quinta-feira, 28 de agosto de 2014

É hora de acabar com a guerra às drogas

Por Milton Friedman
Vinte anos atrás [N. E.: o artigo foi escrito em 1992], o presidente Richard M. Nixou anunciou a “Guerra às Drogas”. Eu critiquei tal ação tanto no aspecto moral como no aspecto experimental na minha coluna na revista Newsweek do dia 01/05/1972, sob o título de “Proibição e Drogas”: Na questão de natureza ética, nós temos o direito de usar a estrutura do governo para impedir que um individuo torne-se um alcoólatra ou drogado? Para as crianças, pelo menos, quase todo mundo responderia com um sim, qualificado. No entanto, para adultos responsáveis, eu, por minha parte, responderia com um direto não. Falar sobre as consequências, sim. Rezar por e com ele, sim. Contudo, eu acredito que nós não temos o direito de usar a força, direta ou indiretamente, para impedir que um indivíduo cometa o suicídio, beba álcool ou use drogas. Aquela falha ética básica tem inevitavelmente gerado os seguintes males durante o último quarto de século, assim como havia ocorrido durante uma tentativa anterior de proibição ao álcool:

O uso de informantes

Informantes não são necessários em crimes como o roubo e o assassinato porque as vítimas daqueles crimes têm um forte incentivo a denunciar o crime. No tráfico de drogas, o crime consiste de uma transação entre um comprador e um vendedor dispostos a comercializar. Nenhum deles tem qualquer incentivo a denunciar uma violação da lei. Pelo contrário, é do interesse de ambos que o crime não seja denunciado. É por isso que informantes são necessários. O uso de informantes e as grandes quantias de dinheiro em jogo inevitavelmente geram corrupção – tal como ocorreu durante a “Era da Proibição” (Lei Seca dos Estados Unidos). Elas também levaram a violações dos direitos civis de pessoas inocentes, a práticas vergonhosas de invasão de domicílios e perda de direitos sem um processo criminal. Como escrevi em 1972: “Viciados e vendedores ilegais não são os únicos corruptíveis. Grandes quantidades de dinheiro estão em jogo. É inevitável que alguns policiais mal pagos e outros funcionários do governo – e algum muito bem pagos, inclusive – sucumbirão à tentação de ganhar dinheiro fácil”.

Lotando as prisões

Em 1970, 200.000 pessoas estavam presas. Hoje, 1.6 milhões estão. São oito vezes mais em números absolutos; seis vezes mais comparado ao crescimento da população. Além disso, 2.3 milhões de pessoas estão em liberdade condicional ou prisão domiciliar. A tentativa de proibir as drogas é de longe a principal fonte do crescimento horrendo na população prisional. Não existe luz no fim do túnel. Quantos cidadãos nós queremos que se tornem criminosos antes de dizermos “chega”?

Prisão indiscriminada de negros

Sher Hosonko, naquele tempo o diretor do centro de tratamento de dependentes químicos de Connecticut, ressaltou esse efeito da proibição às drogas em um discurso em junho de 1995: Nos Estados Unidos, atualmente, nós encarceramos 3109 negros para cada 100.000 deles na população. Para você ter uma ideia do drama inserido nesse número, nosso concorrente mais próximo no encarceramento de negros é a África do Sul. A África do Sul – antes de Nelson Mandela e sob o regime de política pública do apartheid – encarcerava 729 negros para cada 100.000. Reflita: na terra da Carta dos Direitos, nós prendemos quatro vezes mais negros do que o único país do mundo que adotou uma política chamada apartheid.

Destruição dos centros das cidades

A proibição às drogas é um dos fatores mais importantes que colaboraram para reduzir o centro de nossas cidades ao estado atual. Os tumultuados centros das cidades tem uma vantagem comparativa na venda de drogas. Embora grande parte dos consumidores não viva no centro das cidades, a maioria dos vendedores vive. Jovens garotos e garotas veem os traficantes orgulhosos e afluentes como exemplos. Comparado com o retorno de uma carreira de estudo e trabalho tradicional, o retorno oriundo do tráfico de drogas é tentador para jovens e pessoas de idade. E muitos, especialmente os jovens, não são dissuadidos pelas balas que voam livremente nas rixas entre traficantes – balas que voam somente porque o tráfico de drogas é ilegal. Al Capone resume nossa antiga tentativa na proibição; as gangues Crips e Bloods resumem essa.

Somando os danos aos usuários

A proibição torna as drogas exorbitantemente caras e altamente duvidosas em sua qualidade. Um usuário deve associar-se com criminosos para adquirir as drogas, e muitos são levados a se tornar criminosos para financiar seu vício. Agulhas, que são difíceis de obter, são frequentemente compartilhadas, com o efeito previsível de propagação de doenças. Finalmente, um viciado que busca tratamento deve confessar-se como criminoso para se qualificar para um programa de tratamento. Alternativamente, os próprios profissionais que tratam dos viciados devem tornar-se informantes ou criminosos…

Tratamento de dores crônicas

O Departamento de Saúde e Recursos Humanos dos Estados Unidos emitiu relatórios mostrando que 2/3 dos pacientes com câncer não recebem tratamento adequado para dor, e os números são certamente maiores em pacientes não terminais. Esse tratamento incompleto da dor crônica é um resultado direto da pressão exercida pela Agência Americana de Combate às Drogas sobre os médicos que prescrevem os narcóticos.

Prejudicando países estrangeiros

Nossa política em relação às drogas levou a milhares de mortes e grandes perdas de riqueza em países como a Colômbia, Peru e o México, prejudicando a estabilidade de seus governos, tudo porque nós não podemos fazer cumprir nossas leis em nosso próprio país. Se conseguíssemos, não haveria mercado para drogas importadas. Não existiria o cartel de Cali (ou o do México). Os países estrangeiros não teriam de sofrer a perda de soberania envolvida na permissão aos nossos “conselheiros” e tropas de operar no seu solo, vasculhar seus navios e encorajar o ataque de militares locais aos aviões de seus concidadãos. Eles poderiam virar-se como pudessem, e nós, por outro lado, poderíamos evitar o desvio das forças militares de suas funções reais. Pode qualquer política, por mais bem pensada, ser considerada moral se levar à corrupção, à prisão de muitos, a efeitos racistas, à destruição dos centros das cidades, a prejuízos aos indivíduos mais vulneráveis e sem direção, trazendo morte e destruição a países estrangeiros?

Publicado originalmente no Portal Libertarianismo
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