segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Alta do investimento não freia a criminalidade no Paraná

Não tinha medo a dona Arminda de Faria de Oliveira quando deixou para trás todas as mazelas das lavouras paranaenses, em 1973, e decidiu morar em Curitiba. Mesmo que o destino fosse o “favelão do Capanema”, que cresceu e prosperou, para o bem e para o mal. E tampouco tem medo agora. Arminda, aos 64 anos, conhece bem seu território, hoje Vila Torres, e já vivenciou os problemas da insegurança que ronda o local. Um dos filhos “se perdeu” no mundo das drogas e, em 2004, foi assassinado a golpes de faca. É até pouco, diz ela, comparado a histórias de outras famílias.
Mas Arminda não tem medo: tem indignação, e respostas prontas para os problemas da segurança pública no Paraná. “Falta, em primeiro lugar, políticos dispostos a fazerem a coisa acontecer, a ajudar. O que precisa é colocar creche e escola para as crianças não ficarem na rua. E os mais velhos precisam de emprego, precisam trabalhar, se ocupar, ter sua renda. Precisamos de bons exemplos. Se não há estrutura, como a violência vai acabar?”
Sabedoria popular
As observações de Arminda resumem, em poucas palavras, sugestões construídas por cientistas sociais e outros especialistas: não basta apostar em policiamento e repressão se as condições socioeconômicas são desfavoráveis.
E o Paraná tem investido bastante na área. Em 12 anos, o estado foi o que mais ampliou os investimentos em segurança entre os do Sul e do Sudeste. Mas os recursos extras não foram suficientes para frear a violência. No mesmo período, o número de homicídios quase dobrou – um dos piores índices registrados nas duas regiões.
Entre 2000 e 2012, a verba destinada pelo Paraná à segurança cresceu 314% em valores nominais, bem acima da média do Sul e do Sudeste (235%), segundo dados do Tesouro Nacional. Enquanto isso, o número de mortes por agressão, contabilizados pelo Datasus, aumentou 94,2%, atrás apenas do registrado em Minas Gerais (116,3%).
Em números absolutos, a quantidade de homicídios no Paraná passou de 1.779 casos em 2000 para 3.455 em 2012. Em 2004, foram 2.776 pessoas mortas – uma delas foi Valdinei, aos 33 anos, filho de Arminda. Como mãe, ela sofreu. Mas diz que o rapaz criou o próprio destino. “Ele gastava com drogas, bebida, se metia em brigas. Arrumei para ele um serviço na praia como pintor. Foi bom para ele sair daqui. Mas um dia ele veio me visitar, acabou indo em um boteco, brigou e foi morto com três facadas.” Além de Valdinei, ela teve outros seis filhos, dos quais três morreram ainda crianças, por doença. “Sempre trabalhei para que eles pudessem estudar. Mas o Valdinei seguiu o caminho errado.”
Para Arminda, uma das principais lideranças dos primórdios da comunidade, há oportunidades de emprego para os jovens, mas faltam cursos de qualificação. “Muitos querem trabalhar, mas não têm como fazer cursos. Precisaria ter mais opções desse tipo nos bairros, nas escolas da comunidade.”
Policiamento
Nos dias de Copa do Mundo, conta dona Arminda, havia viaturas para todos os lados. Como a bola não rola mais, as coisas voltaram ao normal, diz ela. Não é só ela que sente falta de mais agentes: o efetivo de policiais militares de todo o Paraná caiu nos últimos anos, contrariando uma tendência nacional (veja no infográfico), segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. “Seria bom ter mais policiais, mas também não adianta colocar desses que só querem bater. Às vezes, prefiro confiar em bandido, que pelo menos respeita a gente.”
Investir só na repressão não resolve
A baixa efetividade do Pa­­ra­­ná na área de segurança pública – apesar dos investimentos crescentes, o número de mortes violentas também cresceu – é um problema comum a gestores públicos de todo o Brasil, dizem os especialistas.
“Em termos gerais, existem muitos recursos para compra de armamento, qualificação. O Fundo Penitenciário, por exemplo, tem bilhões [de reais] disponíveis para os estados, assim como outros programas”, explica o cientista político Antonio Flavio Testa, professor da Universidade de Brasília (UnB). O problema, diz ele, é que grande parte dos recursos e dos esforços estão direcionados para a repressão. “Não há grande investimento em planejamento familiar, noções de cidadania, educação cívica, e falta muita coisa para os serviços básicos de saúde e educação. Assim, o crime não cessa”, avalia Testa.
Agenda
Um grupo de organizações que atuam com segurança pública lançou, há poucos dias, um manifesto para que o tema se torne prioridade para os governantes brasileiros. O objetivo principal é sensibilizar os candidatos à Presidência, mas os temas elencados envolvem diretamente os estados.
“A ideia é lançar um novo pacto para a segurança pública, com repactuação das responsabilidades dos três entes: governo federal, estadual e mu­­nicípios”, explica Michelle dos Ramos, pesquisadora do Instituto Igarapé, que faz parte do grupo. Um dos resultados esperados é a redução no número de homicídios. “Quando o Estado não consegue garantir o direito mais fundamental, que é o direito à vida, não dá para esperarmos um bom nível de desenvolvimento”, diz. As entidades também defendem melhorias na gestão de informações, modernização da política criminal e penitenciária, revisão da política antidrogas e reforma do modelo policial brasileiro.
O sociólogo Ignacio Cano, membro do Laboratório de Aná­­lise da Violência da Uni­­versidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), explica que o ideal é a integração das polícias, com implantação do chamado “ciclo completo”: o agente faz a patrulha, atende chamados e também participa das investigações. “Isso melhoraria a coordenação do trabalho policial e reduz muito os custos que existem com estruturas e equipamentos duplicados.” Uma mudança desse tipo depende de aprovação do Congresso. “Mas os governadores poderiam liderar um movimento por mudanças, já que o principal é a mudança da mentalidade”, acrescenta.

Fonte: ROSANA FÉLIX - Gazeta do Povo

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