sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

É inconstitucional proibir socorro a vítimas de crimes


Desde o dia 8 de Janeiro deste ano (2013) todos os policiais do estado de São Paulo que atendem ocorrências com vítimas graves não podem mais socorrê-las. Elas, agora, obrigatoriamente terão de ser resgatadas pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ou pela equipe de emergência médica local. A decisão foi do senhor secretário da Segurança Pública desse estado, através da Resolução SSP-05.
Caberia, assim, em caso de demora ou retardo no atendimento médico móvel, ao policial assistir passiva e indiferentemente ao sofrimento ou agonia da vítima? Exigir-se-ia do policial, enquanto a ambulância não chega, que recitasse ao ouvido da desesperada vítima alguns versos bíblicos ou palavras de consolo?
É claro que a vítima — qualquer vítima, sem exceção — preferiria ser breve e prontamente atendida pela gloriosa e dedicada equipe do resgate do Samu ou serviço local de emergência, do que ser levada no cofre de uma viatura policial ou no banco de trás da mesma até o hospital mais próximo em busca de primeiros socorros.
Acontece que, apesar do heroísmo da equipe do Samu, muitas vezes, e não são poucas, este serviço encontra diversas razões justificáveis para não conseguir chegar ao local dos fatos com a brevidade esperada por quem agoniza, a vítima. Desde razões político-orçamentárias até caóticos engarrafamentos no trânsito são situações que embaraçam o tempo de resposta do atendimento do Samu.
Nosso Código Penal brasileiro é claro:
“Omissão de socorro
Art. 135 — Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena — detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único — A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte”.

E a razão de ser de tal dispositivo penal encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. A ninguém, quanto mais a uma autoridade pública, é dado assistir passivamente ao martírio de uma vítima, quando possível socorrê-la, mormente no caso de demora excessiva da chegada da equipe do Samu.
Outrossim, a preservação da cena do crime, para confecção do exame de corpo de delito, como prova processual, evidentemente não se sobrepõe ao direito à vida e à saúde de outrem. Nestes casos, o próprio Código de Processo Penal recomenda o exame de corpo de delito indireto (“Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”).
Certamente que uma resolução de Secretaria de Estado não possui envergadura legislativa para abolir o disposto na legislação federal vigente e na Constituição da República. Ou seja, a inconstitucionalidade formal, além de material, também é latente. A não ser que a Resolução paulista seja interpretada excepcionando-se a hipótese de faute du service.
Seja como for, a sorte da resolução paulista dependerá mais da eficiência e pronto atendimento das vítimas pelo Samu do que questionamentos jurídicos que possa vir a receber.
Carlos Eduardo Rios do Amaral Defensor Público do Estado do Espírito Santo
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2013

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