quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Pedro Valls: tortura em Xuri foi uma “barbárie à luz do sol”


justica  foto 1 800x533 Pedro Valls: tortura em Xuri foi uma “barbárie à luz do sol”Danieleh Coutinho (danihcoutinho@eshoje.com.br) e João Torezani


“Uma barbárie à luz do sol”. Foi com esta indignação que o presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, anunciou a primeira ocorrência de tortura registrada pelo Torturômetro em 2013. O caso aconteceu com um grupo de 52 apenados do Presídio Estadual de Vila Velha 3 (PEVVIII), localizado no Completo Prisional de Xuri (VV).
A denúncia foi recebida de forma anônima na quinta-feira (10), pela Comissão de Prevenção e Enfrentamento à Tortura do TJES. De acordo com o relato, após reclamarem por falta de água, os detentos foram castigados, sendo levados pelados para um pátio onde foram obrigados a sentarem no chão quente.
“Consta na denúncia que no dia 2 deste mês os presos da unidade prisional PEVVIII foram retirados das celas e encaminhados para um pátio, onde permaneceram, por cerca de duas horas, sentados nus no chão de cimento da quadra que estava aquecida pelo sol. A situação acarretou queimaduras nas nádegas de todos os internos. É algo desumano. Isso tem que acabar definitivamente”, disse o desembargador Pedro Valls Feu Rosa.
justica  afoto 800x533 Pedro Valls: tortura em Xuri foi uma “barbárie à luz do sol”Ainda na quinta-feiraos presos passaram por exame de corpo de delito. A Comissão de Combate à Tortura encaminhou a denúncia para o delegado Rafael Andrade Catunda, designado pela Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social para apurar os crimes ocorridos nas dependências do sistema prisional e do sistema socioeducativo.
Depois das cenas de tortura, a direção do presídio suspendeu as visitas aos demais apenados e isolou os 52 que sofreram o castigo, deixando-os sem atendimento médico – com queimaduras expostas pelo corpo – até quinta-feira, quando o Tribunal de Justiça determinou que eles fossem retirados da unidade prisional e levados para fazer exames e receber medicamentos.
“O que nos assusta é que, apesar da gravidade dos ferimentos, os 52 reeducandos ficaram isolados, sem exame e atendimento médico, e sem que a direção do presídio informasse às autoridades o que aconteceu na unidade”, lamentou o coordenador das Varas de Execuções Penais do Tribunal de Justiça, juiz Marcelo Loureiro.
justica  DSC 3466 800x531 Pedro Valls: tortura em Xuri foi uma “barbárie à luz do sol”“Esse caso é um tapa na cara da sociedade”, disse indignado o presidente do TJES. Feu Rosa destacou, ainda, sua frustração com o fato de, após a criação do Torturômetro, os casos não terem diminuído. E se disse envergonhado, uma vez que o Estado já foi denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos estados Americanos (OEA) e outros órgãos nacionais e internacionais de direitos humanos.
O secretário de Estado de Justiça (Sejus), André de Albuquerque Garcia, determinou a abertura de procedimento administrativo pela Corregedoria da Sejus e solicitou à Polícia Civil a abertura de inquérito policial para investigar o caso.
O servidor que respondia pela direção da unidade prisional, Rodrigo de Souza, foi afastado e sua exoneração do cargo será publicada no Diário Oficial de segunda-feira (14). Até a nomeação de um novo ocupante do cargo, a Penitenciária ficará sob intervenção da Sejus e será administrada pela Diretoria de Controle e Inspeção das Unidades Prisionais da Secretaria.
Os internos envolvidos na ocorrência foram encaminhados para exames de corpo de delito e já estão sendo ouvidos tanto pela Corregedoria da Sejus, quanto pela polícia. Os servidores da unidade prisional também serão ouvidos.
Comissão e Torturômetro não reduz ocorrências de maus tratos
Apesar da criação e instalação, pelo Tribunal de Justiça do Espírito santo (TJES), da Comissão Estadual de Prevenção e Enfrentamento a Tortura, no dia 28 de dezembro de 2012, essa prática criminosa não cessou no Estado. Em 12 meses de funcionamento, a Comissão recebeu 355 denúncias, sendo que 224 foram caracterizadas como crime de tortura e, por isso, resultaram em instalação de inquérito encaminhado ao Ministério Público Estadual para apuração. Outras 131 denúncias relacionavam-se a maus tratos e não a tortura, nos termos da Lei 9455/97.
As duas primeiras medidas adotadas pela Comissão foi determinar o levantamento dos processos de tortura em tramitação no Judiciário capixaba e instalar, no dia 17 de janeiro de 2012, no Portal do TJES, o Torturômetro um canal de comunicação direta e eficaz para atender as expectativas da população, que almeja conhecer o número de denúncias relativas à tortura recebidas pelo Judiciário e também fazer suas denúncias.
Foram encontrados 14 processos com mais de 30 denunciados – entretanto, apenas um processo havia resultado em punição. Durante o ano de 2012, o Torturômetro foi zerado 44 vezes. O caso de maior repercussão, com destaque na mídia nacional, foi a submissão de internos do Centro de Detenção Provisória de Aracruz, município limítrofe ao Norte com a Região Metropolitana da grande Vitória, a “procedimentos” na calada da noite, pelos agentes de presídio, e que tiveram imagens gravadas e denunciadas por um dos agentes.
“No início, o Torturômetro zerava até duas vezes num mesmo dia. À medida que as providências foram sendo tomadas (determinação de apuração), o medidor de tortura ficou até 40 dias sem zerar. A união do Executivo Judiciário, Ministério Público, OAB, Defensoria Pública, grupos de direitos humanos e a sociedade civil em geral ajudou a diminuir o número de denúncias”, disse o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, durante solenidade no Pleno do Tribunal de Justiça.
Nos casos não enquadrados na Lei da Tortura, o procedimento da Comissão foi encaminhar a autoridades competentes para medidas administrativas ou policiais. Para todos os casos acolhidos como tortura foram instaurados inquéritos pela Comissão e encaminhados ao Ministério Público. Até o final de 2012, nenhum processo ainda havia retornado ao Tribunal de Justiça.
A Comissão é presidida pelo desembargador Willian Silva e dela também fazem parte representantes do Ministério Público Estadual, do Governo do Estado, da ordem do Advogados do Brasil (OAB-ES), da Defensoria Pública Estadual, do Conselho Estadual de Direitos Humanos, do Movimento Nacional de Direitos Humanos e da Universidade Federal do Espírito Santo.
CDP de Aracruz – Dez dias depois que o torturômetro recebeu, on-line, duas denúncias de agentes de presídio contra alguns de seus colegas do Centro de Detenção Provisória de Aracruz, que estariam sujeitando internos a tratamento que fere a dignidade humana, o presidente do TJ, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, convocou a imprensa no dia 17 de fevereiro de 2012 para apresentar fragmentos de um vídeo de 40 minutos que recebeu mostrando imagens fortes de crimes de tortura praticados na calada da noite na unidade. O caso ganhou repercussão da mídia nacional.
Tucum – Um agente de presídio, com peso na consciência, entregou no dia 2 de março de 2012 o Tribunal de Justiça um vídeo com imagens comprovando a sujeição de uma presa grávida a tratamento degradante na Penitenciária Feminina de Tucum. O vídeo mostra o áudio da interna gritando que iria perder o feto.
“Quarto do castigo” – Dentro de um abrigo para filho retirados da tutela dos pais, em Presidente Kennedy, no Sul do Estado, crianças eram presas num cômodo isolado e escuro, o “quadro do castigo”, onde também foi encontrado um copo com veneno para rato. A denúncia foi feita no dia 9 de março de 2012 pelo Conselho Tutelar do município.
Triagem do inferno – No dia 26 de março de 2012, o Sindicato dos Agentes Penitenciários denunciaram a situação degradante do Centro de Triagem de Viana: 700 internos onde cabem 161; 11 detentos numa cela onde só cabe um; 25 presos em celas destinadas a apenas seis; calor insuportável na unidade, inclusive para os agentes, para dormir os internos ficam sentados ou em redes; apenas 200 litros de água para toda a população carcerária; ralos entupidos, restos de comida, lixo se tornando criadouro para insetos e animais peçonhentos; o mau cheiro é horrível.
Violência policial -A violência policial também movimentou o torturômetro. Os principais casos: 03 de maio, numa blitz da “Lei Seca”, em Vitória; 22 de junho, em Linhares; 6 de setembro, na Região de São Pedro, em Vitória; 13 de setembro, abusos de policiais civis em Santo Antônio, Vitória; 5 de outubro, em Linhares; 7 de novembro, agressão de PMs a jovens na Serra; 8 de novembro, PMs batem com cabo de vassoura em suspeitos de tráficos na Serra.
Unis – Houve recorrência de tortura a menores em conflito com a lei internados em unidades de ressocialização. Numa delas, dia 30 de julho de 2012, a Pastoral da Infância e juventude denunciou uma sequência de violações aos direitos humanos contra sete adolescentes, em ocasiões diferentes, na Unis (Unidade de Internação Socioeducativa), em Cariacica.
CASO A CASO
28 de dezembro de 2011 – Criada a Comissão de Enfrentamento à Tortura
6 de janeiro de 2012 – Tortura e morte em São Mateus e Colatina
13 de janeiro de 2012 – tortura de preso no CDP do Xuri – Vila Velha
17 de janeiro de 2012 – inaugurado o Torturômetro no portal do TJES
19 de janeiro de 2012 – três denúncias de uma vez na Serra e em Vila Velha
20 de janeiro de 2012 – comissão levanta 30 denunciados em 14 processos
24 de janeiro de 2012 – mãe denuncia tortura no Xuri
27 de janeiro de 2012 – tortura no presídio de Segurança Máxima
07 de fevereiro de 2012 – agente denuncia colega no CDP de Aracruz
15 de fevereiro de 2012 – menor é torturado na UNAI
17 de fevereiro de 2012 – vídeo de torturas chega ao TJES
23 de fevereiro de 2012 – presídio de Viana tem mais três casos de tortura
02 de março de 2012 – agente denuncia tortura a presa grávida
09 de março de 2012 – tortura vira pesadelo infantil em abrigo
19 de março de 2012 – pastoral entrega carta-denúncia de presos
23 de março de 2012 – marcas de torturas durante inspeção no Xuri
26 de março de 2012 – sindicato dos agentes denúncia situação
28 de março de 2012 – preso torturado no CDP de Marataízes
30 de março de 2012 – juíza ouve relato de tortura em São Mateus
11 de abril de 2012 – Agentes Penitenciários Torturados
26 de abril 2012 – CDP de Colatina movimenta Torturômetro
03 de maio de 2012 – Violência policial em blitz
09 de maio de 2012 – Tiro de bala de borracha na cadeia
22 de maio de 2012 – maus tratos a menor em Linhares
13 de junho de 2012 – mulher denuncia tortura no CDPII de Viana
15 de junho de 2012 OAB pede apuração de agressão a presa
22 de junho de 2012 – Violência policial em Linhares
25 de junho de 2012 – mãe de preso denuncia tortura
25 de julho de 2012 – CDP de Guarapari movimenta Torturômetro
27 de julho de 2012 – duas denúncias no CDP de Aracruz
30 de junho de 2012 – padre denuncia sete agressões na UNIS
03 de agosto de 2012 – denúncias em Colatina, na UNIS e em Viana
14 de agosto de 2012 – mais agressões contra menores na UNIS
15 de agosto de 2012 – oito adolescentes vão a exame por agressões
16 de agosto de 2012 – duas denúncias no Xuri, em Vila Velha
17 de agosto de 2012 – flagrante no CDP de Colatina
28 de agosto de 2012 – denúncia chega pelo correio eletrônico
04 de setembro de 2012 – algemado “em forma de cruz” em Viana
06 de setembro de 2012 – abuso policial zera 18 de dezembro de 2012 -
13 de setembro de 2012 – policiais civis denunciados em Vitória
25 de setembro de 2012 – presidiária espancada em Cachoeiro
05 de outubro de 2012 – tortura para confissão em Linhares
07 de novembro de 2012 – militares agridem jovens e Torturômetro zera após 33 dias
08 de novembro de 2012 – militares batem em suspeito com cabo de vassoura
18 de dezembro de 2012 – violência no Xuri rompe recorde de 40 dias sem tortura
27 de dezembro de 2012 – três denúncias zeram Torturômetro após o Natal.

ESHOJE. 11.01.2013.

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