sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Criminalização do Bullying: posição favorável


A palavra bullying significa violência.  O termo vem sendo utilizado internacionalmente para designar ataques, perseguições, atos de hostilidade praticados contra determinada pessoa, no ambiente escolar ou de trabalho, por exemplo. A comissão de juristas nomeada pelo Senado Federal para propor um anteprojeto de reforma penal, após ampla discussão, decidiu criminalizar a conduta, denominando-a “intimidação vexatória”, com a seguinte redação: “art. 148. Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente, de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico , psicológico ou dano patrimonial: Pena – prisão de um a quatro anos. Parágrafo único: somente se procede mediante representação”.

Embora algumas decisões da Comissão tenham sido tomadas por maioria, e não por unanimidade, não me recordo de discordância com relação a esse tema. A incriminação do bullying foi aceita por todos.

A existência de intimidação vexatória é mais frequente do que se supõe, principalmente no ambiente escolar, mas não apenas lá. No entanto, durante muito tempo, foi considerada um fato normal e corriqueiro entre as crianças e adolescentes. Hoje, nossa sociedade já percebe os malefícios que essa conduta pode causar. Alguns estudos mostram que adultos com determinados tipos de problemas mentais ou de comportamento foram vítimas de bullying na infância ou na adolescência.

O mero fato de esse tipo de violência ter constado da nova proposta de reforma penal suscitou o aprofundamento dos debates sobre o tema, o que já vem apresentando bons resultados em determinadas escolas. Embora não tenha sido eu a autora da proposta, que resultou de um trabalho do desembargador José Muiños Piñeiro Filho, fui chamada a discutirbullying em alguns eventos, inclusive em uma escola pública de São Paulo, na qual realizei duas palestras de uma hora cada uma, para quatrocentos alunos. A primeira, para alunos de dez a doze anos, a segunda para a faixa etária dos 13 aos 15 anos.O interesse de todos foi surpreendente. As crianças e adolescentes estavam muito bem informados sobre do que se tratava e quando perguntei quem já havia sofrido bullying mais da metade do auditório levantou a mão. Pedi aos estudantes que narrassem brevemente o que lhes havia acontecido e os problemas mais frequentes se referiam a ofensas relativas a aspectos físicos, como ser gordo, baixo ou feio; à orientação sexual, como no caso de homossexuais de ambos os sexos; e deficiência física, como uma menina cega que informou estar sofrendo tanto com as atitudes dos colegas que mal pode conter as lágrimas. Por incrível que pareça, a menina cega não recebia solidariedade ou ajuda de ninguém, muito ao contrário, era alvo de pseudo-brincadeiras que dificultavam sua vida e a magoavam profundamente. Por sorte, uma das colegas se dispunha a guiá-la pelos corredores e auxiliá-la nas variadas tarefas, de modo que ela conseguia se desempenhar de forma razoável. Mas, após narrar os suplícios pelos quais passou, a moça pediu providências com relação às sucessivas maldades. A adolescente somente se acalmou quando eu esclareci que a nova proposta de Código Penal estava criminalizando essa conduta. Embora se possa alegar que os menores de dezoito anos não são penalmente imputáveis, sabemos que poderão ser encaminhados à Vara da Criança e do Adolescente para alguma medida educativa. O que importa é evitar o trauma e criar um ambiente escolar mais saudável.

Outro exemplo das consequências da intimidação vexatória é o que ocorreu em janeiro de 2003. Edimar Aparecido Freitas, de 18 anos, invadiu a escola onde havia estudado, no município de Taiúva, em São Paulo, com um revólver na mão. Ele feriu gravemente cinco alunos e, em seguida, matou-se. Obeso na infância e adolescência, ele era motivo de piada entre os colegas.

Na Bahia, em fevereiro de 2004, um adolescente de 17 anos, armado com um revólver, matou um colega e a secretária da escola de informática onde estudou. O adolescente foi preso. O delegado que investigou o caso disse que o menino “sofria algumas brincadeiras que ocasionavam certo rebaixamento de sua personalidade”.

Alguns argumentam que deveríamos deixar a cargo das escolas e dos pais de alunos a solução desse problema, e não transformá-lo em caso de polícia. No entanto, está evidente que, muitas vezes, nem as escolas nem as famílias têm conseguido lidar adequadamente com o bullying.  Trata-se de uma violência que pode diminuir a autoestima da vítima, provocar reações de extrema agressividade contra a escola e os colegas e, por vezes, levar ao suicídio. Ou seja: é melhor possibilitar que os fatos cheguem ao conhecimento da Justiça enquanto é tempo do que permitir que a situação se agrave e acarrete reações de violência muito maior. E é preciso lembrar que, tratando-se de crime de ação penal pública condicionada a representação, se a vítima preferir tentar resolver a situação no âmbito exclusivo do local onde ocorreram as intimidações, é só não oferecer a  representação que o Ministério Público não irá agir.

bullying não é facilmente superável para a maioria das suas vítimas. Trata-se de uma atitude que apresenta relevância penal.  No dizer de Celso Lafer, “o direito não elimina os conflitos, mas administra sua solução por meios não violentos”. Foi por isso que os integrantes da Comissão de Juristas encarregados de propor a Reforma Penal se convenceram da importância de criminalizar o bullying.

Agora, a palavra final será dada pelo Congresso Nacional.

Carta Forense. 03/12/2012 por Luiza Nagib Eluf (Advogada. Procuradora de Justiça aposentada Foi membro da Comissão de Reforma do Código Penal nomeada pelo Senado em setembro de 2011. Autora de diversas obras).






Nenhum comentário:

Pesquisar este blog