sexta-feira, 12 de junho de 2015

A vingança social tem limites, não pode ter caráter perpétuo

A discussão sobre a redução da maioridade penal volta a ganhar destaque, especialmente após o anúncio do presidente da Câmara dos Deputados de que votará ainda neste mês de junho a proposta de emenda constitucional que reduz a idade mínima de imputabilidade penal.
A atual conjuntura política do país, de profunda crise de confiança nos poderes constituídos, torna o debate de temas sensíveis uma verdadeira batalha ideológica. Mas duas premissas devem ser estabelecidas.
Primeira: o debate pode (e deve) ser feito. A liberdade de opinião e o respeito à divergência são as chaves de uma sociedade livre e justa. Percebe-se de grupos mais radicais, e especialmente daqueles grupos extremistas que pretendem conservar a Constituição, uma antipatia com a discussão, buscando ridicularizar e diminuir os defensores da redução da maioridade penal. Ora, desde quando existem tabus numa sociedade livre? Na verdade, a conduta de vetar o debate leva ao efeito justamente contrário, que é a radicalização do discurso contrário, que é muito mais popular.
Basta, aliás, ver que o consumo é muito mais voltado para a violência, do que para a educação, a fraternidade e o diálogo. A sociedade consome muito mais os tabloides sanguinários — aí incluídos os programas de televisão — do que os contos de Machado de Assis, Monteiro Lobato ou os romances de Guimarães Rosa.
Aceitar que a sociedade tem direito a debater e que as melhores razões devem ser apresentadas é um primeiro passo para legitimar a manutenção da maioridade penal em dezoito anos.
Segunda: o Poder Legislativo é o legitimado, por excelência, para promover a mudança ou manter como está. Chega a ser revoltante ver setores da sociedade civil atacando o poder constituído mais democrático: o Congresso Nacional. Sem dúvida que a legitimidade parte de fora para dentro, isto é, a sociedade é quem confere aos congressistas o direito de falar em seu nome.
Ocorre que essa formatação do Poder Legislativo está aí — sob a batuta da Constituição — há quase 27 anos. Mais de um quarto de século! Neste momento, o Congresso Nacional promove mais uma reforma política, e cabe aos que acabaram — a sociedade civil — de eleger esses deputados e senadores pugnarem para que fórmulas que deem mais legitimidade sejam aprovadas.
O Poder Legislativo representa, sim, o nosso país, que é conservador, pobre e paternalista. A ofensa aos deputados é àqueles que de forma livre e democrática votaram e venceram as eleições. Tal conduta, mais uma vez, leva ao descrédito, e legitima a radicalização do próprio Poder Legislativo, que em resposta à ofensa promove a mudança que entende necessária.
Aceitas as premissas acima, não é difícil demonstrar que a maioridade penal não deve ser modificada.
A justiça criminal se aplica somente àqueles que são chamados de penalmente imputáveis. E para identificá-los o Direito Penal definiu os inimputáveis, ou seja, aqueles que não respondem criminalmente: os que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não é capaz de entender o caráter ilícito do fato criminoso ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
É muito fácil perceber, portanto, que uma criança de um ano e meio não tem o desenvolvimento mental completo e não é capaz de entender o caráter ilícito de suas ações. Agora, um adolescente de dezesseis anos tem essa compreensão? A resposta deve ser em alguns casos sim; em outros, não.
Por conta desse tipo de resposta, e em benefício da sociedade — para evitar abusos e, principalmente, injustiças — a Constituição Federal estabeleceu um requisito objetivo de inimputabilidade: os menores de dezoito anos não respondem criminalmente por seus atos. Poderia ser dezesseis, quatorze, dez, mas os constituintes escolheram dezoito.
Disso deflui uma consequência jurídica importante: a garantia é cláusula pétrea. Veja que a própria Constituição afirma que as garantias e direitos arrolados no artigo 5º não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. Ora, uma vez que se entende como proteção a abusos a imputabilidade somente a partir dos dezoito anos, essa norma constitucional passa a se compatibilizar com os princípios adotados pelo texto constitucional, o que a torna imune à emenda.
Ainda que assim não fosse, de forma pragmática, a mudança seria para o quê? Se a resposta for para que os menores infratores observem a lei, então o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) apresenta-se como medida satisfatória. É que o menor que comete ilícito não está imune ao castigo: o ECA prevê as medidas socioeducativas a serem aplicadas, inclusive com possibilidades de alcançar os responsáveis pelo menor.
Mas a mudança poderia ser por outro motivo: satisfazer a vingança social. Ocorre que a vingança, e aqui se entende pelo direito de punir, tem limites: não pode ter caráter perpétuo; não pode ser pena de morte; não pode ser cruel. Em síntese, o infrator deve retornar à sociedade após sua punição. E em condições o infrator retornará?
Estender o direito penal ao menor, significa expor todos, mesmo aqueles que não têm o desenvolvimento mental completo, a um sistema penitenciário falido e mal sucedido. É dizer, expor mais de 28 mil adolescentes a condições absolutamente impróprias. Ainda mais se concluir que muitos desses jovens efetivamente não entendem a gravidade da conduta que tomaram.
Como paralelo, pode-se comparar o efeito da diminuição da maioridade penal com a restrição do acesso a armas (Estatuto do Desarmamento). A quase-proibição de acesso a armas não diminuiu o número de homicídios, ao contrário, o que se vê é a escalada da violência. Assim como o caminho mais fácil parece ser “eliminar as armas”, também soa, ilusoriamente, mais simples punir com mais facilidade o adolescente.
A solução é outra, e muito mais profunda: a mudança de paradigmas, de uma sociedade violenta para uma sociedade mais fraterna. Ao invés de mais presídios, o país precisa de mais escolas, principalmente de qualidade, com professores qualificados, que consigam integrar toda a comunidade, e especialmente, a unidade familiar, que hoje se encontra desintegrada, submissa às ações do Estado.
 é advogado em Brasília, integrante do escritório Oliveira Campos & Giori Advogados Advogados e Secretário Geral da Comissão de Ciências Criminais e Segurança Pública da OAB-DF.
Revista Consultor Jurídico, 11 de junho de 2015.

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