quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Juiz nos EUA terá de responder a processo por erros em julgamento

Um tribunal de recursos de Nova Jersey, nos EUA, confirmou sentença negando o trancamento de ação civil por violação de direitos fundamentais, movida por dois réus contra o juiz Louis DiLeo. O juiz foi processado porque condenou os réus Wendell e Anthony Kirkland em um julgamento sem advogado de defesa, sem promotor e sem apresentação de provas, decisão que acabou anulada graças a uma ação separada. Agora, o juiz terá que responder pelo modo como conduziu o processo e pode até ter de indenizar pessoalmente os envolvidos.
De acordo com a decisão de primeiro grau e com a decisão do tribunal de recursos, os réus criminais foram acusados de roubo de rodas cromadas do carro de um morador da vizinhança, de posse de ferramentas para roubo e de posse de uma pequena quantidade de maconha. A promotoria do Condado de Union reduziu a qualificação dos crimes para delito de desordem e remandou o processo para o tribunal municipal de Linden, em Nova Jersey.
Na audiência preliminar, em 12 de abril de 2010, DiLeo repassou todas as acusações contra os Kirklands (dois primos), advertiu-os das possíveis consequências, incluindo pena de prisão se condenados, e os alertou sobre seu direito a um defensor público. Os primos disseram que pretendiam contratar um advogado.
Em 3 de maio, os primos apareceram no tribunal sem advogado e pediram ao juiz que apontasse um defensor público. DiLeo marcou o julgamento para 12 de maio e disse aos réus que um defensor público seria indicado. Mas, no dia do julgamento, não havia defensor público. O juiz lhes disse que eles renunciaram ao direito a um defensor público na audiência preliminar. E que teriam de fazer a própria defesa, como já aconteceu antes no tribunal.
Nesse dia, o juiz só iniciou o julgamento às 21h13, quando o promotor já havia deixado o tribunal. Os únicos presentes na sala de julgamento eram os dois réus, o policial Javier Perez, que os prendeu, e o juiz DiLeo. Os réus tinham uma testemunha, mas que também já havia ido para casa.
Começou o julgamento, que durou menos de uma hora, e o juiz chamou o policial para o banco das testemunhas. O juiz assumiu então o papel do promotor e fez a inquirição direta do policial. Terminada a inquirição direta, ele disse aos réus para fazer o papel de advogados de defesa e procedessem à inquirição cruzada do policial. Eles tentaram.
Ao final das inquirições, o juiz pediu ao policial, agora exercendo o papel de promotor, que apresentasse as provas. O policial declarou que não tinha provas. Não tinha, por exemplo, a maconha que teria apreendido, nem resultados de laboratório comprovando que a substância apreendida era realmente maconha. O juiz perguntou ao policial-promotor se, então, ele encerrava a apresentação de provas — "do you rest your case?" —, questionou. O policial respondeu: “sim”.
O juiz chamou os réus, um de cada vez, para o banco das testemunhas. Ele assumiu, então, os papéis de advogado de defesa e de promotor e fez as inquirições dos réus — mais para inquirição direta. Quando terminou, ordenou ao policial que fizesse as inquirições cruzadas dos réus, restituindo a ele o papel de promotor.
Terminadas as inquirições, o juiz disse aos réus, agora no papel de advogados, que apresentassem suas testemunhas. Os réus disseram que a única testemunha que tinham já havia ido para casa. E também encerraram sua apresentação de provas.
Assim, o juiz anunciou a sentença condenatória dos réus. Sentenciou Wendell Kirkland a 180 dias de cadeia, três anos de suspensão condicional da pena e multa de US$ 2,7 mil. Condenou Anthony Kirkland a cumprir duas sentenças consecutivas de 180 dias de cadeia, três anos de suspensão condicional de pena e multa de US$ 3,1 mil.
Nesse ponto, um advogado (real) entrou em cena. O advogado Michael Rubas, da banca DiMaggio & Rubas, passou a fazer a defesa pro bono dos réus. O advogado entrou com dois processos na Justiça: o recurso contra a condenação e uma ação civil por violação de direitos fundamentais, esta em tribunal de primeiro grau.
No recurso, a condenação foi anulada. O juiz Scott Moynihan rejeitou totalmente a acusação de posse de maconha, por falta de provas, e ordenou o retorno do processo ao tribunal de primeiro grau para novo julgamento do caso de roubo. Em sua decisão, ele caracterizou o julgamento sem advogado de defesa, sem promotor, sem provas e com clara violação dos direitos fundamentais dos réus, como uma “perversão da Justiça”.
Na ação civil, o advogado processou o juiz, que foi afastado de suas funções, e a cidade de Linden, responsável pelo tribunal municipal, em busca de indenização. Em sua defesa, o juiz alegou “imunidade absoluta por seus atos judiciais”. A cidade alegou “imunidade constitucional”, porque o tribunal era um “braço do Estado”.
O juiz de primeiro grau Kevin McNulty rejeitou as duas alegações de defesa. E o tribunal de recursos concordou inteiramente com ele. McNulty escreveu que DiLeo teria imunidade por seus “atos judiciais”, mesmo que cometesse algum erro. No entanto, ele não agiu como um árbitro neutro, mas como promotor e advogado, além de violar todas as normas judiciais.
“O demandado DiLeo fez o julgamento sem advogado de defesa, sem promotor, delegou a função da inquirição direta a um policial que acabara de servir como testemunha e fez inquirições ele mesmo. Eu não diria que um tribunal municipal deve incorporar todas as salvaguardas procedimentais de um julgamento criminal ou que um juiz não possa inquirir uma testemunha. Porém, há uma alegação plausível aqui de que a conduta desse julgamento foi além do erro jurídico, a ponto de que o demandado DiLeo não estava mais funcionando verdadeiramente como um juiz”, escreveu McNulty.
Segundo o painel de juízes do tribunal de recursos, a doutrina já bem estabelecida da imunidade judicial absoluta protege a autoridade judicial, que está exercendo suas funções, contra ações judiciais e pagamentos de indenizações por danos. Essa doutrina deriva da crença de que um juiz deve ser capaz de agir livremente, de acordo com suas convicções, sem a ameaça de ações indenizatórias.
A jurisprudência afirma que uma “autoridade judicial, no exercício da autoridade nela investida, deve ser livre para agir de acordo com suas convicções, sem medo de possíveis consequências pessoais. “No entanto, também é igualmente familiar o princípio de que a imunidade judicial não é absoluta”, escreveram os juízes.
Há duas exceções, eles disseram. “A primeira é a de que o juiz não é imune de responsabilização por ações não judiciais — isto é, ações tomadas fora de sua capacidade judicial. A segunda é a de que um juiz não é imune por ações, apesar de judiciais em sua natureza, tomadas na completa ausência de todas as jurisdições”.

Fonte: João Ozorio de Melo - Consultor Jurídico

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