segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Roberto Tardelli: “O MP está se tornando o Tea Party”

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Por Laura Diniz
São Paulo
Na última década, Roberto Tardelli ficou famoso em todo o país como o promotor que fez Justiça no caso Richthofen. No mundo jurídico paulista, divide opiniões: é adorado pelos advogados e visto com reservas por parte do Ministério Público. Seus fãs dizem que, se houvesse uma lista dos promotores que mais pediram absolvições em plenários de júri, ele estaria no topo. Seus críticos alfinetam que, se houvesse lista dos mais exibidos, ele também ocuparia posição de destaque. Aos 55 anos, depois de três décadas de carreira, cerca de mil júris e quase quatro anos como procurador de Justiça, Tardelli despediu-se do MP na última sexta-feira (19).
Em entrevista ao JOTA, ele não esconde a mágoa com que deixa a instituição e não se acanha em criticá-la: “O MP está se tornando o Tea Party.” Em seu primeiro dia na nova carreira, de advogado, diz: “Acho que posso colaborar nessa questão de o processo penal ter se tornado uma unanimidade pró-condenação. Posso ser a voz dissonante. Fazer isso na defesa, nesse momento, é mais adequado pra mim.”
Dono de uma eloquência rara e de uma especial capacidade para cunhar frases de efeito, Tardelli fez uma das acusações mais espetaculares da história do júri no Brasil, contra Suzane Richthofen, Daniel e Christian Cravinhos. Era 21 de julho de 2006. O JOTA traz a história até você – para ouvir a íntegra da acusação:
Leia a entrevista concedida por Tardelli:
Qual foi a gota d’água para sua saída?
Um promotor chegou e disse que me daria porrada se eu desse parecer contra o caso dele. Como procurador, de cada dez pareceres que eu dava, oito eram contra o MP. O caminho que o MP está trilhando me desagrada faz tempo e, como eu me colocava contra isso, passei a desagradar muita gente. Quando esse cara veio falar, eu pensei: “Não preciso ouvir esse tipo de coisa. Chega.”

Que trilha é essa?
O MP está se tornando o Tea Party. Há vinte anos, a instituição era muito diferente. Achávamos que seríamos ombudsman da sociedade. Viramos tutores do povo. Quer dizer, o MP virou. A instituição recepciona gente que vem para declarar guerra contra o crime. Virou o Ministério Público do inimigo. Eu me sentia um doido pregando na Praça da Sé.

Virou o Ministério Público do inimigo. Eu me sentia um doido pregando na Praça da Sé.
Como isso aconteceu?
Criamos duas sociedades. A Sociedade Brasileira do Plano de Saúde e a Sociedade Brasileira do SUS. A da escola privada e a da escola pública. Uma não conhece a outra. O MP é de uma sociedade e não entende a outra porque nunca conviveu com ela. Quando você não conhece uma coisa, você a teme. A ignorância, num sentido social, produz o inimigo. Em nome do discurso contra a impunidade, justifica-se tudo. A impunidade não é a mãe de todos os males. É consequência de uma sociedade que está se fragmentando.

Em nome do discurso contra a impunidade, justifica-se tudo. A impunidade não é a mãe de todos os males. É consequência de uma sociedade que está se fragmentando.
A corrupção também é consequência?
Sim. E, nesse caso, estamos apagando o fogo com gasolina porque tudo é proibido. Ao proibir, você estimula a corrupção. Corrupção existe em qualquer sociedade humana. Combatê-la é como combater a gripe. Não vamos deixar de ter gripe. Então, o importante é dificultar as condições para que a corrupção se instale. Precisa desburocratizar a sociedade e os procedimentos administrativos. E tem que diminuir o número de proibições. Menor de 16 anos não pode entrar em motel. Daí o sujeito da portaria pede uma graninha e deixa entrar porque não vê mal nenhum nisso. Não tem política pública. Você quer combater a corrupcão policial criminalizando o consumo e o comércio de drogas?

A alternativa seria, simplesmente, parar de proibir?
Vamos prender todos os traficantes do mundo? Você prende um e daí outro, que não era traficante, entra para o crime para assumir o lugar dele. Você prende o segundo e um terceiro traficante se forma. Vira uma fila. Quer combater droga? Para de prender moleque. O único caminho que conhecemos é o da criminalização. Não está dando certo. Estamos perdendo esse jogo. Descriminalizar é uma forma de combate. Qual família brasileira de classe média consegue internar um filho numa clínica para tratar a dependência? É muito caro porque quase não tem estrutura e quase não tem estrutura porque as pessoas não vêem como questão de saúde pública, mas apenas como crime.

Você tentou se eleger deputado há alguns anos. Quais eram seus planos para a política?
Tinha um projeto voltado exclusivamente para dentro do Ministério Público. Eu tinha um sonho que era ver um promotor de Justiça como procurador-geral. Um sonho de abrir, democratizar a instituição. Seria um choque cultural. No dia em que os juízes puderem escolher o presidente do Tribunal de Justiça, tudo virará de pernas para o ar. Precisamos quebrar essa coisa de ordem religiosa que o TJ e MP têm -- princípios, dogmas, líderes que não podem ser questionados. Quem questiona é ímpio, herege, que precisa ser destruído, ridicularizado.

Você se sentiu assim em algum momento?
Muitas vezes.

Por que?
Porque pedia absolvição em júri, porque não aceitava confissão policial como única prova para acusar alguém, porque questionava a prova policial. Basicamente, porque acho que precisamos de um padrão de prova mais elevado para destruir a vida de alguém.

Você era mal visto no MP?
Eu era muito criticado. Também tinha gente que me admirava, mas não fazia igual porque se sentia constrangida.

E se as pessoas disserem que você está ressentido?
Eu estou. Isso tudo me causa um ressentimento profundo. Tive gente da família processada pelo Gaeco, de uma forma absurda. Sem prova alguma. Um nada transformado em crime. O Gaeco acusa sem provas. É a metástase do MP.

Isso tudo me causa um ressentimento profundo. Tive gente da família processada pelo Gaeco, de uma forma absurda. Sem prova alguma.
Qual é a opinião dos seus agora ex-colegas sobre o que você considera ‘baixo padrão de prova’?
Tudo se justifica no combate à impunidade. E o índice de condenação é altíssimo, com prova ou sem prova, porque o juiz também se sente como soldado dessa guerra. Os advogados estão absolvendo cada vez menos. Como procurador de Justiça, era raríssimo ver um recurso do MP. É difícil para o advogado atuar em processos assim. Vem um delegado e diz: “O réu assumiu pra mim, em reservado, que era traficante.” E essa é a prova. Como lutar contra isso? As pessoas aceitam a palavra do policial como se fosse verdade absoluta porque vale tudo em nome do combate à impunidade.

Então, a máxima de hoje é que mais vale um inocente preso do que um culpado solto?
Não. A máxima é: não há inocentes. A partir do momento que a polícia te pegou, você é culpado. Pode não ter sido isso, mas alguma outra você aprontou. Se a polícia pôs as mãos em você, boa coisa você não é. Um dia, testemunhei a seguinte cena. O juiz perguntou para o réu: “O senhor é primário?” O réu respondeu: “Sim.” O juiz retrucou: “Mas o seu irmão não é.”

A máxima é: não há inocentes. A partir do momento que a polícia te pegou, você é culpado. Pode não ter sido isso, mas alguma outra você aprontou. Se a polícia pôs as mãos em você, boa coisa você não é.
Quais são seus planos para a advocacia?
Primeiro: quero me desinstitucionalizar. Tirar a geladeira das costas. Segundo: quero uma experiência de iniciativa privada, viver pra mim. Terceiro: acho que posso colaborar nessa questão de o processo penal ter se tornado uma unanimidade pró-condenação. Posso ser a voz dissonante. Fazer isso na defesa, nesse momento, é mais adequado pra mim. Não vou precisar explicar porque estou fazendo isso.

Há outros planos, além da advocacia?
Um é continuar dando palestras pelo Brasil, o que é uma delícia. Outro é publicar três livros: uma compilação das crônicas que compartilho no Facebook, outro de histórias que vivi na carreira de promotor e um terceiro de ficção.




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