segunda-feira, 8 de junho de 2015

Opinião pública não pode influenciar o Direito Penal, mas deve ser ouvida

Já faz algum tempo que o Direito Penal passou a ser objeto de cobertura diária da imprensa nacional. Raros são os dias em que as principais manchetes não retratam julgamentos criminais ou operações da polícia federal. Como consequência desse fenômeno, o Direito Penal passou a ser tema das rodas diárias de conversas. Todos passaram a opinar sobre temas como a legalidade – ou ilegalidade – de prisões e de interceptações telefônicas, a justiça – ou injustiça – de condenações.
Nesse cenário, como é de se esperar, começam então a surgir propostas visando alterar a legislação penal para endurecer as penas e limitar – ou eliminar – garantias asseguradas aos acusados em processos penais. A necessidade de dar uma “resposta à opinião pública” e um “basta na impunidade” são refrões que começam a ser entoados pelos defensores de tais propostas.
É ilusório defender que a opinião publica não influencia o direito penal. É uma relação complicada. Se de um lado o direito penal não deve ceder à opinião pública, por outro também não há como ser totalmente imune a ela. Por isso que na doutrina há quem defenda que, em alguns aspectos, a relação do sistema de direito criminal com a opinião pública é “uma perpétua máquina de produzir frustrações[1]. Outros – como o advogado francês Moro-Giaferri – no passado advertiam que a opinião pública é uma “prostituta que puxa o juiz pela manga”.
Nesse debate é preciso ter em mente que a opinião pública – além de instável - não é algo uniforme e nem se confunde com a opinião publicada. E, ainda, que sobre um mesmo tema podem coexistir diversas correntes de opinião, concorrentes, divergentes, coexistentes sem conflito, ou contraditórias. Como então definir o que é a “opinião pública”? E, o que é mais complicado, como avaliar se opção realizada pela maioria da “opinião pública” é correta e juridicamente aceitável?
Para refletir sobre o tema, basta lembrar duas propostas em debate na atualidade: a redução da maioridade penal e a antecipação dos efeitos da sentença penal condenatória.
Pesquisas divulgadas recentemente apontam que 87% dos brasileiros quer a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Certamente a maioria dos entrevistados ignora a posição dos juristas e dos especialistas na matéria. Defende a mudança acreditando que será uma solução para o crescimento da criminalidade.
O mesmo fenômeno se repete quando se fala da antecipação dos efeitos da sentença penal condenatória. Qualquer proposta nesse sentido goza de amplo apoio da população, que acredita que o acusado de crimes graves deve ser imediatamente recolhido à prisão. Para a maioria da “opinião pública”, principalmente nesses casos de grande repercussão na mídia, basta a acusação – e o julgamento feito pela imprensa – para que o acusado seja imediatamente recolhido ao cárcere.
Não devemos cair em tentação e admitir a aprovação da legislação do pânico – ou das leis de emergência – que, embora proposta com o suposto apoio da “opinião pública”, atenta contra garantias do cidadão.
A opinião pública até pode servir de referencial para o debate de mudanças legislativas. Contudo, é necessário que isso ocorra sem macular os princípios do Estado Democrático de Direito. No que toca aos julgamentos, vale lembrar o que ensinava o saudoso advogado Márcio Thomaz Bastos: “o juiz deve evitar ceder às solicitações da opinião pública, ainda que ele seja lançado na difícil obrigação de dar preferência a uma verdade às vezes incômoda, embaraçosa e impopular às facilidades de uma decisão demagógica[2].
[1] José Roberto Franco Xavier. A OPINIÃO PÚBLICA E O SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL: SOBRE AS DIFICULDADES DE COMPREENDER ESSA RELAÇÃO COMPLEXA. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 112/2015 | p. 149 - 164 | Jan - Fev / 2015
2 "Júri e mídia". In: Rogério Lauria Tucci (Coord.). Tribunal do Júri, estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: RT, 1999. p. 115

 é Secretário Geral Adjunto da OAB-MA e sócio de Ulisses Sousa Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 5 de junho de 2015.

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