quarta-feira, 18 de março de 2015

Situação carcerária exige do Supremo uma resposta célere e eficaz


Os problemas do sistema prisional brasileiro são conhecidos: superlotação, violência, ausência de saneamento, doenças e criminalidade organizada estão presentes em quase todos os ambientes de privação de liberdade do país. A manutenção desse sistema institucionalizado de violações de direitos se dá por equívocos de cada um dos poderes democráticos e pela sociedade como um todo. Alguns deles se originam da alta cúpula do Judiciário. O adiamento da votação da proposta de súmula vinculante 57 — que trata da progressão de regime fechado para o regime aberto — é um desses casos.
O papel do poder Judiciário é crucial para garantir direitos, ainda que eles não pareçam convenientes para parte da população. Ainda que a sociedade ignore de modo geral o problema do cárcere como uma questão geral e em resposta o Legislativo amplie os tipos penais e aumente penas, e o Executivo invista muito mais em repressão do que na prevenção de crimes, cabe ao Judiciário tentar romper com esse ciclo de inércia e violência. Porém muitas vezes o Judiciário tem contribuído com o agravamento da situação, já que em geral o abuso de força policial não é responsabilizado, utiliza-se a prisão provisória de forma indiscriminada (ao invés de aplicar medias cautelares) e, especialmente, deixa-se de aplicar súmulas e precedentes de tribunais superiores sem maiores justificativas.
Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm fixado há anos que os condenados que tiverem preenchido os requisitos para migrar do regime fechado para o semi-aberto poderão usufruir do regime aberto caso não existam vagas em estabelecimento prisional adequado para o regime semi-aberto. No mesmo sentido, os condenados inicialmente a regime semi aberto devem ir para o regime aberto e não para o fechado. Mesmo se tratando de uma orientação clara e que visa garantir que ninguém esteja sujeito a um regime mais grave do que aquele imposto na sentença, os juízes e tribunais tendem a ignorá-la. É por este motivo que o Defensor Público-Geral Federal propôs ao STF, em 2011, que esse entendimento fosse aprovado como enunciado de súmula vinculante.
Após quase quatro anos a proposta foi levada para julgamento no Plenário, mas a votação foi suspensa pelo pedido de vista do ministro Roberto Barroso, com a justificativa de apreciá-la após julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral sobre o mesmo tema. No debate que os ministros travaram, deixou-se de analisar o que era de responsabilidade do Judiciário para imiscuir-se nas tarefas dos outros. Ao invés de decidir de forma célere a regra para impedir que presos cumpram pena em regime mais gravoso, dando um recado claro às instâncias judiciárias inferiores, preferiu debater os custos de medidas alternativas, como as tornozeleiras eletrônicas e “medidas mais amplas sobre o sistema prisional”. Não é ruim que o Judiciário seja um espaço para a resolução de problemas complexos, como são as políticas criminais, mas desde que promova a interlocução entre os diferentes atores institucionais. Isolado, poderá pouco.
Caso este tema não retorne em breve e não tenha solução mais ampla do que oferecida pela proposta de súmula vinculante 57, a nobre intenção terá favorecido a continuidade de um “estado de inconstitucionalidade” em nossas prisões. Parte essencial de sua função é dar respostas adequadas quando solicitado, as mais justas possíveis e de forma célere. O julgamento foi adiado e todos aqueles inconstitucionalmente privados de liberdade em regime mais gravoso permanecem como estão. Ao calçar os sapatos dos administradores, deixou de oferecer justiça.
Rubens Glezer é professor da FGV Direito SP e Coordenador do Supremo em Pauta.
Eloísa Machado de Almeida é coordenadora do projeto Supremo em Pauta da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP)
Revista Consultor Jurídico, 17 de março de 2015.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog