segunda-feira, 6 de julho de 2015

Em 1925, crime cometido por adolescente gera debate sobre punição a menores

"Até então nos seus 11 anos, Manoel, hoje com 14, nunca tivera atração nenhuma para errar. Sem carinhos e sem meios, dormia e comia quando as circunstâncias lhe permitiam, mas sedução nenhuma o arrastara para lançar mão do alheio". Conforme explica depois a matéria publicada na primeira página do GLOBO do dia 24 de setembro de 1925, Manoel usou um machado para matar um senhor na Rua do Rezende, no Centro. O crime estamparia durante dias as manchetes dos jornais e, pela pouca idade do envolvido, geraria debate entre os deputados que reivindicavam pena de adulto para ele.

O caso poderia ser confundido com uma notícia atual num momento em que o Congresso Nacional discute a redução da maioridade penal. Na madrugada desta quinta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a responsabilização criminal de jovens de 16 e 17 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Foram 323 votos a favor, 155 contra e duas abstenções.
No caso do crime de 1925, atualmente, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Manoel seria responsabilizado pelo que fez. Com 14 anos, teria tratamento de menor infrator e poderia receber uma pena de internação forçada de, no máximo, três anos. A lei da época tinha muitos aspectos diferentes da atual, mas também previa que o menor deveria ser encaminhado a um abrigo especial.

 Entretanto, devido à falta desses espaços, Manoel acabou sendo enviado a uma prisão comum, de acordo com reportagens da época.
Tanto as punições para menores infratores quanto a maioridade penal tiveram diversas modificações no Brasil, conforme reportagem publicada, no mês passado, na seção História do GLOBO. A letra fria da lei esquenta debates desde as Ordenações Filipinas, em 1603, quando, pela primeira vez, ficou estipulado que a pena para menores infratores deveria ser diferenciada. Na época, a maioridade era de 20 anos, mas havia diferentes gradações para quem cometia delitos dos 17 até esta idade. Para os infratores com até 16 anos, havia outras regras. Porém, em 1830, foi elaborado o Código Criminal do Império, o primeiro deste tipo, que trouxe um endurecimento em relação a menores infratores.

A maioridade foi para 21 anos, mas o marco foi estipular a idade de 14 anos para menores infratores. O texto, contudo, ainda deixava aberto o entendimento do juiz. Já o jovem de 17 a 21 anos que cometesse infração no Império teria sua pena reduzida em relação à punição para adultos. Porém, a legislação deu início a um problema que viria a ser histórico. Foram criadas poucas — e muito insalubres — unidades das Casas de Correção, que não deram certo.
Com a República, um novo código surgiu, com uma nova prerrogativa. A legislação definiu que, a partir dos 9 anos, a criança poderia ser considerada um menor infrator (hoje, com o ECA, isso só pode acontecer a partir dos 12 anos). Ainda assim, se o juiz entendesse que uma criança de 9 a 14 anos tinha discernimento sobre a transgressão, ela poderia ser encaminhada a estabelecimentos disciplinares industriais e ficar lá, muitas vezes, até os 17 anos. Para infratores de 14 a 17 anos, a mesma medida era aplicada, só que, nestes casos, o adolescente poderia ficar internado até os 21 anos.
A inserção de jovens infratores em entidades industriais não ocorreu como planejado. Foi mais um projeto direcionado a menores que não teve sucesso. Por esse motivo, em 1921, uma nova lei elevou o marco inicial para a "responsabilização" de 9 para 14 anos. E ficou determinado que a maioridade penal seria de 18 anos. Mas o maior impacto foi mesmo o fim da noção de discernimento no julgamento, criticado por ser subjetivo, possibilitando interpretações diferentes de juízes.

Segundo a lei de 1921, adolescentes de 14 a 18 anos deveriam receber tratamento diferenciado. Apesar de levado ao Juizado de Menores, o jovem Manoel, o autor do crime da Rua do Rezende, não foi encaminhado a um local apropriado a sua faixa etária, possivelmente porque não havia vagas nas poucas entidades disciplinares da época.
Foi justamente após críticas de movimentos sociais à falta de locais para adolescentes infratores que nasceu o Código de Menores, em 1927. A legislação, que se opunha ao aprisionamento de jovens com menos de 18 anos, seria confirmada no Código Penal de 1940. O Instituto Macedo Soares, em São Gonçalo, foi um desses lugares que virou símbolo do debate sobre medidas para menores infratores. Em 1961, durante visita de deputados, foram achados instrumentos de tortura, como palmatórias.

Dependendo do "desvio" cometido por um interno, ele recebia "de oito a 24 bolos", mostrou reportagem do GLOBO na época. A partir de então, o marco de 18 anos se consolidou. Entretanto, as políticas para menores infratores variaram. Na ditadura militar, foi criada a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (Funabem). Em 1979, foi atualizado o Código dos Menores, que passou a prever uma "doutrina da situação irregular".
O quadro só melhorou anos depois com a o Estatuto da Criança e do Adolescente, criado em 1990 e ainda em vigor. Era a "doutrina da proteção integral" se contrapondo à anterior. Sob este ponto de vista, os menores passaram a ter seus direitos fundamentais garantidos. Com o ECA, a culpabilidade foi fincada nos 18 anos. A partir dos 12, todo menor seria tratado conforme determina o estatuto; e crianças mais novas, protegidas pelo Estado.
Naquele ano de 1925, o adolescente Manoel respondeu aos jornais o que pensava sobre o seu destino: "Não sei. Só penso que o arrependimento que tenho agora deveria ter vindo antes".

Fonte: Raphael Kapa - O Globo

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