sexta-feira, 18 de julho de 2014

Prisão de ativistas no RJ foi exercício de "futurologia", dizem especialistas

A polêmica decisão do juiz que determinou a prisão preventiva de 26 ativistas — 19 foram realmente presos — no último sábado (12/7), justificando as detenções com a possibilidade de os investigados estarem envolvidos em uma manifestação que aconteceria no dia seguinte, incomodou o meio jurídico.
"Trata-se da versão jabuticaba do filme Minority Report, em que as pessoas eram presas antes do crime — o sistema detectava o crime antes de ele ser cometido. Só que o filme, com Tom Cruise, era ficção, mas os presos de forma antecipada [no Brasil] são reais", comparou o jurista e professorLenio Streck.
Ao fundamentar sua decisão, com pouco mais de 120 palavras, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, afirmou: "Há sérios indícios de que está sendo planejada a realização de atos de extrema violência para os próximos dias, a fim de aproveitar a visibilidade em decorrência da cobertura da copa do mundo de futebol, sendo necessária a atuação policial para impedir a consumação desse objetivo e também para identificar os demais integrantes da associação".
Nesta quarta-feira (16/7), mesmo com o fim da Copa do Mundo, o juiz prorrogou a prisão de cinco ativistas. A decisão dele se baseia em indícios apresentados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em inquérito iniciado em setembro de 2013.
Também nesta quarta, o desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, determinou a soltura de 13 dos investigados na apelidada de operação firewall.  Darlan alegou que, ao decretar as 26 prisões, o juiz não apresentou elementos  que comprovem a necessidade de que essas pessoas permanecessem presas.
"Se a moda pega, vamos prender as crianças porque no futuro cometerão crimes. Ou algo desse quilate. Pergunto: a teoria do Direito Penal tem alguma chance diante desse quadro? Chamemos Spielberg, porque parece que não mais precisamos de juristas, mas, sim, de diretores. Para dirigir essa imensa ficção que é o Brasil", reclama Lenio Streck (foto).

Também sem poupar críticas à decisão, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Marcelo Chalréo, afirmou que a decisão é ilegal e baseada em futurologia. "A Polícia Civil do Rio de Janeiro acabou de inaugurar o que estamos chamando de divisão pré-crime. O juiz tem parceria com a Mãe Dinah. É uma situação kafkiana prender por crimes que supostamente vão acontecer."
Chalréo também comentou a atuação da Polícia Civil. "É um inquérito sem objetivo concreto e em aberto. Não sabemos quando irá acabar e centenas de pessoas podem estar sendo investigadas sem saber. Isso só acontece em socidade fascista", completa.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), o advogadoRicardo Sayeg (foto) faz coro e afirma que é difícil acreditar que essas prisões tenham sido decretadas. "Não houve a demonstração da presença de seus requisitos legais, especialmente, no caso, o prejuízo à garantia da ordem pública. Também não foi demonstrada a imprescindibilidade da medida ou seja, a razão pela qual não poderia ser substituída por outras medidas cautelares menos drásticas, como, por exemplo, uma ordem restritiva."

No mesmo sentido, Lucas Sada, advogado do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, questionou a falta de requisitos apontados. "O juiz não individualizou as condutas de cada envolvido, não demonstrou o risco e utilizou o argumento equivocado de ordem pública. A decisão é totalmente ilegal e carece de fundamentação", afirmou.
Sada é um dos profissionais que atuam no caso. Ele foi o responsável pelo Habeas Corpus que determinou a soltura da jornalista Joseane Maria Araújo de Freitas, radialista da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que está entre os indiciados. Para ele é incompreensível que agora, mais de seis meses depois de aberto o inquérito, o juiz determine a prisão dos ativistas. "Houve uma criminalização dos movimentos sociais para garantir que houvesse a final da Copa do Mundo. É inaceitável essa prisão sem explicações".
O criminalista Eduardo Kuntz, fundador do Kuntz Advocacia e Consultoria Jurídica, diz que houve flagrante arbitrariedade na prisão cautelar dos manifestantes "uma vez que o direito de manifestação e reunião encontra-se expressamente previsto na Constituição (artigo 5º, inciso XVI)". De acordo com Kuntz, sustentar o decreto de prisão apoiado na mera presunção de que atos criminosos podem, eventualmente, ser praticados, além de violar os direitos fundamentais de liberdade de reunião e expressão, "revela resquícios de um Estado totalitário".
Indícios de autoria
Na opinião do criminalista Marcelo Leal, do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados, o crime de quadrilha ou bando é de natureza permanente e pelo que entendeu, da fundamentação, o juiz enxergou indícios de autoria. “A prisão temporária tem cabimento, neste caso, quando imprescindível para as investigações do inquérito policial ou quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. No caso, a prisão foi fundamentada 'tendo em vista a necessidade de identificação e localização dos demais coautores e de não comprometimento das atividades informativas'” explica.

Para ele, a afirmação é realmente vaga, já que não esclarece como a liberdade dos acusados poderia comprometer as investigações e nem como isso poderia ajudar na identificação e localização de coautores. Quanto ao fundamento de se evitar o cometimento de crime futuro, "este não se coaduna com o instituto da prisão temporária. A garantia da ordem pública, caracterizada pela possibilidade do acusado continuar a delinquir, é fundamento para a prisão preventiva", complementa.
O advogado diz que apesar de não conhecer o caso profundamente, concorda com a opinião de que o Direito Penal não pode ser usado pelo Estado para reprimir manifestações sociais. “Porém, é dever do Estado agir para evitar a prática de crime. Por não conhecer o processo não sei se foi ou não o caso”, conclui.
Revista Consultor Jurídico, 17 de julho de 2014.

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