segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O menino terrível que continua terrível

Para estudiosos, criminosos perigosos não se tornam violentos; eles simplesmente permanecem da mesma maneira que sempre foram

  • Para estudiosos, criminosos perigosos não se tornam violentos; eles simplesmente permanecem da mesma maneira que sempre foram
Segundo Richard E. Tremblay, para compreender o criminoso violento deve-se imaginar um menino de dois anos fazendo as coisas responsáveis pela má fama dessa idade: agarrar, chutar, puxar, socar e morder.

Agora o imagine fazendo isso com o corpo e os recursos de um rapaz de 18 anos.

Você acabou de visualizar tanto uma criança perfeitamente normal quanto um criminoso violento típico como Tremblay, psicólogo do desenvolvimento da University College Dublin, Irlanda, os vê – a criança e a criatura que usa automaticamente a agressão física para conseguir o que deseja; o criminoso é a rara pessoa que nunca aprendeu a agir de outra forma.

Em outras palavras, criminosos perigosos não se tornam violentos. Eles simplesmente permanecem da mesma maneira que sempre foram.

Tais descobertas têm sido reproduzidas em vários e grandes estudos de diversos pesquisadores em muitos continentes.

"É altamente confiável", disse Brad J. Bushman, professor de psicologia da Universidade Estadual de Ohio e especialista em violência infantil. Segundo ele, as crianças pequenas usam a agressão física ainda mais do que as pessoas em gangues juvenis violentas. "Graças a Deus as criancinhas não usam armas".

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Transtorno mental é sinônimo de loucura. MITO: quem tem um transtorno mental tem uma doença psiquiátrica. A pessoa não é louca, nem fraca, mas está doente e precisa de tratamento. "É necessário entender que o transtorno mental é uma doença como outra qualquer como diabetes, por exemplo. É necessário buscar tratamento para que os sintomas sejam controlados e, assim, a pessoa possa levar uma vida normal", explica a psicóloga Ana Cristina Fraia, coordenadora terapêutica da Clínica Maia Prime Leia mais Arte UOL/AFP
Agressão física

Filho de um jogador de futebol americano profissional, Tremblay também praticou o esporte e ficou fascinado com sua versão regulamentada de agressão física extrema. Depois da faculdade, ele foi assistente social em uma prisão e viu com os próprios olhos a raridade com que tais programas mudavam criminosos violentos. Quando a criança violenta fica grande, já costuma ser tarde demais.

Assim, ele concentrou o foco cada vez mais cedo e descobriu que quanto mais nova a criança, mais elas se batiam. Com adolescentes, atos de agressão física podem ser contabilizados em incidentes por mês; já com as criancinhas, "pode-se contar o número por hora".

Para a maioria das crianças, no entanto, não fica pior do que isso. O índice de violência chega ao máximo aos 24 meses, declinando de forma constante pela adolescência e despencando no começo da vida adulta. Porém, como Tremblay e Daniel S. Nagin, criminologista da Universidade Carnegie Mellon, constataram em um estudo fundamental de 1999, alguns encrenqueiros não seguem esse caminho.

O estudo acompanhou o comportamento de 1.037 alunos de Quebec, no Canadá, em sua grande maioria desamparados do jardim de infância até os 18 anos. Os meninos caíam em quatro trajetórias distintas de agressão física.

Os 20% mais pacíficos, um grupo "sem problemas", demonstravam pouca agressão física em qualquer idade; dois grupos maiores demonstravam índices moderados e elevados de agressão na pré-escola. Nesses três grupos, a violência caiu ao longo da infância e adolescência, chegando a quase nada quando os garotos atingiam os 20 anos.

Um quarto grupo, cerca de cinco por cento, chegava ao pico quando começava a andar e declinava muito mais lentamente.

Adolescência

Enquanto entravam no final da adolescência e mocidade, a agressão se tornava ainda mais perigosa, diminuindo aos poucos. Com 17 anos, eles eram quatro vezes mais agressivos fisicamente do que o grupo moderado e cometiam 14 vezes mais infrações criminosas. De acordo com Tremblay, são esses indivíduos cronicamente violentos os responsáveis pela maioria dos crimes de mesmo teor.

Os números são de meninos e rapazes; a agressão física das meninas declina em trajetórias similares às dos meninos, mas em índices abruptamente baixos. Os resultados foram surpreendentes. A princípio, eles pareciam estar em desacordo com um dos dogmas mais antigos da criminologia – a curva do crime segundo a idade, desenhada pela primeira vez em 1831, pelo estatístico belga Adolphe Quetelet.

Ao examinar registros criminais franceses, Quetelet descobriu que a taxa de prisão subia na adolescência antes de cair ao redor dos 20 anos. Sua curva famosa foi mais tarde reproduzida em estudos de registros criminais até do século 16. Em contrapartida, a descoberta de Tremblay-Nagin sugeria que o comportamento violento tinha um pico muito anterior ao da adolescência.

Entretanto, como Janette B. Benson e Marshall M. Haith comentaram em um livro sobre desenvolvimento infantil de 2010, os dois conjuntos de curvas não são contraditórios. A curva de Quetelet reflete não a violência, mas a taxa com que nós "começamos a prender e a condenar indivíduos que agrediram fisicamente outras pessoas pelo menos desde o jardim da infância".

Em 2006, Tremblay e Nagin publicaram um estudo maior acompanhando dez grupos com aproximadamente mil canadenses com idades entre dois e 11 anos durante períodos de seis anos. A pesquisa ecoou o estudo de 1999. Um terço das crianças era pacífico o tempo todo. Perto da metade usava a agressão física com frequência quando criancinha, mas raramente enquanto pré-adolescente. E cerca de um sexto continuou sendo fisicamente agressiva até os 11 anos de idade. Este último grupo correspondia a grupos em outros estudos que se estendem na faixa de 5% a 15%.

Civilidade e crueldade
Para Tremblay, os achados sugerem uma causa para otimismo: os humanos aprendem mais rapidamente a civilidade do que a crueldade.

Nós começamos como crianças aprendendo a andar. Nós aprendemos pelo condicionamento, enquanto ouvimos pedidos para não bater nos outros e, sim, usar palavras. Nós aprendemos a nos controlar. Começando em nosso terceiro ano, nós aprendemos estratégias sociais como barganhar e encantar. Talvez ainda mais vital, nós utilizamos um cérebro em desenvolvimento para interpretar as situações e escolher entre as táticas e estratégias aprendidas.

Mas e os relativamente poucos que continuam agressivos fisicamente? Se for possível localizar essa tropa já no jardim de infância, por que não conseguimos reduzir sua trajetória? Nesse aspecto, Tremblay diz que "todos da área estão perplexos".

Programas que fornecem apoio abrangente, incluindo treinamento para os pais, parecem auxiliar, embora seja de difícil alcance para as famílias muito problemáticas que mais os necessitam.

Especialistas em desenvolvimento infantil cada vez mais dizem que tais serviços são fundamentais – começando "o mais perto possível da concepção", como Tremblay afirmou em um estudo recentemente, continuando pela primeira infância.

De forma similar, a pesquisa está voltando no tempo de vida. Ele e colegas estão planejando coletar dados de mães e recém-nascidos, e depois acompanhá-los por duas décadas, para determinar se o ambiente molda os envoltórios químicos dos genes das crianças, e, dessa forma, talvez suas atividades, de um jeito relacionado ao comportamento.

Quando eu disse a Tremblay, agora com 69 anos, que isso parecia um tempo demasiadamente longo para esperar respostas, ele riu. Para o estudioso, a ciência é lenta, e o comportamento é difícil de mensurar. Talvez nunca entendamos esse fato por completo. Entretanto, nós devemos tentar.

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Quanto maior o cérebro, maior a inteligência. MITO: o tamanho não é indicador desta qualidade. A massa encefálica de pessoas mais inteligentes é bem parecida anatomicamente com a de qualquer um, pois o peso e o volume cerebral não mostram variação significativa. "O que ocorre é a presença de redes cognitivas mais eficientes, maior velocidade de processamento e melhor estratégia para levar a cabo determinada tarefa intelectual. Mesmo se compararmos o cérebro humano com o de outras espécies, veremos que o tamanho não é sinal de capacidade: elefantes e baleias têm este órgão bem desenvolvido e não são mais perspicazes que os homens", explica o neurologista Leandro Teles Leia mais Shutterstock

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