segunda-feira, 12 de maio de 2014

TJ-RS diminui reparação de danos porque réu é pobre

Ao fixar a reparação de danos em favor da vítima, o juiz tem que levar em conta as condições econômico-financeiras do réu condenado, cuidando para não aviltar o princípio da intranscendência. Afinal, a Constituição proíbe estender os efeitos da pena para terceiros que não participaram do crime.
Com esse argumento, o 4º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheuEmbargos Infringentes para diminuir substancialmente o valor de uma reparação decidida na primeira instância. O caso parou no colegiado porque o quantum foi mantido em sede de Apelação, por maioria, provocando novo recurso.
Com a decisão, o condenado irá pagar à vitima de roubo apenas três salários-mínimos a título de reparação, em vez dos R$ 86,7 mil arbitrados na origem. O valor total do roubo foi avaliado pela vítima em R$ 94,5 mil.
O relator dos Embargos, desembargador José Conrado Kurtz de Souza, disse que o artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 11.719/2008 e que embasou a decisão na origem, é instituto "equivocado e deslocado".
‘‘Quem, durante a instrução criminal, em que se está debatendo a culpa do réu, irá preocupar-se em discutir os termos do auto de avaliação (na melhor das hipóteses!), ou poderá ‘adivinhar’ o valor que o juiz ‘fixará’ a título de ‘indenização’ (na pior das hipóteses!) ao final do procedimento, ou seja, em sentença?’’, questionou no acórdão.
Para Kurtz, a lei não fala em indenização, mas sim em ‘‘reparação de danos’’. Ou seja, pressupõe pré-discussão de valores “reparatórios” em relação ao prejuízo sofrido pela vítima. ‘‘Arrisco-me a dizer: de 100 casos penais, em 99% deles esse tema não é debatido nas audiências de instrução criminal’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 25 de abril.
O caso
O réu foi denunciado pelo Ministério Público pelo roubo de um malote da Cooperativa São Luiz. Além de alguns pertences da cooperativa e de documentos, o malote continha cerca de R$ 95 mil em cheques e R$ 88 mil em espécie. Como a denúncia foi considerada procedente, a 2ª Vara Criminal da Comarca de Santa Rosa o condenou às penas do artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II do Código Penal — roubo praticado com a ajuda de outros e com o emprego de arma.

O juiz Eduardo Sávio Busanello fixou a pena de reclusão em sete anos, um mês e sete dias, a ser cumprida em regime fechado na própria Penitenciária de Charqueadas, onde já se encontrava quando proferida a sentença. Também condenou o denunciado ao pagamento de 20 dias-multa, à razão de 1/30 avos do salário-mínimo cada dia-multa.
‘‘Condeno, ainda, o réu ao pagamento de R$ 86.700,00 (oitenta e seis mil e setecentos reais), referente à reparação de danos sofridos pelo estabelecimento comercial vitimado, conforme dispõe o art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, pois o delito ocorreu em 31/01/2011, portanto, já na vigência da Lei n.º 11.719/2008 (vigência a partir de 20/06/2008), a qual determina a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração’’, escreveu na sentença, proferida em 23 de outubro de 2012.
Apelação
A defesa do réu apelou da sentença, insistindo na tese da insuficiência de provas. Alternativamente, pediu a exclusão da majorante que levou ao aumento da pena (concurso de pessoas), a redução da pena ao mínimo legal e o afastamento da reparação mínima dos danos, fixada com base em estimativa informada pelo presidente da cooperativa.

Em parecer dirigido aos desembargadores da 8ª Câmara Criminal do TJ-RS, o procurador de Justiça Glênio Amaro Biffignandi opinou pelo parcial provimento do recurso, para o fim exclusivo de revisar o valor atribuído a título de indenização em favor da vítima de roubo.
Pontualmente em relação a esse aspecto, a maioria do colegiado entendeu por seguir à risca o disposto no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
Para os desembargadores, a fixação da verba reparatória é efeito da condenação e, portanto, de aplicação cogente, não sendo exigido pedido expresso das partes para que seja fixada. Além do mais, o valor foi fixado abaixo da estimativa feita pelo presidente da cooperativa — R$ 94,9 mil —, sem contestação da defesa.
Para a desembargadora-relatora Fabianne Breton Baisch, em acórdão lavrado no dia 11 de setembro de 2013, a ausência de pedido de reparação na peça inicial, ou no decorrer do processo, não obsta sua fixação pelo juiz. Segundo ela, havendo condenação, o efeito extrapenal é automático, prescindindo de explicitação ou motivação. É o que prevê o artigo 91 do CPP, em seu inciso I: ‘‘[são efeitos da condenação] tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”.
Segundo a relatora, o que surge com a edição da Lei 11.719, de 2008, é a quantificação de um valor mínimo, ainda na esfera penal, dando liquidez a um título que já era previsto.
‘‘De modo que, através do dispositivo, viabilizou-se que, já na esfera criminal, seja fixado montante mínimo à indenização dos danos eventualmente sofridos pela vítima do crime, permitindo a imediata execução, não se obstando, por outro lado, que o quantum total venha a ser ainda debatido no cível e eventualmente descontado, se for o caso, o valor já arbitrado’’, escreveu no acórdão, expressando o entendimento majoritário.
Voto minoritário
A desembargadora Isabel de Borba Lucas divergiu do entendimento que negou a Apelação apenas neste aspecto, justificando o contraponto com base em outra decisão proferida pela relatora.

Para a desembargadora, o dispositivo legal refere-se ao valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, porque o quantum total poderá ser obtido em ação civil. Além disso, é preciso considerar a situação econômica precária do réu, que teve o pagamento das custas suspenso pela Justiça e foi assistido por defensor público.
‘‘Assim, entendo que deve ser reduzido o valor da indenização para três salários-mínimos vigentes ao tempo do pagamento, usando como critério o art. 45, §1º, do CPP (Apelação nº 70037212065, desta 8ª Câmara Criminal, Rel. Fabianne Breton Baisch, julgada em 28/07/2010)’’, escreveu no voto. O dispositivo diz que a prestação pecuniária não pode ser inferior a um salário-mínimo nem superior a 360 mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil.
O entendimento provocou Embargos Infringentes, apreciados pelo 4º. Grupo Criminal. O colegiado reúne os desembargadores integrantes da 7ª. e 8ª. Câmaras Criminais, responsável pela uniformização da jurisprudência da Seção de Direito Criminal da corte.
Clique aqui para ler o acórdão dos Embargos Infringentes.
Clique aqui para ler o acórdão de Apelação.
Clique aqui para ler a sentença. 


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2014

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