sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Com prisões superlotadas, SP cria novos “Carandirus”

Unidades prisionais do Estado funcionam com até o triplo da capacidade
Tema negligenciado pelos candidatos ao governo do Estado de São Paulo nas eleições do próximo mês, o sistema prisional do Estado de São Paulo opera hoje, em média, com 70% mais detentos do que a sua capacidade suporta — algumas unidades chegam a abrigar o triplo.  É o que revela o levantamento do R7 sobre a situação das 160 prisões paulistas.
São 215 mil detentos para 126 mil vagas nas 160 prisões sob responsabilidade da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária). Hoje, 3.808 homens e mulheres estão em delegacias e cadeias públicas, todas administradas pela SSP (Secretaria da Segurança Pública). Ao todo, São Paulo tem 218.983 presos atualmente.
Patrick Lemos Cacicedo, coordenador do Núcleo da Defensoria Pública de SP Especializado em Situação Carcerária, faz uma avaliação.
— Existe uma demora excessiva na análise dos benefícios de progressão de pena aos quais os presos têm direito, principalmente nas Varas de Execuções Criminais. Com isso, entram muito mais presos que os que são libertados. Construir presídios não mudará essa situação. 
Os CDPs (Centros de Detenção Provisória), originalmente destinados apenas aos presos à espera de julgamento, são as piores prisões do Estado de São Paulo.  Dez dos 41 CDPs estão hoje com taxa de ocupação superior a 200% — três presos no espaço para um.
A unidade de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, é a pior prisão paulista: com 844 vagas, o CDP da cidade abrigava 2.748 detentos no início deste mês.
A superlotação do sistema prisional também fez com que São Paulo passasse a ter dois novos “Carandirus”, prisão na zona norte de São Paulo desativada em 2002 que chegou a ser a maior da América Latina, com cerca de 7.500 homens. Sua história foi marcada pelo extermínio de 111 presos e, no dia da implosão de prédios do complexo, Geraldo Alckmin anunciou “uma virada no sistema peni­tenciário brasileiro”. “Começamos uma nova fase, com um modelo mais adequado, de unidades menores”, disse o governador na ocasião.
Um dos novos “Carandirus” é o Complexo Penitenciário de Pinheiros, na marginal Pinheiros, uma das principais vias de trânsito da zona oeste de São Paulo. Com 2.176 vagas, os quatro CDPs de Pinheiros abrigam hoje 6.537 detentos. Taxa de superlotação de 200%.
O outro “Carandiru” fica em Hortolândia, a 109 km de SP, na região de Campinas. Também formado por quatro unidades prisionais, o Complexo de Hortolândia tem 5.700 em um espaço para 3.435. Uma das quatro unidades de Hortolândia, a penitenciária 3, segundo a SAP, tem 700 vagas, mas não abrigava nenhum detento até o começo deste mês. Com a unidade vazia, a taxa de superlotação nesse novo “Carandiru” é de 66%.
Presos em delegacias e cadeias públicas
Documentos sobre a situação prisional no Estado de São Paulo, obtidos pelo R7, revelam que 3.748 homens e mulheres estavam presos em delegacias e cadeias públicas do Estado, no dia 28 de julho. Desse total, 1.085 (29%) são condenados e não poderiam mais estar em unidades provisórias, mas em penitenciárias.  
Ainda segundo os documentos, com 4.485 vagas, as delegacias e cadeias públicas de São Paulo abrigavam 3.758 presos no fim de julho, 16% abaixo de sua capacidade total. Somente na região metropolitana eram 1.285 presos em carceragens provisórias.
Só para esvaziar as cadeias públicas e delegacias, fazendo com que policiais civis possam se dedicar à investigação de crimes, que é principal atribuição da Polícia Civil, seria necessário construir quatro novas penitenciárias.
Vaga na prisão x vaga na creche
Se fosse tentar resolver hoje o problema da superlotação das prisões, o governo de São Paulo precisaria construir 105 novos presídios, cada um com 847 vagas, para abrigar os 88.976 detentos a mais hoje no sistema prisional, isso sem que nenhum novo preso fosse recebido nas 160 unidades já existentes.
Com mais as quatro para tirar os presos de delegacias e cadeias públicas, o problema da superlotação nas prisões de São Paulo só acabaria hoje com 109 novos presídios.
Na tentativa de sanar o déficit de vagas no sistema prisional, o Estado de São Paulo constrói, atualmente, nove presídios (três para mulheres e seis para homens), a um custo total de R$ 319 milhões e com o objetivo de gerar 7.560 vagas. Em média, cada vaga custará R$ 42.213.
Para se ter noção do que esses R$ 42.213 representam, é possível compará-los com o gasto de R$ 106,8 milhões na criação de 8.000 vagas no Programa Creche-Escola, também do governo estadual. Destinadas às crianças com idades entre zero e seis anos, as vagas no Creche-Escola custavam, em média, em março deste ano, R$ 13.350 cada uma, segundo dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.  Ou seja, uma vaga em um presídio de São Paulo custa três vezes mais do que uma vaga na rede pública de educação infantil.
Em agosto, o governo de São Paulo cancelou, por determinação do TCE (Tribunal de Contas do Estado), as licitações para a construção de outros 12 CDPs no interior do Estado. O TCE não aprovou as bases dos cálculos para os valores apresentados para as obras, que consumiriam R$ 640 milhões dos cofres públicos.
 

Qual é a função do presídio?
Jacqueline Quaresemin, consultora da Unesco em educação nas prisões e professora de opinião pública e inteligência de mercado na pós-graduação na Fesp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), afirma que a questão da superlotação do sistema prisional foi ignorada pelos políticos na campanha ao governo do Estado de São Paulo porque existe intolerância de grande parte da sociedade com o problema.   
— A sociedade fica com a falsa ideia de que a superlotação é sinônimo de segurança. Ao não perceber que ignorar um tema tão relevante na campanha política é algo grave, a sociedade, de certo modo, legitima a ação do Estado, o político e o jurídico, que condena principalmente os jovens, negros e pobres.
Para a especialista, também historiadora e mestre em sociologia, a raiz do problema prisional está na falta de acesso dos jovens ao ensino fundamental e também na inexistência de uma política séria de ressocialização.
— A quem interessa manter o sistema prisional superlotado? Com certeza, não interessa para a sociedade. Alguém está ganhando com isso e saber quem ganha é algo relevante para a população, que é quem paga a conta. Se a população prisional não para de crescer, onde o Estado erra? A maioria dos presos também não teve educação básica. E isso é um erro cometido pelo Estado lá atrás, é uma reação em cadeia. Os presos precisam ter acesso à educação, a única forma de conhecer outra realidade que não seja a criminal. Do jeito que é hoje, o preso só consegue potencializar seu lado obscuro. Precisamos descobrir a resposta para a pergunta: Para que servem nossos presídios?
Para o coordenador da Pastoral Carcerária em São Paulo, Deyvid Tadeu Livrini, a construção de novos presídios nunca resolverá a questão carcerária.
— A superlotação é a mãe de todos os problemas na questão carcerária, mas ela é decorrente de uma série de outros problemas. Um deles é causado pela Justiça, que demora para julgar e, depois, demora para soltar quando o preso já tem direito. Precisamos analisar essa questão da superlotação como fim de uma série de outros problemas.
Encarceramento em massa
Patrick Cacicedo, da Defensoria Pública de SP, credita à política de encarceramento em massa vigente na segurança pública de São Paulo um dos principais problemas para que a superlotação dos presídios paulistas não acabe.
— São Paulo não tem nenhuma perspectiva para além do encarceramento em massa, principalmente da parte pobre da população.
Para Cacicedo, as portas de entrada e de saída do sistema prisional de São Paulo são diretamente afetadas pela ação e pela inércia da Justiça.
— Hoje, em São Paulo, existe um abuso por parte dos juízes no que diz respeito à decretação das prisões preventivas. Quando a pessoa é pobre, mesmo cumprindo todos os requisitos para sua prisão preventiva não seja decretada, os juízes fixam um valor de fiança alto e isso faz com ela fique presa. Ou seja, sua prisão foi determinada pela falta de condições financeiras.
Enquanto esse tipo de distorção escancara a porta de entrada das prisões, a de saída é afetada pela burocracia, principal causadora de um represamento de detentos.
Ao analisar a situação dos presos em delegacias e cadeias públicas, o defensor público afirma existir uma situação ainda mais degradante do que nas prisões.
— São verdadeiros depósitos de seres humanos, sem nenhuma infraestrutura e, quase sempre, nos fundos das delegacias. É degradante.
 Governo de SP diz trabalhar para reduzir problema
Questionada desde o dia 3 deste mês sobre a superlotação dos presídios paulistas e sobre o custo de construção de nove novas prisões, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) não respondeu a nenhuma das 16 perguntas sobre os temas enviadas pela reportagem.
A reportagem também solicitou entrevista com o chefe da pasta, Lourival Gomes, mas ele não atendeu ao pedido.
Por meio de nota oficial, o secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, informou: “Desde 2000, quando foi iniciado o programa de desativação de  carceragens e cadeias públicas, 236 unidades foram desativadas no Estado, sendo 38 na atual gestão. Isso representa uma redução de aproximadamente 70% frente ao total de 348 estabelecimentos existentes antes do início do programa . Outro dado importante é que hoje apenas 1,7% (3.808 presos) do total da população carcerária do Estado (220.100) está em cadeias públicas. Esse percentual já foi de 42,12%, em 1994. O fechamento dessas carceragens e cadeias públicas só foi possível em razão da expansão do sistema carcerário estadual, sob a responsabilidade da SAP.”

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