quinta-feira, 11 de julho de 2013

Lei deve definir parâmetros para investigação do MP

A recente votação na Câmara dos Deputados que, por imensa maioria, rejeitou a PEC 37 e, por conseqüência, afastou da polícia civil o monopólio da investigação criminal, ressaltou, de outra parte, a necessidade da edição de uma lei ordinária, capaz de disciplinar a atuação do Ministério Público. Se é certo que tal decisão reforçou a impressão de que o parquet pode também investigar, creio que somente uma lei, que defina claramente os parâmetros dessa atuação, conferirá, de um lado, legitimidade ao Ministério Público, assegurando, de outro, os direitos do investigado.
Como destacado por Aury Lopes Jr., “muito mais importante do que decidir quem vai fazer a inquisição (MP ou Polícia), está em definir como será a inquisição, sempre mantendo o juiz — obviamente — bem longe de qualquer iniciativa investigatória” (1).
Este trabalho tem como única pretensão propor algum debate a respeito do Projeto de Lei do Deputado e Promotor de Justiça Carlos Sampaio (PSDB-SP), que disciplina a investigação criminal a cargo do Ministério Público (2). E mais precisamente sobre a coexistência de uma investigação presidida por uma autoridade policial e outra, simultânea, a cargo de um membro do Ministério Público.
Sempre imaginei que a investigação criminal, de iniciativa do Ministério Público, se justifique para as hipóteses nas quais a Policia Civil, por inércia ou omissão, deixe de cumprir seu papel. Não vejo qualquer sentido, nessa ordem de raciocínio, que, por exemplo, devido a prática de um furto, tramitem concomitantemente um inquérito policial presidido pela autoridade policial e outro, criminal, sob a presidência do Ministério Público (3). Afinal, qual motivação de ordem prática explicaria a oitiva de testemunhas e vítimas em ambos os procedimentos? Ou a realização de perícias nos dois casos?
Sobretudo quando o projeto, em seu artigo 5°, prevê expressamente “a possibilidade de atuação conjunta” entre a autoridade administrativa e o Ministério Público, a reforçar, sob minha compreensão, a desnecessidade e inconveniência de dois inquéritos paralelos.
Ocorre que projeto deixou de estipular qualquer restrição à deflagração do inquérito criminal, presidido pelo Ministério Público, salvo afirmar (o que soa desnecessário) que sua instauração somente é cabível para os crimes de ação penal pública. Antes, previu expressamente a possibilidade de investigações paralelas, ao dispor no parágrafo único de seu artigo 2°, que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a função de apurar ilícitos”.
Creio, porém, que apenas em situações excepcionais estaria o Ministério Público legitimado à condução do inquérito criminal. Tais situações, como indicado acima, seriam aquelas nas quais se verificasse a inércia da Polícia Civil ou de outro órgão eventualmente incumbido da investigação. Como inércia entenda-se a não instauração do inquérito policial. Estaria ainda legitimado o Ministério Público se demonstrada a omissão da autoridade, ou seja, quando diligências que cumpririam fossem feitas ,deixassem de sê-lo.
Mais que isso: ousaria afirmar, em acréscimo, que a legislação ordinária deveria indicar um rol de delitos que, se cometidos (em tese), permitiriam a deflagração do inquérito criminal pelo Ministério Público. Seriam, por óbvio, aqueles crimes de maior lesividade, de apuração mais complexa e, bem por isso, mais sujeitos a imperfeições, em sua condução pelos órgãos originariamente responsáveis por sua apuração. Como exemplo poderia citar os crimes contra a ordem tributária e econômica (Lei 8.137/1990), que atentem contra o sistema financeiro (Lei 7.492/1996), ou que envolvam lavagem de capitais (Lei 9.613/1988), crime organizado (Lei 9.034/2005) e drogas (Lei 11.343/2006), dentre outras hipóteses.
Cumpriria, assim, ao Ministério Púbico, ao baixar a portaria inaugural, dando início ao inquérito criminal, indicar não apenas os itens elencados no artigo 9° do projeto (fato a ser investigado, tipificação, autoria, determinação de diligências), mas também as razões pelas quais houve por bem prescindir do inquérito policial, em virtude, como destacado, da inércia ou omissão da autoridade policial ou outro órgão a quem couber a investigação. Imaginar-se o contrário, ou seja, autorizar oparquet a investigar todo e qualquer delito, muitas vezes em casos que já são apurados pela polícia civil, traduziria verdadeira banalização do procedimento. E pior: nossa notória falta de estrutura para uma atuação de tamanho porte e que nos é inédita, levaria fatalmente ao descrédito, impotentes que somos para fazer frente a essa missão. O mesmo descrédito que, a propósito, assola boa parte dos órgãos originariamente responsáveis pela investigação.
Este singelo trabalho, caso fomente o debate sobre o tema, já terá atingido seu objetivo.
Notas
(1) “É mais importante definir como será a investigação”, Revista Consultor Jurídico de 28.06.2013. Nesse sentido, ainda, Roberto Lavianu (“A aguçada percepção do Congresso”, Jornal Folha de São Paulo, edição de 4.07.2013, p. 3).
(3) o projeto, em seu art. 3°, faz uma distinção entre o inquérito policial e o inquérito criminal, conforme a autoridade que o presida: o primeiro (policial), presidido pela autoridade policial e o segundo (criminal), presidido pelo Ministério Público.
Ronaldo Batista Pinto é promotor de Justiça no estado de São Paulo, mestre em direito pela Unesp e professor universitário.

Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2013

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