segunda-feira, 1 de julho de 2013

A polêmica Resolução 457 e o tráfico de animais

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O destino de milhares de animais está nas mãos da Ministra Izabella Teixeira.
Várias versões da mesma Resolução estão há 3 anos sendo submetidas ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), a última versão foi colocada em pauta em março deste ano, outras Resoluções similares a esta já haviam passado pela pauta do Conselho desde 2006 e todas foram indeferidas, a recém aprovada 457 (Processo Nº. 02000.002732/2009-14) foi sancionada pela Ministra do Meio Ambiente e Presidente do CONAMA Izabella Teixeira em 25 de junho e publicada no diário oficial no dia 26 de junho, vem substituir a Resolução 387 do mesmo órgão.
Segundo o próprio CONAMA esta é uma medida emergencial, visando criar um dispositivo jurídico que possibilite a manutenção de uma ‘guarda provisória’ as pessoas que obteram animais silvestres através de meios ilícitos (captura ilegal ou tráfico de animais) uma vez que os órgãos oficiais que deveriam ser responsáveis pela tutela destes animais como CETAS (Centros de Triagem de Animais Silvestres) e Zoológicos estão superlotados e sucateados.
A Resolução define os termos TDAS (Termo de Depósito de Animais Silvestres) e TGAS (Termo de Guarda de Animais Silvestres). O TDAS será aplicado quando o animal (ou animais) estiver em posse do infrator, enquanto que o TGAS será concedido quando uma pessoa se cadastrar junto a um órgão ambiental para receber animais apreendidos. Em ambos os casos trata-se de “legalizar” aquilo que tem origem ilegal, ou seja, tornar oficial a posse de um animal silvestre retirado indevidamente da natureza.
Historicamente o maior problema de aprovar medidas paliativas para situações emergenciais recai sobre o fato de que elas acabam nunca sendo substituídas por medidas tecnicamente eficazes e definitivas, embora o tema 'destinação de animais oriundos de apreensão' já seja há décadas discutido pelo poder legislativo, judiciário, por cientistas e ambientalistas, até hoje o governo federal ignorando reivindicações até mesmo da própria comunidade científica não adotou medidas definitivas para tratar do assunto.
Por este motivo a questão em torno do sancionamento desta Resolução é muito mais profunda e complexa do que o seu texto em si, motivo pelo qual também não é nem um pouco simples para o grande público perceber a gravidade por trás de sua aprovação.
Os problemas práticos relacionados a concessão de 'guarda provisória ao próprio autuado' já se arrastam desde o Decreto nº. 6.514/2008, Art. 105 e 106. O texto da Lei de 2008 já cita que esta ‘guarda’ deverá ser uma medida excepcional, ou seja, depende da justificativa 'da impossibilidade' de se manter o depósito (animal apreendido) com o órgão ambiental ou de se proceder à destinação sumária.
Entretanto o próprio Decreto tipifica como infração administrativa ambiental a guarda de animais silvestres sem origem lícita. Deste modo, quando da constatação da infração ambiental, cujo tipo é permanente, porque prolongado no tempo, a permanência do animal com o próprio autuado renova e perpetua o ilícito ambiental. Assim, o depósito com o próprio autuado não atende aos requisitos no Art. 106, II, a Lei é contraditória por si só.
Em 2011, foi apresentado um projeto de Lei (PLC147) a câmara dos deputados que alterava a Lei nº. 9.605, 1998, exatamente no que diz respeito à proteção aos animais silvestres apreendidos, basicamente se previa libertar 'prioritariamente' em seu habitat natural animais silvestres apreendidos em operações de repressão ao tráfico. Mas o projeto foi "arquivado" simplesmente por término de prazo para votação no Senado.
Atualmente é consenso entre todos os profissionais que atuam na fiscalização e repressão a crimes ambientais que os órgãos fiscalizadores (com poucos funcionários especializados e sucateados) não possuem ferramentas eficientes para exercer sua função de maneira efetiva em todo o território nacional, dentro deste contexto aprovar uma Resolução ou Lei sem investir devidamente na infra-estrutura necessária para que ela seja devidamente cumprida é extremamente ineficaz e gera uma série de brechas legais não apenas para que os infratores não sejam autuados mas também para que eles se utilizem a legislação vigente em benefício próprio.
É justamente neste caso que se enquadra a Resolução 457, mais uma vez um órgão federal esta como se diz em linguagem popular "empurrando o problema com a barriga", um problema que como foi citado acima vem sendo empurrado há décadas. Por várias razões esta Resolução só tende a piorar a situação.
Durante a tramitação do texto no CONAMA foi sugerido ao Plenário que pondera-se sobre a quantidade de animais concedidos a título de TDAS, limitando a no máximo 2 animais (Fundamento: Resolução n° 384/06 e manifestação dos proponentes), mas a sugestão foi ignorada pela presidência do CONAMA.
Publicar uma Resolução onde segundo o Art. 9º/457 se legaliza a guarda de até 10 (dez) animais silvestres, sendo que segundo o §1º poderá haver ampliação do numero de animais, é criar uma brecha jurídica gigantesca para que pessoas que possuam (ou até adquirirão) animais de maneira ilegal encontrem maneiras jurídicas ou não para legalizá-los.
Citando o comentário de Dener Giovanini, coordenador nacional da RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres) sobre o assunto, "... numa visão objetiva: se fosse um carro roubado, ao invés de um animal, o DETRAN teria a opção de deixar o produto do roubo em posse do meliante, alegando que seus depósitos estão lotados. Ou melhor, o ladrão de carros poderia, seguindo a lógica da Resolução, ficar com até 10 veículos oriundos do seu ato criminal".
É muito claro, especialmente para pesquisadores e técnicos que trabalham com questões relacionadas ao tráfico de animais, toda a problemática que a publicação desta Resolução 'paliativa' poderá trazer para a fauna silvestre, já é de conhecimento de muitos especialistas as manobras que algumas pessoas, incluindo 'alguns' membros e 'algumas' associações de criadouros de animais silvestres Articulam para tornar legais animais ilegais e simplesmente facilitar ainda mais esta dinâmica trará grande prejuízo a preservação e conservação da fauna silvestre brasileira.
Um exemplo, baseando-se no texto da Resolução um infrator que receba uma TDAS poderá hipoteticamente doar ou mesmo vender seus animais e, simplesmente colocar outros da mesma espécie em seu lugar. O novo proprietário por sua vez, poderá chamar a fiscalização, se auto denunciar e receber mais uma TDAS e, assim, sucessivamente.
Já sobre o Art. 5º ao qual a Resolução 457 se refere, são 'poucos' os Estados (apenas 7) que tem sua fauna ameaçada determinada, desta forma, uma espécie que não conste hoje na lista de espécies ameaçadas de determinado Estado e/ou que não esteja incluída na Lista Vermelha Brasileira de Espécies Ameaçadas não está protegida pelo Artigo 'ainda que' a mesma esteja de fato localmente ameaçada, ou seja, o Art. 5º não é nem de longe um instrumento legal confiável.
Apenas para exemplificar um dos inúmeros problemas decorrentes da má interpretação do Artigo 5º está o fato de que poderemos perder para sempre Parte da diversidade do patrimônio genético de uma série de espécies, além da extinção de outras a nível estadual, trazendo como conseqüência direta sérios problemas aos ecossistemas que as abrigam.
Além disso, o termo 'guarda provisória' tende a se tornar um termo apenas ilustrativo, uma vez que os CETAS e Zôos que deveriam ser as 'ÚNICAS' entidades previstas em Lei para receber animais apreendidos, como já foi citado aqui, estão superlotados, sucateados sem as mínimas condições para receber novos animais. Em outras palavras a 'guarda provisória' da forma como prevista na Resolução 457 na prática tende a se tornar 'guarda definitiva'.
É imprescindível que o governo e os órgãos federais, percebam que não é uma atitude racional criar de forma isolada Artifícios legais para 'atender demandas emergenciais' 'durante décadas'. O caminho correto para resolver problemas desta magnitude é discutir com a academia e sociedade civil soluções reais e investir de imediato em planos de ação definitivos.
Por todos os motivos citados anteriormente, a discussão sobre a Resolução 457 é válida, inadiável, urgente e muito mais profunda e complexa do que o texto sancionado.
Mas a solução para este problema recorrente também não é tão simples quanto revogar ou não a Resolução 457, e voltar a validar sua antecessora a Resolução 384 de 2006, que inclusive já era deficiente.
A solução definitiva deve imprescindivelmente ser baseada na reelaboração do texto da 457 pelo CONAMA, em conjunto com representantes de todas as Sociedades Científicas da Área de Zoologia, do ICMBio, do IBAMA, da RENCTAS, do Conselho Federal de Medicina Veterinária, da Associação Brasileira de Observadores de Aves, de integrantes das Oficinas de Avaliação de Status de Ameaça de Espécies além de outras entidades que se julguem relevantes.
E aina mais importante, em caráter emergencial realizar uma reunião entre a Ministra Izabella Mônica Vieira Teixeira e estas mesmas entidades, com o objetivo de se elaborar imediatamente um Plano de Ação Nacional focado no tema "Destinação de Animais Silvestres Apreendidos", discutindo medidas para serem implementadas de imediato abordando não apenas o âmbito técnico e conservacionista mas também a criação de ferramentas legais para o direcionamento de recursos financeiros federais a projetos de proteção a fauna apreendida, como por exemplo, destinar uma porcentagem do valor pago por compensação ambiental e multas oriundas de crimes ambientais a criação de novos e manutenção dos Centros de Triagem de Animais Silvestres.
O destino do patrimônio ambiental do Brasil cujo valor biológico e mesmo econômico é insubstituível, não pode e não deve mais continuar a ser traçado por ações provisórias.



ITU.COM.BR

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