segunda-feira, 1 de julho de 2013

É mais importante definir como será a investigação

Pronto. A PEC 37 foi derrubada. E agora?
Acabaram os problemas da investigação preliminar? Resolvida a crise do inquérito policial?
A PEC era um erro e tinha que ser debatida e derrubada, mas com seriedade e profundidade da discussão, o que não foi o caso. Mas agora, voltemos ao ponto: está resolvido o problema? Claro que não.
Desde logo destacamos que não somos defensores ferrenhos do "promotor investigador'", senão que após uma longa e exaustiva análise dos argumentos contrários e favoráveis aos modelos de promotor investigador, juiz instrutor e investigação policial, concluimos que o modelo é o 'menos problemático' e, por isso, é uma tendência mundial, pois mais facilmente contornáveis seus inconvenientes. No modelo brasileiro (e nesse espaço obviamente não conseguimos externar, mas está na obraInvestigação preliminar, publicada pela Editora Saraiva), afirmamos uma tendência nessa linha e desvelamos a crise do inquérito policial.
O ponto crucial é compreender a importância da possibilidade da coexistência: podemos ter uma investigação policial em que excepcionalmente se admita o promotor investigador. Isso não significa o ‘fim do delegado de polícia’, como apressadamente (e reducionistamente) alguns gritarão. Nada disso! A polícia judiciária (desde que a serviço do poder judiciário...) é absolutamente imprescindível e nenhum país do mundo (independente do sistema de investigação adotado) jamais dela prescindiu.
Mas o ponto nevrálgico é: muito mais importante do que definir quem investiga, é definir como será a investigação.
Aqui reside nossa inconformidade: muito mais importante do que decidir quem vai fazer a inquisição (MP ou Polícia), está em definir como será a inquisição, sempre mantendo o juiz — obviamente — bem longe de qualquer iniciativa investigatória.
A discussão em torno da autoridade encarregada é reducionista e minimalista, pois deixa de lado aspectos verdadeiramente fundamentais, tais como:
1. Definir a função do juiz na investigação, bem como sua esfera de atuação. Deverá ter uma postura ativa, mas não como inquisidor (ou investigador, o que significa a mesma coisa), mas sim como garantidor da máxima eficácia dos direitos fundamentais do imputado, sempre pronto para, mediante invocação da defesa, fazer cessar ou impor limites ao (ab)uso do poder investigatório do Ministério Público (ou da polícia).
2. Repensar a prevenção, pois é óbvio que ela deve ser uma causa de exclusão da competência (e não de fixação como temos hoje), pois em nenhum caso esse juiz da fase pré-processual poderá ser o mesmo que irá instruir e julgar o processo. Juiz prevento é juiz contaminado e, pois, jamais poderá julgar. Essa é a lição de mais de 20 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
3. Definir claramente o controle externo da atividade policial (talvez através das instruções gerais e específicas), que continua um ilustre desconhecido no Brasil (que policia judiciária é essa que não está subordinada ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público?).
4. Jamais poderá se admitir que medidas restritivas de direitos fundamentais (prisões cautelares, busca e apreensão, interceptações telefônicas, etc.) sejam empregadas pelo investigador sem prévia autorização judicial. Tampouco é admissível, à luz do constitucional sistema acusatório, que o juiz o faça de ofício.
5. É fundamental definir o objeto da investigação preliminar e os limites da cognição, para termos uma fase pré-processual verdadeiramente sumária (e jamais plenária, como se converteu na prática).
6. Definir o prazo máximo da investigação preliminar adotando uma resolução ficta quando superado o limite (CPP paraguaio) ou uma pena de inutilidade (inutilizzabilità do sistema italiano) dos atos praticados após o término do prazo legal. Nessa matéria, de nada serve a definição de um prazo sem a correspondente sanção processual pela violação.
7. Determinar a situação jurídica do sujeito passivo, bem como a necessária incidência do contraditório e do direito de defesa, diante da inafastável aplicação do art. 5°, LV da Constituição na investigação preliminar. É imprescindível responder aos seguintes questionamentos: A partir de que momento alguém deve ser considerado como sujeito passivo? Que circunstâncias devem concorrer para que se produza a situação de imputado? De que forma se deve formalizar essa situação? Que conseqüências endoprocedimentais produz o indiciamento? Que cargas assume o sujeito passivo? Que direitos lhe correspondem?
8. Adotar o sistema de exclusão física dos autos da investigação de dentro do processo, excetuando-se as provas técnicas e aquelas produzidas no respectivo incidente judicializado de produção antecipada de provas. Isso significa fortalecer a sumariedade da cognição (limitada ao fumus commissi delicti) e a função endoprocedimental dos atos de investigação. Mas, principalmente, acaba com o absurdo das sentenças condenatórias baseadas no “cotejo” como os elementos do inquérito. Ainda que a sentença não indique, é inegável a contaminação do julgador por esses elementos colhidos na fase inquisitorial. Sem mencionar o Tribunal do Júri, onde os leigos julgam de capa a capa (e mesmo fora da capa...) e sem fundamentar.
9. Definir o alcance do segredo (interno e externo) da investigação, bem como sua duração e requisitos para decretação. O artigo 20 do CPP não regula absolutamente nada e, o pouco que diz, não resiste a uma filtragem constitucional. A questão assume uma relevância ainda maior na medida em que alguns tribunais, equivocadamente, estão vedando o acesso de advogados aos autos de inquérito policial, em flagrante violação ao disposto na Lei 8.906 e no artigo 5°, LV da Constituição.
10. Prever os requisitos e a forma como será realizado o incidente de produção antecipada de provas, respeitando as categorias jurídicas próprias do processo penal (diante da evidente inadequação das analogias com o processo civil).
Essas são questões muito mais relevantes e que deixam em segundo plano a rasteira discussão em torno da autoridade encarregada da investigação.
Enfim, é preocupante o reducionismo da discussão, que deixa de lado questões muito mais graves do que definir quem será o inquisidor.
O problema está na própria inquisição. Mudem ou mantenham os inquisidores, pois a fogueira continuará acesa.
E agora, como colocar tudo isso em um cartaz?
Aury Lopes Jr é doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

Revista Consultor Jurídico, 28 de junho de 2013

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