terça-feira, 11 de junho de 2013

Discurso sobre PEC 37 foi tratado de modo distorcido


Tramita no Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 37 de 2011, a qual dispõe que a apuração das infrações penais é incumbência privativa da Polícia Federal e Civil Estadual. O sucinto texto da PEC 37 provocou significativa manifestação popular, deflagrada por uma campanha articulada por membros do Ministério Público que tiveram, de um lado, o êxito de trazer a sociedade para tão importante debate, mas, de outro, a censurável postura de conduzir o discurso de maneira distorcida e pouco esclarecedora.
A pecha de “PEC da Impunidade” logo encontrou coro junto a importantes veículos formadores de opinião, propagando-se a falaciosa afirmação de que a PEC estaria retirando poderes do MP de investigar e combater a corrupção.
Primeiramente é necessário esclarecer que o Ministério Público não é o único ente legitimado a combater a corrupção no país. Falando de investigação criminal propriamente dita, que é do que trata a PEC 37, isso nunca foi autorizado pelo texto constitucional aos membros do MP.
Dispõe o Ministério Público de importantes funções institucionais, essenciais à Justiça, imprescindíveis à democracia e ao Estado de Direito, com destaque para a promoção da Ação Penal Pública, a atuação em defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses coletivos. No exercício de sua missão, é inegável que o MP atua também no combate à corrupção, tornando-se merecedor de todo crédito e respeito junto à sociedade.
Mas fazer diretamente a investigação criminal, ou seja, a apuração técnica do fato criminoso que será levado a Juízo, isso nunca foi conferido ao Ministério Público, mas sim às polícias, Federal e Civil. O texto da PEC 37 apenas enfatiza isso, reafirmando o sistema de freios e contrapesos necessário ao ambiente democrático, que em matéria criminal se traduz da seguinte forma: a Polícia investiga; o Ministério Público acusa; a advocacia promove a defesa; o Judiciário julga o acusado do fato criminoso.
Assim é o sistema penal brasileiro, transparente, garantidor de paridade de armas entre a acusação e a defesa, de forma que quem julga não investiga e nem acusa; quem acusa não investiga, nem julga; e quem investiga não acusa, tampouco julga.
A investigação criminal no Brasil se faz através do Inquérito Policial, procedimento de natureza jurídica em que são colhidos os elementos técnicos de prova que serão posteriormente analisados pelo MP, pelo Judiciário e pela defesa. O presidente do Inquérito Policial é o delegado de polícia, Federal ou Civil, profissional preparado para a atividade investigativa, e cujo ingresso na carreira se faz mediante concurso público.
Cabe ao Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial (fiscalizar a polícia e a investigação). Todo inquérito é submetido, periodicamente, à análise do MP, do Judiciário, e também da Defesa que, tendo assegurado pelo Supremo Tribunal Federal acesso aos autos do inquérito e da prova produzida ainda em fase de investigação, pode solicitar à Justiça o trancamento da apuração em que verificada ilegalidade. O Inquérito Policial é, portanto, instrumento de garantia ao cidadão.
O Ministério Público também dispõe do poder de requisitar diligências investigativas e a instauração de inquéritos policiais. Diante disso, partindo da falsa premissa de quem pode o mais (fiscalizar, requisitar e acusar), também pode o menos (investigar), e considerada a carência material e humana das polícias, membros do Ministério Público passaram a desenvolver diretamente a investigação criminal, através de procedimento diverso do Inquérito Policial, sem controle externo, sem regulamentação, sem acompanhamento prévio pela defesa.  
Embora algumas investigações feitas pelo Ministério Público tenham sido exitosas, é necessário esclarecer que o MP também carece de meios para fazê-las, uma vez que não dispõe de corpo técnico suficiente para, além de suas atribuições, exercer a contento a investigação criminal, fazendo-a de forma seletiva, ou seja, escolhendo, no vácuo deixado pela falta de estrutura da polícia, aquelas que consegue fazer, e aqui vem a principal crítica que fazemos os opositores, as que dão maiores resultados midiáticos.
Sustentam os membros do MP que dispõem de autonomia e independência funcional e, com isso, ficariam isentos de pressões políticas para investigar – mas a válida observação converte-se em outra crítica que sempre se fez, no sentido de que a independência deveria ser conferida também às polícias, para que possam exercer suas investigações de forma isenta, imparcial, sem pressões de qualquer ordem, como espera a sociedade.
Esse último anseio vem sendo atendido com a recente aprovação pelo Plenário do Senado de Projeto de Lei que confere ao delegado de polícia, Federal e Civil, autonomia na condução da investigação criminal, impedindo as conhecidas remoções arbitrárias e consagrando o Inquérito Policial como instrumento de isenção, imparcialidade e garantia ao cidadão. O PLC 132/2012 depende agora apenas da sanção da presidente Dilma Rousseff para entrar em vigor.
A PEC 37, que disciplina o sistema de investigação das infrações penais, e o PLC 132/2012, que confere isenção e imparcialidade ao delegado de polícia, são provas de manifestações de uma sociedade que se mobiliza para enfrentar a criminalidade e a corrupção, concedendo eficiência ao seu sistema criminal e fortalecendo suas instituições policiais. Mas isso há de contar também com investimentos governamentais e apoio da instituição que melhor traduz essa sociedade democrática e que busca dar efetividade aos seus anseios e às suas leis: o fiscal da lei, o Ministério Público. 
Murilo Almeida Gimenes é delegado de Polícia Federal, classe especial, em Bauru (SP).

Revista Consultor Jurídico, 10 de junho de 2013

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