quarta-feira, 20 de agosto de 2014

JUSTIÇA COMO RESULTADO DE AÇÃO VOLUNTÁRIA

 Especialistas em colocação profissional afirmam que trabalho voluntário enriquece o perfil que interessa às grandes empresas, porque há a presunção de que a pessoa desenvolve capacidade maior para a solução de problemas. Recentemente um magistrado da Justiça Federal proferiu decisão favorável em um processo onde se tentava o reconhecimento jurídico de união estável homoafetiva, tudo para que o sobrevivente recebesse a pensão por morte de funcionário público federal do companheiro falecido. O processo chegou para o advogado quando o mesmo trabalhava como voluntário em um projeto de defesa dos direitos humanos e promoção da cidadania onde se prestava assessoria jurídica a pessoas vivendo com HIV.
 É evidente que nem todos os trabalhos jurídicos desenvolvidos em uma instituição assim são bem sucedidos, sendo certo que é da natureza da vida humana e das lutas sociais lidar com sucessos e fracassos, mas, a cada sucesso obtido, há um forte impulso na vida da pessoa beneficiada e uma enorme carga de energia na pessoa que desenvolveu o trabalho voluntário.
 O companheiro sobrevivente pretendia o benefício e, sem sucesso, tentou administrativamente junto ao órgão público antes da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. É bem verdade que no momento da decisão judicial a Corte Constitucional Brasileira já se manifestara sobre a matéria. Havia uma dúvida tão somente sobre a prova produzida no processo, se ela realmente iria gerar um resultado eficaz.
 Em audiência, vieram pessoas de onde o casal residia, pessoas mais velhas, de hábitos e vida simples, para as quais tratar o tema da homoafetividade de modo oficial ainda gera certo constrangimento. E, quando indagados sobre o relacionamento do casal, todos se mostravam resignados para tratar o tema. Daí que tanto o magistrado como os advogados precisaram ser muito hábeis para buscar as informações pertinentes à matéria do processo. Assim, num dado momento, o advogado chegou a perguntar se o autor da ação fora ao enterro do companheiro, ao que a testemunha respondeu que sim. Daí a pergunta se no enterro o autor da ação se comportara como “a viúva” e a testemunha confirmou.
 Veja que uma pessoa tentando ajudar em uma situação onde o relacionamento era público e de excelente convivência no ambiente da comunidade, as pessoas de hábitos e vida simples, que com o casal tinham muito contato, ainda foram relutantes, mostrando que há muito para a sociedade brasileira caminhar neste dever ser que é o princípio da igualdade estampado na Constituição Federal. Vale lembrar que toda Lei é um “dever ser”, ou seja, a lei não diz de realidades concretas existentes no momento histórico, mas de como “devem ser” estas realidades concretas no momento histórico. Por isso ao constatarem uma divergência entre o fato ou acontecimento as pessoas pleiteiam ao poder judiciário uma adequação daquela situação ao que está proposto na lei como “dever ser”. No caso narrado, o companheiro viúvo que teve o direito à pensão por morte negado pela burocracia do órgão federal, pleiteou, ante o princípio de que todos são iguais perante a lei não podendo haver qualquer tipo de discriminação entre os seres humanos, ao judiciário que reconhecesse o seu direito, o seu “dever ser” de igualdade determinando o pagamento da pensão pretendida.
 Neste sentido, o trabalho voluntário realiza as pessoas, propulsiona a vida daquele beneficiário do trabalho, preenche aquele que realiza o trabalho voluntário e oportuniza, a todos que interferem no processo, a satisfação de realização de justiça de “dever ser” cumprido, posto que todo trabalho voluntário de alguma forma realiza JUSTIÇA no sentido maior e valorativo da palavra.

 * Advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

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