terça-feira, 14 de outubro de 2014

Um em cada dez homicídios em Curitiba é cometido por adolescente

Com uma taxa de 25,2 homicídios por 100 mil habitantes, o Brasil é o 16.º país mais violento do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Os adolescentes, entretanto, não são os principais responsáveis por esse quadro. De 2012 até setembro de 2014, 136 homicídios e latrocínios foram imputados a menores de 18 anos em Curitiba – apenas 8,7 % do total de casos da cidade. Em todo o país, esse porcentual foi de 3% em 2012 – último ano com dados disponíveis.
INFOGRÁFICO: Confira a quantidade de homicídios cometidos por adolescentes em Curitiba
 Quando comparados com os crimes de menor potencial, o total de homicídios também é reduzido. Entre janeiro e setembro deste ano, a Vara do Adolescente de Curitiba analisou 52 assassinatos cujos autores são menores – 13 vezes menos do que a soma de casos de furto (192) e tráfico de drogas (483). Os 136 homicídios contabilizados pela Gazeta do Povo são aqueles imputados a adolescentes após a conclusão da investigação e remissão para a Justiça e não apenas casos em que o menor é apontado como autor no momento do registro policial.
Mas mesmo diante desses números, por que, então, a redução da maioridade penal é tão discutida no país? Segundo a promotora da Vara do Adolescente em Conflito com a Lei, Danielle Cavali Tuoto, a resposta pode estar nos casos emblemáticos e na desinformação. “O adolescente apreendido por homicídio sofre restrição de liberdade provisória. Depois, é internado e só sai antes de três anos se uma equipe técnica julgar que ele tem condições para isso. O adulto homicida sem antecedentes e com bom comportamento, ganha liberdade em um ano.”
Casos como os assassinatos do universitário Victor Hugo Deppman e da dentista Cinthya Magali Moutinho de Souza – ambos mortos por adolescentes prestes a completar a maioridade penal em São Paulo – e mais recentemente o do segurança da boate Rancho Brasil, em Curitiba, também reforçam o clamor social em torno da questão. “A política referente ao tratamento penal dos crimes cometidos por adolescentes não deu resultado e tem provocado um aumento acentuado na criminalidade. Por isso, defendo a redução da maioridade penal para maiores de 16 anos”, argumenta o procurador do Ministério Público do Paraná e ex-secretário de Segurança Pública do estado, Cid Vasques.
O procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, por sua vez, questiona esses argumentos. “A sociedade tem duas opções: resgatar o jovem ou entregá-lo definitivamente à criminalidade ao encarcerá-lo em penitenciárias. A adolescência é a fase de formação para nossos filhos, mas para os dos outros, principalmente aqueles de famílias menos favorecidas, a infração torna-se questão de má índole.”
Alçadas à condição de “masmorras” pelo próprio ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, as penitenciárias brasileiras têm números até piores do que centros de socioeducação para adolescentes. Segundo a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná (Seju), a reincidência no sistema prisional do estado é de 40%.

Baixar a maioridade penal virou bandeira política
Ao todo, 32 propostas de redução da maioridade penal tramitam ou já tramitaram pelo Congresso Nacional. A primeira delas data de 1989, menos de um ano após a promulgação da Constituição Federal, que garante a inimputabilidade aos menores de 18 anos. Uma das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) é de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB) – atual candidato à vice-presidência pela chapa de Aécio Neves (PSDB), que também consta na lista de proponentes da PEC.
Apesar de o projeto ter sido rejeitado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), ele consta no programa político de Aécio Neves e virou, inclusive, tema central na busca do tucano pelo apoio da ex-senadora Marina Silva (PSB), derrota no primeiro turno das eleições presidenciais.
As tentativas de redução da imputabilidade penal concentram-se, principalmente, na alteração da redação do artigo 228 da Constituição, que estabelece a legislação especial para menores de 18 anos. Essa cláusula, entretanto, é considerada pétrea e poderia ser alterada somente mediante uma Assembleia Nacional Constituinte.

Sistema de internação é falho

Embora não possa ser o único indicador da eficiência da internação, o alto índice de reincidência entre adolescentes no país (43% em 2012, segundo o Conselho Nacional de Justiça), sugere falhas no sistema. O último grande relatório que avaliou essas unidades, entretanto, data de oito anos atrás. Trata-se de um levantamento da OAB e do Conselho Federal de Psicologia.
Depois dele, no ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público chegou a fazer trabalho semelhante. Foram analisadas, entretanto, apenas 80% das unidades do país e os dados foram divulgados por região e não por estado. “Foi estarrecedor. O levantamento revelou que as políticas públicas que deveriam ser implementadas no interior das unidades não estavam sendo cumpridas”, avalia a advogada Marta Tonin, da OAB-PR, que presidia a Comissão de Direito da Criança e do Adolescente à época. Entre as irregularidades encontradas na ocasião estavam a superlotação e a falta de acompanhamento psicossocial.
A ausência de dados atualizados também é um obstáculo para a avaliação do sistema. “O poder público mede o sucesso dos programas pela reincidência, mas e o restante? Não se sabe onde está, se morreu ou se saiu do estado, se voltou para a criminalidade mas ainda não foi capturado”, diz a psicóloga Paula Gomide, idealizadora de programa para adolescentes internados por crimes violentos.

Apoio

Falta acompanhamento das famílias, dizem educadores

A despeito das críticas ao sistema de acolhimento, segundo educadores e profissionais da rede de proteção ouvidos pela Gazeta do Povo, o principal fator para a reincidência dos jovens no crime é a falta de acompanhamento posterior, que deveria estender-se também às famílias.
“O adolescente sai [da internação] e não há um processo de reinserção social. Nem mesmo a escola acolhe esse jovem. A matrícula é feita por determinação judicial, mas não há acompanhamento da frequência”, diz Lúcio Sérgio Ferracin, que atuou sete anos no Cense São Francisco e hoje está na Vila da Cidadania, projeto da Secretaria Estadual de Educação.
Além disso, há o peso do estereótipo. “É uma hipocrisia, porque, da perspectiva legal, o menor sai da medida isento de qualquer pecado. Mas, para a sociedade, está marcado a ferro e fogo. Não há acompanhamento, mas claramente o menino desvinculado deveria ser assistido por assistente social, psicólogo. A família necessita atendimento também, pois são lares desestruturados e violentos”, observa Elival do Couto Souza, que trilhou o mesmo caminho de Ferracin.
Até mesmo a diretora do Cense Joana Richa, única unidade de acolhimento feminina do estado, Célia Figueiredo Fayzano, confirma a falta de acompanhamento posterior. “Nosso esforço é no sentido de que aqui não é o mundo delas, e sim lá fora. Nós conseguimos acompanhar uma ou outra menina por vias informais, algumas telefonam, de outras sabemos pela igreja”, explica Célia.

Contraponto

Secretaria diz que reincidência diminuiu nos últimos anos

A Secretaria da Família e Desenvolvimento Social (Seds) do Paraná informou que, desde 2011, o número de reincidentes no ato infracional caiu de 29% para 22% em 2013. Os resultados, diz a pasta, são fruto de investimentos na melhoria das unidades, no fortalecimento das atividades de orientação profissional, lazer, cultura, esporte e escolarização dos adolescentes. Como exemplo, a Seds cita a emissão de 2.101 certificados, entre julho de 2013 e junho de 2014, para jovens matriculados em cursos do Pronatec.
Já sobre as ações para auxiliar os jovens recém saídos do sistema, a pasta informou que tem um programa para regularizar a documentação básica – como CPF, carteira de identidade e de trabalho. Segundo a Seds, esse auxílio é fundamental para que adolescentes saiam do sistema aptos a exercer sua cidadania.

Fonte: RAPHAEL MARCHIORI E CAROLINA POMPEO - Gazeta do Povo

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