quarta-feira, 15 de outubro de 2014

81% dos jovens detidos têm transtornos mentais

A discussão sobre reabilitação de adolescentes em conflito com a lei passa pela questão da saúde mental. 

 Em pesquisa realizada para sua tese de doutoramento pela UFPR, o psiquiatra Gustavo Schier Dória verificou que 81% dos adolescentes entrevistados possuia diagnóstico de um ou mais transtornos psiquiátricos. Em uma população de jovens que não estão em conflito com a lei esse índice fica entre 10% e 15%.


Os resultados obtidos indicam a necessidade de se pensar em mecanismos no interior do atendimento socioeducacional que permitam o diagnóstico e o tratamento apropriado desses adolescentes. “Não se pode resumir o problema a isso, pois a criminalidade envolve questões ambientais, sociais e familiares. Porém, a incidência de transtornos psiquiátricos não pode ser ignorada”, diz. Para ele, a reabilitação passa por acompanhamento e reestruturação afetiva, comportamental e cognitiva.

A família do menor também precisa de acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico. Dória verificou que 49,2% dos jovens infratores vêm de famílias que apresentam mais de um caso de problemas com a lei. Além disso, 40,5% dos pais e 14,5% das mães desses adolescentes possuem algum transtorno psiquiátrico, sendo mais comum o alcoolismo e o uso de drogas entre os pais e a depressão entre as mães.

Recuperação é possível

A psicóloga Giovana Munhoz da Rocha atuou no Programa Fênix, uma reabilitação específica para esses adolescentes que ocorreu no governo estadual entre 2005 e 2007. Na época, ela atendeu 11 adolescentes infratores de alto risco diagnosticados com transtornos psiquiátricos. Durante dois anos após a desinternação ela acompanhou os jovens e mantém contato com alguns até hoje.

A abordagem adotada por ela previa a redução de comportamentos indesejáveis – hostilidade, mentira e culpabilização dos outros pelos próprios atos – e aumento dos comportamentos desejáveis - autorrevelação, expressão de sentimento positivo e expressão de arrependimento.

“O senso comum diz que esses meninos nasceram maus. Eles mesmos se estereotipam, a gente tem que mostrar que são produto de um meio, pois as histórias de vida deles são histórias de horror. Eles podem se reabilitar”, esclarece.

Sua passagem pelo Fênix lhe rendeu uma das experiências mais marcantes vividas até hoje. Eduardo* foi um dos internos do programa atendido por Giovana. Os delitos: homicídio e estupro. O diagnóstico: transtorno de personalidade antissocial. “Foi o tratamento mais longo e mais difícil. Ele saiu do sistema só com 21 anos. A juíza liberou com a condição de que eu fosse sua tutora legal. É muito comprometimento, mas confiei no tratamento e banquei. Fui tutora dele por quase três anos”, lembra. Eduardo vive hoje em uma chácara afastada, de quando em quando entra em contato com a doutora e confirma: não reincidiu.

Fora da Lei

Em 2012, de acordo com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, 39.660 adolescentes se envolveram em atos infracionais. Desses, 20.532 sofreram medidas de restrição de liberdade -- seja total ou parcial. O Paraná não dispõe de dados consolidados referentes à quantidade de jovens atendidos em meio aberto. Em setembro, havia 983 adolescentes infratores internados no estado.

Na Justiça, MP pede que Curitiba cumpra lei

Apontada como solução por profissionais que atuam na rede de proteção ao adolescente infrator, as medidas em meio aberto esbarram em limitações estruturais e na ausência de um programa sociopedagógico eficiente. Esse quadro desencadeou uma ação civil pública contra a prefeitura de Curitiba movida pela promotora Danielle Crisitina Tuoto, da Vara do Adolescente em Conflito com a Lei.

Segundo a promotora, em alguns casos, o município passa mais de um mês sem atender o adolescente nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas). Lá, deveria haver um planejamento individualizado para cada jovem, abrangendo escolarização, ingresso no mercado de trabalho e acompanhamento familiar. “Em algumas regionais, temos um técnico para até 140 adolescentes. A orientação é de um para 20. Além disso, falta um plano para as equipes”, diz.

Hoje, há cerca de 800 adolescentes cum­prindo medida so­cioeducativa em meio aberto em Curitiba. Um levantamento feito pela Vara aponta que, em 2013, mais de 240 adolescentes foram mortos na região da capital.

A superintendente de Pla­nejamento da Fundação de Ação Social (FAS), Jucimeri Silveira, afirmou que o município tem um projeto que garante melhorias no serviço de atendimento à criança e ao adolescente em conflito com a lei. Os Creas, inclusive, estão ganhando sedes próprias e três deles já mudaram de endereço. Ela admite que o serviço precisa de mais qualidade. “Estamos elaborando um programa mais integrado, englobando áreas como saúde e educação, para acompanhar os adolescentes”, conta.

Colaborou Diego Ribeiro

Projeto Fênix visava diagnosticar e reabilitar infratores de alto risco

Com o propósito de desenvolver um programa de reabilitação específico para adolescentes infratores de alto risco, a psicóloga Paula Gomide idealizou o Programa Fênix, iniciativa do governo estadual mantida entre os anos de 2005 e 2007. O programa funcionou em um Centro Especial de Socioeducação localizado no complexo penitenciário de Piraquara e tinha uma equipe de 28 profissionais para atender cerca de 40 menores infratores.

A avaliação final do programa foi a seguinte: 14 adolescentes, ou 35% do total, foram desinternados enquanto o Fênix ainda existia. Desses, 78% não reincidiram. Um deles foi assassinado enquanto trabalhava. Quando do encerramento do programa, 17 adolescentes permaneciam internados. Oito haviam fugido em atividades externas, dos quais dois reingressaram ao Fênix, cinco foram encaminhados para o sistema prisional de adultos e um continuou foragido. Apenas um adolescente foi transferido durante o programa, por ter sido abusado e denunciado os autores.

Entre as condições para a desinternação estavam a conclusão do Ensino Fundamental, qualificação profissional, moradia, matrícula na escola e emprego, entre outros. Além disso, o Fênix manteve um programa de acompanhamento de egresso, no qual um responsável assistia o adolescente na obtenção de documentação básica, inserção no mercado de trabalho e busca por moradia fixa. O acompanhamento de egressos mostrou que 83% dos adolescentes conseguiram emprego; 100% tinham moradia; 50% matricularam-se na escola e 33% deram continuidade à terapia. Apesar dos bons resultados, o programa foi descontinuado.

Fonte: RAPHAEL MARCHIORI E CAROLINA POMPEO - Gazeta do Povo

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