quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Conheça a assombrosa história de Rogério, preso que “apodreceu” o pé no cárcere

Por Brenno Tardelli


Cuidado, as imagens são fortes. (Veja: Foto 1 , Foto 2)

Justificando teve acesso com exclusividade ao chocante processo de execução penal em trâmite na Justiça do Pará, que tem como figura principal Rogério Ferreira da Silva.
O caso chegou ao conhecimento poucos dias após a instalação do mutirão carcerário doConselho Nacional de Justiça (CNJ), que, além de outros milhares de presos, averiguou a situação de Rogério, detento na cadeia pública de Belém, Capital. Estava lá desde junho de 2012, quando, pouco antes da captura, foi alvejado pela polícia por projétil de arma de fogo, perdendo a sensibilidade na perna e no pé direito.
Já no início deste ano, enquanto cumpria pena, realizando suas atividades de trabalho, Rogério pisou em um prego, justamente com o pé sem sensibilidade.
A história até aí, apesar de curiosa, não denota nenhuma excepcionalidade que fuja dos padrões de tratamento ao preso por todo país: uma suposta perseguição, tiro que resulta na deficiência e o azarado pisão no prego. Embora seja a miséria humana narrada, é uma miséria que não comove a grande parte da população.
No entanto, não há qualquer tratamento médico ou ambulatorial básico a detentos no Pará. Pelo menos se existe, Rogério não teve acesso. Pois, apesar da ferida ter ocorrido no pé sem sensibilidade, logo em seguida foi percebida não só por ele, como também pelos outros colegas de cela.
A infecção transformou a aparência e o cheiro do pé. A cela passou a ser infestada pelo odor da putrefação. O processo de decomposição do membro, devorado pelas bactérias revoltou os colegas de cela, os quais impuseram que os carcereiros o levasse para tratamento.
Quando a revolta comoveu a equipe da prisão, a infecção já havia “comido” – literalmente – metade de seu pé. A aparência horrorosa e a iminência da morte fizeram com que Rogério fosse levado imediatamente ao hospital, onde ficou internado por 19 dias.
Seu advogado, Antônio Graim Neto, foi uma das pessoas que o visitou no Hospital. Ao entrar no quarto, encontrou Rogério algemado pelos braços e pernas à maca de hospital. Estava ao lado de sua mãe, que segurava as pernas do filho, denunciando ao médico à horrorosa situação de saúde.
Toda a planta do pé até o osso do jovem foi devorada antes que encontrasse o médico pela primeira vez. Apesar da doença, aparentava uma feição de mais serena, talvez para compensar sua mãe, cuja força se ocupava em exibir a infecção como uma denúncia pelo descaso.
O médico cuidou de tratar o pé e impedir a infecção. Contudo, teve que dar alta, para liberar espaço para outro em condição mais grave.
Antônio Graim, seu advogado, teve de ir às pressas ao Judiciário, inclusive porque o médico deu alta sob a advertência de não ficar exposto a ambientes propícios à contaminação. As fotos do pé de Rogério podem ser vistas no hiperlink a seguir, mas aviso, as imagens são muito fortes. (Foto 1 – Foto 2)
O Juiz de Direito, em sua decisão, requisitou que a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado dissesse se tinha condições ou não de cuidar de ferimentos como o de Rogério, ao que foi respondido pelo órgão estadual que sim, isto é, a responsável pela omissão no tratamento em saúde, a ponto da putrefação revoltar todos os detentos da cela, foi consultada acerca de sua capacidade em lidar com a infecção.
Apesar da alegação de que Rogério seria muito bem tratado pela instituição, não foi isso que constatou sua família e advogado – Na Penitenciária tem uma enfermaria, embora não havia condições adequadas. Muitas vezes não havia material para o curativo. Os agentes ficavam muito ocupados no expediente e, por exemplo, aos finais de semana era comum que não fosse levado à enfermaria. Ele que tinha que fazer o curativo nele mesmo – denunciou Graim.
Enquanto o óbvio se confirmava, a doença voltava ao pior estado, o advogado foi novamente ao Judiciário, mas, por sorte, encontrou o Mutirão que estava sendo realizado.
“Rogério teve tratamento de saúde graças à intervenção de várias pessoas sensíveis à causa e do mutirão carcerário do CNJ, pois se seguisse os trâmites normais da vara de origem, não teria perspectivas de sucesso do pedido feito” – desabafa, aliviado.
No mutirão, os autos foram para as mãos da Defensoria Pública, a qual, representada Defensor Fernando Albuquerque de Oliveira, assim se manifestou – “É de ser reconhecida a condição especial (vergonhosa) do ser humano em processo de apodrecimento recolhido ao cárcere”.
Já o Ministério Público classificou a prisão domiciliar como necessária diante do “caráter humanitário”. Na última sexta (08), a Juíza Marinês Catarina Cruz Arraes concedeu a prisão domiciliar, por um ano, sendo que após o mês de setembro Rogério já fará jus ao regime semi-aberto.
Rogério já está em casa com a sua mãe e ambos concordaram que a imagem de sua ferida fosse exibida, tanto para denunciar as condições carcerárias, quanto para que “isso nunca mais se repita”.
Brenno Tardelli é advogado, membro do grupo de Direitos Humanos Advogados Ativistas e redator no Justificando.
 Esta notícia é referente ao Processo nº 0001800092013.814.0401, em trâmite na Justiça Paraense.
Fonte: Justificando. Setembro 2014.

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