nem sequer que está sendo manipulado. Esse viés, então, fornece mecanismos para contingenciar a manipulação e compreender como o corpo, queiramos ou não, diz”, escreveu Morais da Rosa.
Ele ressalta que “com as declarações gravadas, cada vez mais desde a delegacia de polícia, conhecer a linguagem corporal é um incremento informacional capaz de ser utilizado na argumentação e de delinear as opções táticas”.
A divergência veio de outra coluna da ConJur, do jurista Lênio Luiz Streck. Ele ressalta que as decisões dos juízes devem ser amparadas estritamente na letra da lei no âmbito processual, sem espaço para subjetividade — ou pelo diminuir esse espaço ao máximo. “Não é possível ter um padrão confiável sobre o comportamento gestual etc., de uma pessoa em dado ambiente, pela simples razão de que não é possível teorizar ou criar padrões sobre essa imponderabilidade do comportamento humano. Mas sobre o que diz a jurisprudência e a lei, sim, podemos teorizar. Sobre o imponderável e o efeito borboleta, não”, escreveu Streck.
São sinais de alerta, segundo os “especialistas” em detecção de mentiras:
Linguagem corporal
A maior parte das sugestões para se “farejar” mentiras baseia-se no ditado: “O que uma pessoa diz não importa. O que importa é como ela o diz”. Isso tem a ver, entre outras coisas, com a linguagem corporal, tida como a melhor indicadora de desconforto com a mentira.

A pessoa pode dizer “sim”, mas seus movimentos dizem “não” — às vezes até com um movimento de cabeça — ou vice-versa. Isso aconteceu, segundo os especialistas em detecção de mentiras, quando o ex-presidente Clinton negou que tivesse tido qualquer relacionamento extraconjugal com Monica Lewinski. É preciso prestar atenção se a linguagem corporal corresponde à linguagem verbal. Isso se aprende com atenção, intuição e prática.
Você pode praticar observando as pessoas com as quais você se relaciona cotidianamente e que conhece a ponto de saber se estão falando a verdade ou mentindo. Mas é preciso se ter consciência de que o descompasso entre a linguagem corporal e verbal indica apenas que alguma coisa está errada, não o que está errado. E lembrar que depor ou testemunhar pode ser uma experiência amedrontadora para algumas pessoas.
Contato visual
Mentirosos têm dificuldades de olhar nos olhos de seus interlocutores em qualquer situação. Muito mais em interrogatórios. Se a testemunha olha para os lados, para cima ou para baixo, evitando o contato visual, isso é um sinal de alerta. Algumas vezes, o desvio do olhar é acompanhado com movimentos da mão, que cobrem a boca ou coçam a cabeça. Aliás, quando algumas pessoas cobrem a boca com a mão, elas estão à beira de mentir, dizem os especialistas.

As pessoas que olham nos olhos do inquiridor, enquanto ouvem as perguntas, e mantêm contato visual, quando as responde, geralmente estão dizendo a verdade. No entanto, é preciso tomar cuidado com essa questão do contato visual. Muitas pessoas não olham nos olhos de seus interlocutores por uma questão cultural ou de formação.
Movimento das mãos
Quando estão dizendo a verdade, as pessoas costumam fazer gestos com as mãos, braços, dedos, cabeça etc. As mãos, principalmente, ajudam a dar ênfase ao que falam e ao que querem destacar. Mas são movimentos naturais, que acompanham o ritmo da fala. Os mentirosos, por sua vez, tendem a ter movimentos descompassados ou movimento nenhum com as mãos, quando estão nervosos.

Tom de voz
Um possível sinal de alerta quando a pessoa mente é a alteração no tom de voz. O tom sobe, porque o mentiroso — mesmo os pequenos mentirosos que nos são familiares — querem dar ênfase a seu discurso. Pensam, mesmo que inconscientemente, que, com isso, serão mais convincentes. Mas pode haver outras razões para isso.

Falar em excesso
Na mesma linha da vontade de dar ênfase a uma declaração, o mentiroso pode falar mais do que o necessário em seu depoimento ou testemunho. Também porque acha que, assim, será mais convincente. Ele precisa que as pessoas acreditem no que está dizendo, por isso estende sua história.

Além disso, soam como se estivessem falando um texto preparado com antecedência. E podem repetir as mesmas frases ensaiadas várias vezes. Em outros casos não são diretos em suas respostas, que são constantemente interrompidas por “uns”, “ahs” ou expressões como “quero dizer”, “você sabe” etc.
Fuga de detalhes
Uma testemunha, quando está contando uma história verdadeira, não se importa de contar detalhes do caso, mesmo que eles não sejam relevantes. Por exemplo: “Sim, eu estava no restaurante e vi tudo. Estava conversando com minha mulher sobre Andrea Bocelli, porque estava tocando Santa Lucia Luntana, quando o senhor da mesa vizinha puxou a toalha, derrubou tudo no chão e...”.

Tais detalhes podem ser irrelevantes, mas enriquecem o depoimento e, sendo verdadeiros, elimina a possibilidade de que as investigações o desmintam. O mentiroso, ao contrário, evita detalhes a todo custo. Não se arrisca, por exemplo, a dizer que tocava tal canção, porque investigações podem revelar que o restaurante nunca toca tal tipo de música.
Um estudo realizado em 2003 pela Universidade de Virgínia, liderado pela psicóloga Bella DePaulo, comprovou que os mentirosos evitam detalhes exatamente para não serem pegos na mentira. Ao contrário, as testemunhas que dizem a verdade usam os detalhes para buscar, em suas próprias memórias, a sequência dos fatos.
O escritor Wendell Rudacille, autor do livro Identifying Lies in Disguise(Identificando mentiras mascaradas, Kendall/Hunt, 1994), se refere a detalhes aparentemente inconsequentes como “dados verbais tangenciais”, cujas presenças são indicadores confiáveis de que a testemunha está dizendo a verdade.
Sem tensão
A testemunha que sorri, conta coisas engraçadas e torna seu testemunho/depoimento agradável de acompanhar dá sinais bem claros de que está dizendo a verdade, com toda confiança. E ajuda a parte que o colocou no banco de testemunhas, porque seu comportamento cria uma empatia com os jurados. A testemunha que está mentindo não arrisca nada disso.

Usar palavras que advogados usam
Testemunhas que se expressam como um advogado o faria indicam que foram preparadas para dizer o que lhe foi pedido — isto é, se o advogado não tiver o cuidado de lhe pedir para usar suas próprias palavras, como as que usa em conversações cotidianas, para contar sua história. A outra parte irá suspeitar, imediatamente, que obteve uma resposta sob encomenda.

Tempo verbal
O tempo do verbo pode revelar alguma coisa. Estudos mostram que, seja verbalmente ou por escrito, as pessoas que estão dizendo a verdade tendem a descrever os fatos no tempo passado (ou pretérito perfeito). Por exemplo: “Ela entrou em minha casa...”. Pessoas que estão mentindo tendem a descrever os fatos no presente. Isso pode ser uma consequência de elas estarem elaborando uma história, em tempo real, em suas mentes.

Evasivas
A testemunha pode não mentir descaradamente, mas pode ser evasiva, de modo a atrapalhar a apuração da verdade. As evasivas podem estar embutidas em palavras e expressões tão comuns como penso, acho, acredito, suponho, calculo, assumo, poderia, talvez, aproximadamente, cerca de, mais ou menos, até certo ponto, principalmente, quase, você pode estar certo, você pode dizer isso.

As respostas evasivas são mais usadas por pessoas mais sofisticadas, com a vantagem de que, mais tarde, podem corrigir suas declarações, sem que isso signifique que estão contrariando seus depoimentos ou testemunhos originais.
Eufemismos
O uso do eufemismo, definido como uma figura de linguagem que emprega termos que suavizam uma expressão, também é um recurso à disposição de testemunhas mais sofisticadas, que não querem falar a verdade nua e crua. A testemunha pode usar palavras tais como “advertir” em vez de “ameaçar”, “desaparecido” em vez de “roubado”. Assim, não podem ser acusados, a qualquer tempo, de mentir. “Foi apenas uma forma de falar”, podem alegar.

Voz passiva e anonimato
Estudos já mostraram que pessoas contam suas histórias, honestamente, na voz ativa, usando a 1ª pessoa (do singular ou plural): “eu deixei o cofre destrancado”; “nós autorizamos o embarque”. Mas, ao mentir, usam a voz passiva e evitam fazer referências pessoais: “O cofre ficou destrancado”; “o embarque foi autorizado”. Pode ser uma tentativa de transferir a culpa para um autor anônimo da ação.

Se uma pessoa muda sua narrativa da voz ativa e da primeira pessoa para a voz passiva e anonimato no meio de uma história, isso pode ser um sinal de alerta de que algo está errado: “Eu peguei meu revólver para limpá-lo; segurei a arma com a mão esquerda e comecei a esfregar com a direita; de repente, o gatilho foi acionado, de alguma forma; a arma disparou e o tiro acertou minha mulher...”.
O sinal de alerta também toca quando a testemunha muda do “eu” para “você”: “Você sabe, você tenta registrar todos os cheques, mas quando você está realmente ocupado...”.
Alusão a ações
A pessoa descreve uma sequência de ações, sem dizer, em qualquer momento, que realizou qualquer uma delas. Considere esse depoimento: “Todos os dias, faço o back-up do meu computador e guardo a papelada antes de ir para casa. Na última terça-feira, decidi copiar meus arquivos no servidor da rede e também precisava trancar a lista de clientes no cofre da firma”.

Ele disse que fez o back-up? Não. Disse que guardou a papelada antes de sair? Não. Disse que copiou os arquivos no servidor da rede? Não. Disse que trancou a lista de clientes no cofre? Não. Nesse exemplo simples, fica mais fácil identificar o problema e perguntar: “Você fez ou não fez o back-up do computador?” Em outros casos, a manobra pode passar despercebida.
Resposta de pergunta com pergunta
Essa é bem conhecida. Quem quer mentir sem deixar claro que está mentindo, responde a uma pergunta com outra pergunta. À pergunta “você roubou o dinheiro de seu irmão?”, vem a resposta “eu pareço um ladrão para você?” ou “Por que eu roubaria de meu próprio irmão?”. Fica óbvio que a pessoa está evitando dar uma resposta. Mesmo mentirosos preferem não mentir, quando percebem que poderão ser desmascarados e pagar por isso. Considere essa resposta a uma pergunta: “Você não acha que uma pessoa tem de ser muito estúpida para tirar dinheiro de seu próprio caixa?”

Juras e promessas
“Você jura dizer a verdade...?” Claro que sim, qual é o problema. Mentirosos gostam de fazer juramentos e promessas, porque pensam que, assim, serão mais convincentes — embora isso seja uma coisa que uma pessoa pode fazer, quando percebe que o interlocutor não lhe dá crédito.

No entanto, mentirosos têm uma tendência maior de fazer juras e promessas, porque não querem se complicar e podem, tranquilamente, jurar em nome da honra, de Deus e dos raios. A testemunha que está dizendo a verdade não precisa recorrer a essa artimanha, porque sabe (ou espera) que os fatos irão comprovar a veracidade de suas palavras.
História mal contada
Uma narrativa em depoimento ou testemunho tem, normalmente, começo (prólogo), meio (a ocorrência) e fim (o desfecho). O prólogo toma de 20% a 25% da narrativa; a ocorrência de 40% a 60%; e o desfecho de 25% a 35%, mais ou menos. Considere esse depoimento/testemunho:

“Eu estava dirigindo na Elm Street, cerca de 4 da tarde. Estava indo para casa, depois de passar no supermercado. Na esquina da Elm com a Patterson, o sinal ficou vermelho e eu parei. Quando a luz ficou verde, comecei a me movimentar devagar, porque havia outros carros na minha frente [prólogo]. De repente, um carro bateu na traseira do meu carro e o outro motorista não parou [ocorrência]. Assim eu fui para casa e liguei para o seguro [desfecho]”.
O prólogo tem detalhes suficientes. A ocorrência e o desfecho, por falta de informações, levantam suspeitas. O “reclamante” não descreve o outro carro (tipo, cor etc.). Não estima a velocidade, não diz se tentou brecar ou desviar, se a batida foi forte ou fraca, em que direção prosseguiu, se se machucou, se conferiu o dano, se chamou a polícia (como seria normal nos EUA, se buscou testemunhas (como seria normal).
Correção da história
Mentirosos relutam em admitir qualquer erro em sua história. Ao contrário, pessoas honestas admitem imediatamente que houve alguma imprecisão e se prontificam a corrigi-la, até mesmo inconscientemente. Podem se dar conta que disseram alguma coisa errada e voltar na história para explicar melhor. Mentirosos, por sua vez, temem ser pegos na mentira e, portanto, se recusam a admitir qualquer erro.

Testemunho pela internet
Os entusiastas de depoimentos e testemunhos pela Internet devem levar em conta estudos já realizados, segundo os quais é mais fácil para uma pessoa mentir pela Internet ou por telefone, do que em um interrogatório/inquirição face a face.

Contexto é importante
De acordo com Mario Junior, sócio da S2 Consultoria — empresa especializada em prevenir e tratar atos de fraude e assédio nas organizações — a leitura e compreensão dos canais verbais e não verbais de comunicação é uma das formas de identificar quando alguém mente. Dentre as principais maneiras para realizar essa identificação, estão a observação da linguagem corporal, facial, verbal e paralinguística.

Ainda que a linguagem corporal possa revelar muitas coisas, ele afirma que o ideal é analisar o contexto antes de tirar conclusões. O especialista alerta para o fato de que interpretações equivocadas podem ser tornar armadilhas para pessoas destreinadas. “O caminho mais eficaz é identificar se o comportamento apresentado pela pessoa está fora do seu padrão. Caso contrário, você pode cometer graves erros ao analisar uma ‘coçada no nariz’ e julgar que a pessoa está mentindo, sendo que na verdade ela apenas está gripada naquele dia”, explica.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2016.

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