segunda-feira, 31 de março de 2014

PR tem menor proporção de delegados por habitantes do país

Neste ano, 99 profissionais poderão se aposentar, agravando o quadro. Déficit impacta nas investigações.

Estado com o menor número de delegados da Polícia Civil em relação à população, o Paraná está em vias de ver este quadro se agravar. Ao longo deste ano, 99 desses servidores estarão em condições de se aposentar, desligando-se oficialmente da corporação. Atualmente, o estado tem um delegado para cada 30,8 mil paranaenses. Se considerarmos que, dos 356 profissionais desta categoria, 92 estão afastados, o panorama fica ainda pior. Enquanto o governo do estado faz as contas para definir quando haverá novas contratações, 48 das 161 comarcas sofrem sem contar com um delegado sequer (veja no gráfico desta página).
Sobrecarga
No Litoral, profissional faz “rodízio” para poder atender três cidades
Oswaldo Eustáquio
Três dos sete municípios do Litoral do Paraná não contam com a presença de um delegado de polícia. As delegacias de Morretes e Antonina são atendidas pelo delegado Lauro Gritten, que acumula o cargo de delegado adjunto da 1.ª Subdivisão Policial em Paranaguá. Ele também é responsável por Guaraqueçaba, local em que não existe sequer a presença física da Polícia Civil. Onde funcionava a antiga delegacia há mais de dez anos, o local foi tomado pelo mato. Quando acontece algum caso de agressão que necessita ser lavrado um flagrante, as pessoas envolvidas têm que se dirigir até a delegacia de Antonina. As dezenas de ilhas que pertencem aos municípios litorâneos, muitas delas já sofrendo com o tráfico de drogas, também penam com a ausência da autoridade policial.
Para atender esses três municípios sem delegado, Gritten tem de fazer uma espécie de rodízio porque só em Paranaguá, município em que ele fica, são mais de quatro mil inquéritos em andamento e a delegacia da principal cidade do litoral registram em média cinco boletins de ocorrência por dia, o que demanda bastante tempo dos dois delegados de Paranaguá.
Em dezembro do ano passado, moradores de Antonina realizaram uma manifestação pedindo a designação de um delegado exclusivo para atender a cidade, depois da morte da adolescente que foi encontrada com sinais de abuso sexual em um matagal nas proximidades da Avenida Conde Matarazzo em dezembro do ano passado. O delegado foi procurado pela reportagem da Gazeta do Povo, mas não quis comentar o assunto.
345 é o número de aprovados no último concurso para delegados da Polícia Civil, realizado no fim de 2013, no Paraná. Nenhum deles foi nomeado ainda. O governo estadual não tem data ainda para que isso seja feito.
A falta deste policial tem impacto direto na segurança pública. É de exclusividade dos delegados a execução de tarefas como as de formalizar prisões feitas em flagrante e presidir os inquéritos policiais. Sem eles, não se iniciam novas investigações. Não há justiça, porque, sem este procedimento, os crimes jamais chegarão a ser julgados.
“A atividade de polícia judiciária é um dos elos de um sistema de segurança. Se não tem delegado para conduzir os inquéritos, todo o sistema é comprometido, resultando em impunidade e insegurança”, disse Algacir Mikalovski, coordenador do Núcleo de Pesquisa Sobre Segurança, da Universidade Tuiuti, e delegado da Polícia Federal.
A última contratação de delegados no Paraná ocorreu em 2010. De lá pra cá, as vagas abertas com aposentadorias ou exonerações não foram preenchidas. Desde então, o número desses servidores no estado caiu 15%. Hoje, seis unidades da federação que têm população bastante inferior à do Paraná contam com mais delegados. É o caso de Santa Catarina, que tem 6,6 milhões de habitantes e dispõe de 408 profissionais. Já o Rio Grande do Sul, que conta 11,1 milhões de pessoas, ostenta um quadro de 548 delegados: 65% a mais que o Paraná.
Efetivo
Para o Sindicato dos Delegados do Paraná (Side­­pol), o estado precisaria de um efetivo de pelo menos 550 profissionais, para preencher as comarcas vazias e garantir a reestruturação pela qual passa a Polícia Civil. “A segurança pública não é cara. Basta que a gente observe o preço da insegurança”, defendeu o presidente do Sidepol, Cláudio Marques Rolin e Silva.
A falta de delegados é um dos entraves à criação da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa – cujo projeto ainda não saiu do papel – e tem relação direta com o baixo índice de solução de assassinatos. No ano passado, a Gazeta do Povo mostrou, na série de reportagens “Crime Sem Castigo”, que 77% dos homicídios ocorridos na última década não foram resolvidos. Outro ponto é que o governo criou novas delegacias especializadas – como Delegacias da Mulher – sem que se ampliasse o efetivo para atuar nessas unidades.
“A gente só enxuga gelo”, diz delegado
No interior do estado, a falta de delegados gera uma sobrecarga preocupante. Um único delegado chega a cobrir cidades de comarcas diferentes. Precisa se desdobrar para manter o atendimento, mas – é claro – há um impacto negativo na qualidade do serviço. “Infelizmente, a gente só ‘enxuga gelo’. A gente vive em deslocamento, de uma cidade para outra. Investigação, mesmo, não tem como fazer”, disse um delegado do Norte do estado, que responde por três comarcas. “É muito estressante”, completou.
Um delegado que hoje trabalha na região de Curitiba conta que, quando estava no Noroeste do estado, chegou a acumular oito cidades – três delas, sedes de comarca. Na maioria das vezes, o atendimento era feito à distância.
“Fazíamos a orientação pelo telefone, fax, ou e-mail. Basicamente, orientávamos o policial militar ou o escrivão que estava na outra delegacia, sobre o que ele deveria fazer na situação questão. Era humanamente impossível estar presente em todas as unidades”, lembrou.
O presidente do Sidepol, Cláudio Marques Rolin e Silva, corrobora a reclamação dos colegas e reitera que, nessas comarcas, o trabalho de investigação inexiste. “Não tem como fazer operações nesses lugares, pela falta de delegado. Há um prejuízo muito grande”, destacou.
Marques acrescenta que alguns delegados chegam a atender cidades separadas por mais de 150 quilômetros. Para ele, os prejuízos são muitos. Enquanto está em deslocamento, o delegado não produz. Além disso, o dinheiro gasto com o combustível para as viagens também sai dos cofres do estado.
Contratações devem ocorrer em breve, diz governo
Ao lançar o programa “Paraná Seguro”, em 2011, o governo do estado se comprometeu a contratar 360 delegados até o fim de 2014. O concurso, porém, só foi realizado no fim do ano passado e até agora nenhum dos 345 aprovados foi chamado para assumir o cargo. A Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) e a Polícia Civil afirmam que os procedimentos administrativos para a contratação estão em andamento e devem ser finalizados “em breve”, mas, por enquanto, não há previsão de quando os novos profissionais serão incorporados e quantos serão chamados.
Por meio de nota, a Sesp reconheceu a defasagem do quadro de delegados. Em entrevista concedida à Gazeta do Povo no dia 11 de março, logo após ter assumido a Sesp, o secretário Leon Grupenmacher já havia estimado que seria preciso dobrar o número desses policiais, mas considerava que seria impossível chegar a este patamar.
“Um delegado a mais, pelo que o delegado-geral Riad [Farhat] me falou, já é uma grande coisa. Então, se eu tiver mais 50, ou 30, vai trazer um resultado já muito bom”, disse à época.
O presidente do Sidepol, Cláudio Marques Rolin e Silva, disse que o sindicato tem se reunido frequentemente com setores do governo do estado e que a expectativa é de que as contratações ocorram, mesmo, logo. “Creio que vamos ampliar bastante o quadro de delegados, mas ainda não vai ser o suficiente”, apontou.
Apesar do diálogo com o governo, Marques defende urgência máxima no chamamento dos aprovados. “Vários candidatos também passaram em outros concursos, como o da PF e da Polícia Civil de Goiás. Então seria bom que eles fossem contratados logo, para não perdermos esses profissionais”, opinou.
Enquanto isso, os aprovados no concurso se dividem entre a expectativa de serem chamados e a vontade de contribuir para minimizar o déficit. “Se o governo quiser, em três meses podemos estar nas ruas, atendendo a população”, disse um dos aprovados.


Gazeta do Povo. 31.03.2014.

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