segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Nova lei de terrorismo criminaliza movimentos sociais

O terror toma conta das garantias individuais. Momentos de grande sensibilidade popular criam o terreno perfeito para o aprovações de leis sem aprofundamento no debate. A morte do cinegrafista Santiago Andrade, vítima de um rojão de posse dos manifestantes, acelerou a aprovação da lei de terrorismo (PLS 499/2013).
O assunto é extremamente delicado e impõe uma análise histórica, política e contextual, principalmente por direitos fundamentais estarem em jogo. Embora já existisse antes, o verdadeiro marco no termo Terrorismo para o mundo ocidental em imensa escala ocorreu no dia 11 de setembro, quando houve o atentado às Torres Gêmeas. Inclusive, foi somente depois dos atentados que os Estados Unidos, a nação mais bélica do mundo, aprovou o Patriot Act, o qual suprimiu direitos e garantias da população em nome da guerra ao terror.
O Brasil, por sua vez, não possui tradição bélica, muito menos se comparado ao EUA. Desde a vinda da família real, entra nas guerras para vencer. Do massacre da Guerra do Paraguai à Segunda Guerra Mundial, quando entrou em cenário seguro e ainda enviando o mínimo de tropas, a diplomacia brasileira nunca foi de fazer inimigos mundo afora, trabalhando sempre em terreno confortável. O país é tão precavido e pacífico que o presidente(a) somente pode declarar guerra em caso de agressão estrangeira e ainda sob aprovação do Congresso Nacional — Art. 84, XIX da CF.
Além de não possuir inimigos externos, o Brasil não lida com grupos “terroristas” internos — separatistas como ETA, IRA ou os Curdos. Por mais vaga que seja a expressão “terrorismo”, fica no imaginário um grupo organizado, financiado, disposto a explodir bombas em civis para que sua pauta seja atendida. Um rojão deixado à sorte na rua não autoriza, nem de longe, a afirmar a existência de grupo terrorista no país, muito menos a ponto de tipificar algo complexo e polêmico.
Vale ainda relembrar a questão política. “Terrorismo” depende do ponto de vista. Basta pensarmos em Israel e Palestina, cada qual com sua visão de quem pratica terrorismo. No entanto, fica bem claro, pela redação do projeto de lei, que o ponto de vista sobre ao tipo certamente atingirá movimentos sociais, quando estes incomodarem.
Isso porque assim dispõe o tipo penal de terrorismo:
“Terrorismo
Art. 2º - Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa. Pena: reclusão, de 15 a 30 anos”.
Provocar ou infundir terror. O que é terror? Seria medo? Provocar medo? Freddy  Krueger provoca medo e terror. Brincadeiras à parte, posto de lado a expressão altamente polêmica, chama também a atenção a expressão “pânico generalizado”. Os rolezinhos provocam pânicos (ou seria terror?) generalizados, normalmente ocupando o shopping e impedindo as pessoas de sair. Os rolezeiros são terroristas? 15 anos de pena por um rolê?
Estamos diante, portanto, do famoso Populismo Penal Midiático, isto é, o trabalho legislativo é voltado para a imagem do parlamentar ficar boa frente às câmeras, mas o efeito prático da lei ou é inexistente, ou é devastador, punindo demais um alvo supostamente diferente do pretendido, sendo, portanto, de uma inconstitucionalidade atroz.
Brenno Tardelli é advogado criminalista.
Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2014.

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