quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Carl Hart: "a maioria das pessoas que lidam com o Direito são ignorantes quanto às drogas"

Essa é uma questão muito grande - ironizou Carl Hart, convidado desta semana no Justificando Entrevista, quando perguntado sobre quais eram suas conclusões acerca de suas pesquisas sobre as drogas.
O Cientista e Professor na Universidade de Columbia (EUA) esteve na redação no sábado pela manhã (29) e conversou sobre temas como o vício às drogas, as leis brasileiras sobre o tema e o programa iniciado pela Prefeitura de São Paulo,de Braços Abertos, que trata de recuperação de pessoas dependentes químicas.

As drogas não são tão viciantes com0 as pessoas pensam e a Política de Drogas têm sido usada para marginalizar certos grupos de pessoas

O cientista defende que entre 80 e 90% dos usuários de drogas não se tornam viciados. Somente essa constatação já causaria um choque na forma como o debate sobre o tema é feito em sociedade. 
Isso foi supreendente para mim, já que me foi ensinado que a maioria das pessoas que usam essas drogas, por exemplo, 'use uma vez crack e você já estará viciado'. Mas isso simplesmente não é verdade.
Por que, então, algumas drogas são legalizadas e outras não? Para Hart, essa questão não tem muita relação com a composição farmacológica ou efeitos biológicos das drogas. Na verdade, ele defende que o que é utilizado como critério são as implicações sociais; em outras palavras, a quem ela se dirige.
Por exemplo, nos Estados Unidos, quando uma droga como cocaína e maconha são associadas com grupos que são marginalizados ou grupos que não nos importamos, essa tem sido a razão principal de algumas drogas serem legais ou ilegais.
Essa incoerência do ponto de vista farmacológico, mas absoluta coerência do ponto de vista de perseguição às minorias e populações mais fragilizadas, embasa a política de Estado que, ao invés de assumir que, na verdade, está perseguindo determinados tipos de pessoas, tem como discurso oficial: "nós estamos buscando resolver um problema relacionado às drogas".

A lei brasileira sobre drogas é perigosa. Juízes são ignorantes na questão

No Brasil, para um juiz determinar se a pessoa é usuária ou traficante de drogas, ele deve seguir o que determina a Lei brasileira:
Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Para Hart, essa lei é muito perigosa por uma série de razões - A primeira delas é que a maioria das pessoas que lidam com o Direito são ignorantes quanto às drogas. E elas operam o Direito baseadas em informações erradas ou mitos relacionados às drogas.
Por isso, quando um juiz ou uma juíza precisa tomar uma decisão quanto às circunstâncias sociais das drogas, essa pessoa também tem seus estereótipos, crenças que acredita sobre certos grupos raciais, como os negros.
Um modelo a ser seguido seria Portugal, onde o porte para consumo é permitido e os critérios necessários para distinguir são mais objetivos, isto é, poder portar até uma determinada quantidade de drogas.

Como seria uma política de drogas ideal? 

Questionado como seria a política de drogas, caso fosse responsável por ela, Hart foi direto: Se eu fosse o responsável pela Política de Drogas da nação, da sua ou da minha, a primeira coisa que faria seria descriminalizar o uso de todas as drogas.
A consequência direta seria o fim do hiper-encarceramento em todo mundo de pessoas por questões relacionadas às drogas, para tentar outra alternativa para manter não só a sociedade, como também os próprios usuários mais seguros.
Outra questão que entraria na pauta de Hart seria o fim de programas de conscientização, que somente tem esse nome, mas que não significa o que propõem. Neles, frases como "você pode vencer a luta contra o crack", ou "diga não às drogas" seriam substituídas por maior informação à população acerca do uso e danos.
As drogas são potencialmente perigosas e eu ensinaria as pessoas quais são esses perigos, assim como fazemos com pessoas que dirigem automóveis. Eles são potencialmente perigosos, mas não temos uma guerra contra eles. Isso seria ridículo. Nós ensinamos as pessoas a dirigir com segurança.
Além de ensinar as pessoas quais são os efeitos acerca do consumo de drogas, Hart também propõe a regularização do uso recreativo de drogas, como uma medida de política, como é feito em diversos estados norte-americanos, como Colorado, Oregon e Alasca.

Braços Abertos, em São Paulo, é um bom caminho na política de drogas

Carl Hart é um dos grandes apoiadores do Programa iniciado pela Prefeitura de São Paulo no mandato de Fernando Haddad; trata-se do programa de Braços Abertos. 
Destinado a dependentes de crack e moradores de rua da região da Luz, a Prefeitura oferece vagas em oito hotéis da região central, três refeições diárias, participação em uma frente de trabalho, duas horas de capacitação e renda de R$ 15 por dia. Aos finais de semana, todos os beneficiários têm ainda a oportunidade de participar de oficinas de arte, música e cultura, além de aulas de esporte.
As pessoas devem ter expectativas realísticas quanto a esse programa, que basicamente funciona dando uma oportunidade alternativa aos usuários de drogas. 
Para Hart, o programa se apoia em estudos científicos - na Ciência nós sabemos que fornecer uma alternativa atrativa pode diminuir o uso das drogas. (...) Então, é um dos melhores programas que eu já vi a nível de uma cidade.

A Polêmica no Hotel

Ao final da entrevista, Carl Hart disse não ter sido barrado na recepção do hotel Tivoli Mofarrej, mas percebeu uma movimentação dos seguranças que foram contidos por outras pessoas: "Aparentemente um dos seguranças achou que eu não pertencia ao local. Mas imediatamente outras pessoas avisaram ao segurança, e eu continuei caminhando, então nada foi dito a mim, eu apenas continuei andando. E ai, depois que conversaram com esse segurança as pessoas vieram se desculpar pelo incidente. As pessoas estavam injuriadas. Não estavam felizes com o que aconteceu."
A matéria fora divulgada pelo Justificando, após a redação obter a confirmação por fontes oficiais do evento, bem como por frequentadores; além disso, o suposto incidente fora apurado por outros veículos de comunicação, que chegaram à mesma conclusão. Posteriormente, nas imagens internas oferecidas Hotel, não foi possível ver qualquer aproximação a Hart. O Hotel Tivoli negou que tivesse impedido-o de entrar.
Para ele, o episódio “foi um incidente relativamente pequeno quando eu penso no que acontece nessa sociedade todos os dias” e que "se eu consigo chamar a atenção para o que eles (negros e negras brasileiras) sofrem todos os dias, isso é muito mais importante".

Se os leitores do Justificando ficaram chateados com suposto racismo em matéria, isso é uma boa oportunidade para dialogar

Na matéria que o Justificando publicou, um trecho irritou muitos leitores e leitoras do site que o acusaram de racismo. Era uma parte que se referia à descrição de aspectos físicos de Carl - cabelos dread e dentes de ouro - para enfatizar os supostos problemas ocorridos na portaria do hotel, além de dizer que, para ele, eram heranças de sua pobreza, conforme havia dito em algumas ocasiões.
Hart era um dos pouquíssimos negros que estavam no evento, e manifestou sua tristeza sobre a segregação brasileira na própria entrevista - Havia tão poucos negros lá. Existem poucos negros nas universidades, na classe média, na política, seus políticos. 
Quando explicamos a ele o que havia ocorrido na matéria e aproveitamos para pedir desculpas, Carl Hart responsabilizou, dentre outras coisas, à falta de debate sobre discriminação que existe no Brasil - a população tem ignorado a discriminação racial que ocorre nesse país e uma das formas que faz ela continuar, é não existir uma conversa pública sobre isso. Então quando você diz que eu tenho 'dreadlocks', dentes de ouro e esse tipo de coisa, as pessoas imediatamente pensam: 'oh, isso pode ser racismo'. 
Se as pessoas se sensibilizam sobre o assunto, é dever do portal iniciar o diálogo sobre o tema - quando elas dizem que isso foi discriminação racial e não é, é sua obrigação deixar tudo mais claro, explicar porque você listou essas características em particular. E quando você explica terá um diálogo ou uma discussão e então as pessoas terão liberdade para dizer o que pensam. 
O fato dos leitores ficarem chateados é uma coisa boa, porque agora você pode iniciar um diálogo que esse país tem evitado por tanto tempo - finalizou.
Veja a Entrevista completa abaixo:

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