quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Psicologia do "sim" pode melhorar persuasão nos tribunais

O dom da palavra é o atributo que mais bem distingue os bons profissionais do Direito. Não necessariamente aqueles que falam ou escrevem "bonito", mas os que usam a palavra para desenvolver a arte da persuasão. Essa é a arte dos vencedores no tribunal do júri e em sessões nos tribunais superiores. Ela se expressa não pela verborragia, mas na formação de imagens nas mentes dos julgadores.
Perfeccionismo? Advogados e promotores têm de se familiarizar com as leis da Psicologia para atuar? O advogado Elliott Wilcox, editor do site Trial Theater, acredita que isso faz parte da profissão em que a arte de persuadir é uma ferramenta básica. Em suas pesquisas descobriu, por exemplo, que a mente do ser humano tem um problema sério de rejeição à palavra "não". As mentes da maioria das pessoas tendem a rejeitar o "não" e, dê-lhes algum tempo, a apagá-lo da imagem que se sedimenta na memória. Assim, a imagem que deveria conter um "não" irá sobreviver sem ele na mente.
Exemplos: "Não perca esse penalty". Se houver algum tempo entre a ordem do técnico e a cobrança da "penalidade máxima", a mente do jogador vai processar essa ordem sem o "não", e terá de lutar contra ela. Melhor seria algo como: "Vá e bata bem esse penalty". "Não se preocupe. Isso não vai fazer nenhum estrago em sua vida" é um mau conselho. Melhor seria: "Fique tranquilo. Você consegue superar essa adversidade".
A mente — ou o cérebro — tem o poder de ignorar um "não" e reter o resto da frase, ensinaram a Wilcox. É um processo que ocorre em nível inconsciente e, portanto, não é negociável entre consciências. "Há uma razão para isso", diz Wilcox. "A mente do ser humano prefere se agarrar a imagens positivas, por instinto natural. Isso se observa melhor em crianças. Elas demoram tempo — e algumas vezes demandam ameaças — para levar "nãos" a sério. "Não faça xixi na cama" é uma mensagem desastrosa para conscientes adormecidos.
Com mentes adultas não é diferente. Até mesmo entre advogados experientes. Exemplos: "Você vai visitar nosso principal cliente. Não estrague tudo". Melhor versão, segundo Wilcox: "Você vai visitar nosso principal cliente. Sei que você vai se sair bem". "Não podemos perder esse caso" versus"Vamos agir (assim) e ganhar esse caso". "Esse laptop é caro. Não vá derrubá-lo (perdê-lo etc.)versus "Esse laptop é caro. Cuide bem dele".
No tribunal do júri não é diferente. Os jurados não decidem exatamente com base nas palavras do promotor ou do advogado, nem nas palavras textuais das testemunhas. Eles decidem de acordo com a imagem que ficou em suas mentes. Muitas vezes, sequer se recordam do que foi dito, textualmente. O que importa é a imagem que cada um deles cria por conta própria e o que sente.
Advogados e promotores criam imagens negativas nas mentes dos jurados o tempo todo, diz Wilcox. Juízes também: "Senhores jurados, não levem em consideração essa prova... Não deem atenção a esse testemunho, porque...". O comando sai pela culatra. A prova ou o testemunho ocupam lugar reservado em seus cérebros, para serem usados quando for conveniente.
Evitar o uso do "não" pode exigir um certo treinamento mental — em vez de se dizermos "não é uma tarefa fácil". Por exemplo, o que um advogado pode dizer em vez de: "Não culpem meu cliente porque ele optou por não testemunhar" (essa é uma possibilidade nos EUA). Não há dúvida, diz Wilcox, que os jurados vão culpar o cliente do advogado. O que um promotor pode dizer em vez de: "A acusação não precisa cumprir o ônus da prova além do que é requerido por lei". A imagem que fica, diz Wilcox, é a de que a Promotoria não satisfez o ônus da prova.
Wilcox não oferece ideias para transformar essas imagens negativas em positivas. Ao contrário, sugeriu que advogados e promotores as usem como exercício, para encontrar frases alternativas que criem uma imagem positiva. E pensem em outras frases negativas que usam frequentemente. Que se perguntem que imagens negativas costumam criar nas mentes de suas audiências.
De qualquer forma, se o "não" for inevitável, há uma possível saída: dramatizar o "não", com o tom de voz, com a eloquência, com a pausa que pode segui-lo. Talvez, com essa medida extraordinária, possam fazer com que ele seja retido na mente dos jurados.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2013

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