quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Maria Lucia Karam: "Proibir das Drogas é Inconstitucional"


Ex-juíza diz que uso de drogas é uma liberdade individual assegurada pelo regime democrático 

O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu, há dois meses, uma sentença polêmica e sem precedentes no Brasil. Absolveu um réu que foi preso com 7,7 gramas de cocaína. A justificativa: portar droga para consumo próprio não é crime. Isso quer dizer, na prática, que usar cocaína não é ilegal. Na tradição do Direito Penal brasileiro, a decisão pode ser considerada revolucionária. Mas, perto das idéias da mulher que inspirou a sentença, ela fica tão conservadora quanto discutir o uso do biquíni. A argumentação da sentença foi baseada num livro de Maria Lúcia Karam, uma juíza aposentada e ex-defensora pública do Rio de Janeiro de 59 anos que defende a legalização da produção, do comércio e do consumo de todos os tipos de droga.
 ENTREVISTA - MARIA LÚCIA KARAM 
Daryan Dornelles
QUEM É Integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim) e do instituto americano Law Enforcement Against Prohibition, uma ONG antiproibição de drogas 

O QUE FEZ Foi defensora pública, juíza no Rio de Janeiro e juíza-auditora da Justiça Militar 

O QUE VAI PUBLICAR Vai lançar o livro Proibições, Riscos, Danos e Enganos: as Drogas Tornadas Ilícitas. É autora de De Crimes, Penas e Fantasias
ÉPOCA – Como magistrada, a senhora sempre considerou inocentes os portadores de drogas. Por quê?
Maria Lúcia Karam – A proibição das drogas é inconstitucional. A Constituição garante a liberdade individual. Na democracia, o Estado só pode intervir na conduta de uma pessoa quando ela tem potencial para causar dano a terceiro, e a decisão de usar algum tipo de droga é uma conduta privada, não diz respeito a terceiros. Numa democracia, qualquer proibição é uma exceção. A regra é a liberdade individual.
ÉPOCA – O jurista Miguel Reale Jr. diz que a proibição das drogas é como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Seria o Estado protegendo o indivíduo de si mesmo.
Maria Lúcia – Ninguém pode ser obrigado a usar cinto de segurança. Você pode estar fazendo um mal a você mesmo, mas isso faz parte da liberdade. Faz parte da liberdade individual você querer se fazer mal.
ÉPOCA – No caso de dependentes de drogas, a Justiça não deve expedir sentenças que ajudem no tratamento, como a internação psiquiátrica obrigatória?
Maria Lúcia – Não. Primeiro, porque é uma pena e, como qualquer pena, viola a liberdade. O Estado não pode intervir de forma nenhuma. Em segundo lugar, também acho que não funciona. Ao menos na imensa maioria dos casos. Qualquer tratamento psicológico só funciona se a pessoa quiser.
ÉPOCA – O que fazer com os dependentes?
Maria Lúcia – Eles têm de ter garantido o atendimento no sistema público de saúde.
ÉPOCA – A legalização não aumentaria o consumo?
Maria Lúcia – O consumo se deve a muitos fatores. É como o aborto. É irrelevante o fato de ser legal ou ilegal. Pesquisas realizadas na Holanda e nos Estados Unidos em 2005 negam a tese de que o consumo aumentaria. Na Holanda, onde é permitido usar maconha e haxixe nos coffee shops, registrou-se um porcentual de 12% de consumidores de maconha entre jovens de 15 a 24 anos. Nos EUA, 27,9% dos jovens de 18 a 25 anos eram consumidores.
ÉPOCA – Muita gente dirige alcoolizada e muitas pessoas morrem em acidentes provocados pelo álcool. Como evitar os mesmos tipos de excessos relacionados a drogas se elas fossem legalizadas?
Maria Lúcia – A legalização permite uma regulação. Você pode estabelecer determinadas restrições, como já existe em relação ao cigarro. Você pode regulamentar o uso e a venda, sem violar a liberdade individual. Qualquer restrição tem de estar relacionada ao fato de a conduta poder causar danos a terceiros.
ÉPOCA – A legalização não aumentaria a criminalidade?
Maria Lúcia – Ela reduziria. Só existe violência associada à produção e ao comércio de drogas porque esse mercado é ilegal. Num mercado legal como é o do álcool, as disputas se resolvem dentro da lei. No mercado ilegal, as disputas comerciais e econômicas vão se resolver na base da força. Quem provoca a violência, portanto, é o Estado.

Época. 28.06.2012.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog