segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Não há como concordar com a pena de morte nos tempos atuais

E a morte de Marco Archer Cardoso Moreira, brasileiro, 53 anos, ex-instrutor de voo livre, aconteceu — por fuzilamento. Pego com cerca de 13 quilos de cocaína, ao tentar entrar na Indonésia em 2003, foi condenado à morte no ano seguinte. Aguardava-se melhor solução, que não a execução.
Respeitada a soberania daquele país e seu sistema de leis, solenemente, seu governo ignorou pedidos de clemência ou comutação de pena do governo brasileiro — de Lula a Dilma. 
Sim, o executado errou feio ao traficar cocaína naquele país. Por isso, merecia punição severa — mas nem tanto! Afinal, a comercialização de entorpecentes é crime hediondo e justifica repúdio social intenso. Porém, sob a perspectiva de uma dinâmica social civilizada e da resposta proporcional do Estado às infrações penais, sobretudo nos tempos atuais, não se há como concordar com a pena de morte — principalmente, na situação.
Marco ficou preso, à espera da definição de seu caso, por cerca de 11 anos — do que já é pena, indiscutivelmente. Lá, constam precedentes de comutação da pena de morte, em casos semelhantes. Note-se: não se está a falar de alguém que controlava grande rede de tráfico de drogas. Não! A cocaína estava dentro de tubos duma asa delta.
De se considerar, ainda, que a mesma Indonésia que executou o brasileiro condenou o terrorista islâmico Umar Patek, responsável por uma bomba que matou 202 pessoas em 2002 a apenas 20 anos de prisão. Aí, onde os conceitos de proporcionalidade e justiça?
Sob o ponto de vista cristão, nada justifica a pena de morte. A punição do erro pressupõe a chamada “pena de vida”, única capaz de, afastada a vingança estatal, levar o delinquente à reflexão detida do ato cometido e de suas consequências, possibilitando-lhe reformulação de conceitos e da própria vida (ao menos, em tese). 
A morte, em si considerada, conceitualmente, não pode ser vista como pena, mas como supressão desta pelo afastamento de cena do agente do delito. Isso, a par do aspecto de ressocialização ínsito à punição — em linha de princípio e na presença de pressupostos fático/jurídicos que permitam o alcance daquele fim (infra-estrutura carcerária digna, etc.).
No episódio, Dilma Rousseff fez o que devia. Buscou contato com o colega Joko Widodo, para que a questão fosse resolvida doutra forma. Não deu! Procuremos entender por quê.
Com mais de 250 milhões de habitantes, a Indonésia é o mais populoso país de maioria muçulmana do mundo (87%) e se transformou num dos focos do jihadismo — segundo informação do jornalista Reinaldo Azevedo em seu Blog. Mas, o que isso tem a ver com a questão?
Entre 2013 e 2014, pelo menos 300 terroristas deixaram suas cadeias. Em 2002, o grupo Jemaah Islamiyah, ramo da Qaeda no Sudeste Asiático, matou 200 pessoas num atentado suicida em Bali. O grupo explodiu duas vezes o hotel JW Marriott em Jacarta, em 2003 e 2009. Ao menos 830 pessoas ligadas à ação terrorista deixaram a cadeia nos últimos dez anos (por informações daquele jornalista).
Ora, que país põe na rua centenas de terroristas e executa traficantes de drogas estrangeiros, fazendo questão de não ceder a repetidos pedidos de clemência doutros chefes de Estado? A resposta é óbvia: um país só clemente com terroristas. E esse fato dá boa conta do jeito indonésio de ser. Mas, onde entra o Brasil?
Hoje, em baixa no mundo — em especial no campo diplomático —, não mais usufrui do ufanismo de outrora, encontrando-se em verdadeiro “inferno astral” no concerto das nações. A diplomacia brasileira é, já de algum tempo, para dizer pouco, melancólica — triste de ver. O caso em questão dela exigia, pois, condução competente de negociação de bastidor que pudesse evitar o desfecho trágico — a perda duma vida nessas circunstâncias.
Decididamente, não foi do que se viu. O tempo passou, tanto quanto as tratativas políticas infecundas, consolidada a “droga da pena de morte”, ao largo da plenitude de vida concedida por Deus. Pensemos nisso, nas particularidades do caso, já que, lá, na mesma Indonésia, outro brasileiro há, em igual situação, à espera do fim de seu prazo de validade de vida!
 é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 18 de janeiro de 2015.

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