quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Dispensa de licitação só é crime se praticada com dolo, decide TJ-RJ

Não basta provar a dispensa de licitação fora das hipóteses previstas em lei, é necessário também demonstrar que o administrador agiu com dolo e que o ato provocou prejuízos aos cofres públicos. Foi o que afirmou o 2º Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao rejeitar denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo, pela contratação de uma empresa de forma direta para executar as obras de ampliação de um hospital do município.
A contratação ocorreu em 2005, no fim do primeiro mandato de Bomtempo. Além do prefeito, o MP denunciou os então titulares da secretaria de Administração e de Obras do município, o procurador-geral e a procuradora-adjunta de Petrópolis e dois sócios da empresa contratada, a Marc Arquitetura e Construções. O Ministério Público alegou que os denunciados violaram o artigo 89, da Lei 8.666/93 — a Lei de Licitações.
O dispositivo prevê detenção de três a cinco anos, mais o pagamento de multas, para quem “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei”. Já o parágrafo único daquele artigo diz que “na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da dispensa ou inexigibilidade ilegal, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o poder público”.
Ao analisar o caso, a desembargadora e relatora, Suimei Meira Cavalieri, não aceitou a denúncia. Ela foi seguida pelos demais integrantes do colegiado. Segundo explicou o advogado do prefeito, Rafael Araripe Carneiro, do Carneiros Advogados, pesou no julgamento a jurisprudência sobre o assunto.
De acordo com Carneiro, até 2012, prevalecia nos tribunais o entendimento de que o tipo penal previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93 não exigia qualquer fim de agir — apenas a conduta ilícita. “O tribunal estadual reconheceu que o Supremo Tribunal Federal modificou o seu entendimento para exigir que a denúncia indique o efetivo prejuízo da administração pública e o dolo específico de cada acusado”, explicou o advogado.
No acórdão, a relatora ressaltou que o entendimento então prevalecente foi alterado pelo Supremo no julgamento do Inquérito 2.482, que questionava a contratação sem licitação, pela prefeitura de Nova Lima (MG), de bandas para tocar no Carnaval da cidade. Na ocasião, o STF entendeu que “todos os delitos da Lei de Licitações não são delitos de mera conduta nem delitos formais, mas são delitos de resultado”.
A desembargadora frisou que a decisão refletiu-se no Superior Tribunal de Justiça. A corte, que até então considerava o tipo previsto no artigo 89 da Lei de Licitações como sendo de mera conduta, alinhou-se ao STF ao julgar a Ação Penal 480, alguns meses depois.
Nesse julgamento, o STJ declarou que “os crimes previstos nos artigos 89 da Lei 8.666/1993 (dispensa de licitação mediante, no caso concreto, fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei 201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviço pelo particular) exigem, para que sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao erário e a caracterização do efetivo prejuízo”. O entendimento, então, passou a ser aplicado pelo tribunal na resolução de casos semelhantes.
Segundo a relatora, no caso de Petrópolis, o MP não provou a existência de um dolo específico por parte dos denunciados ou a ocorrência de prejuízo para a administração pública. “Na mesma esteira, conquanto revelem o valor do contrato celebrado sem licitação com empresa Marc Arquitetura e Construções para as mencionadas obras hospitalares [...], os documentos que instruem a inicial não trazem indicação de superfaturamento, notícia de paralisação das obras ou outro elemento capaz de inferir a ocorrência de qualquer dano aos cofres públicos”, afirmou.
E decidiu: “Portanto, ainda que compreensível, diante da modificação jurisprudencial, a omissão inevitavelmente conduz à inépcia da denúncia por ausência de descrição integral do elemento subjetivo e, igualmente, desvela a ausência de justa causa, à míngua de indícios mínimos de que as condutas imputadas tenham causado efetivo prejuízo ao erário municipal, não obstante praticadas sem observância dos limites legais”. 
Clique aqui para ler a decisão. 
Revista Consultor Jurídico, 14 de outubro de 2015.

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