quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Entrevista - Jörg Stippel, especialista alemão em assuntos carcerários


Christian Rizzi Gazeta do Povo / “Mais penas produzem mais sofrimentos, mais gastos e mais delinquência.” - <b>Jörg Stippel</b>, especialista alemão em assuntos carcerários
“Mais penas produzem mais sofrimentos, mais gastos e mais delinquência.” - Jörg Stippel, especialista alemão em assuntos carcerários

“Se quer destruir famílias, estas prisões estão boas”


Jörg Stippel, especialista alemão em assuntos carcerários

Especialista em assuntos carcerários, membro da Sociedade Alemã de Cooperação Internacional e diretor do programa Estado de Direito no Chile, o professor Jörg Stippel defende um sistema carcerário bem diferente do que existe no Brasil. Ele diz que a sociedade precisa se perguntar o que pretende com as prisões. “Se quer destruir famílias, criar mais delinquentes, a sociedade está bem com as prisões que tem. Mas, se quiser recuperar e reintegrar as pessoas, é preciso fazer outra coisa”. Nesta entrevista concedida durante o Encontro Teuto-brasileiro de Criminologia e Política Criminal, evento realizado em Foz do Iguaçu, promovido pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), no último mês, Stippel fala sobre o sistema carcerário brasileiro e alemão.

Quais são as diferenças entre o sistema carcerário do Brasil e da Alemanha?
Vocês têm muito mais presos. Três vezes mais. Estatisticamente, vocês têm 250 pessoas privadas da liberdade para cada 100 mil habitantes e nós temos 86. Aqui parece que a política confia muito mais na utilidade da prisão. Outra diferença diz respeito ao tratamento. O Brasil não vê o preso enquanto cidadão, trata como alguém que perdeu grande parte dos seus direitos. Na Alemanha, há mais liberdade para os presos, as penas são mais curtas e há mais pessoas para prestar assistência. Por exemplo, em uma penitenciária daqui havia uma psicóloga e dois assistentes sociais para 900 presos, o que não é suficiente. Na Alemanha há mais educadores, psicólogos e assistentes sociais. A pessoa, quando chega à prisão, em geral, tem dívidas, problemas com a família e, às vezes, a situação piora lá dentro. Por isso, é importante apoiá-las. E isto me parece que não acontece no Brasil.
A estrutura das prisões também é difente?
Aqui há grades como jaulas de leão nas celas. Na Alemanha, há portas e os funcionários respeitam a intimidade das pessoas. Os pátios das prisões daqui são desumanos, puro cimento, não há nenhuma planta. A pena é privativa de liberdade – não se deveria impor outros sofrimentos. Nas prisões alemãs há menos violência porque há um respeito mútuo entre as pessoas. A organização dos espaços também é diferente. Na Alemanha há espaços comuns, cozinhas entre as celas e os presos podem cozinhar.
Por que o sistema alemão tem menos detentos? Qual seria a saída para o Brasil?
Porque as penas são mais curtas. Na Alemanha, 90% dos presos cumprem penas de até cinco anos. No caso de homicídios normalmente são 15 anos. É preciso deixar a cadeia para crimes mais graves e individualizar a pena. Aqui todos os presos recebem o mesmo tratamento. Na Alemanha, existe o que chamamos de plano individual para o tratamento, ou seja, se faz um tipo de contrato. Se o preso cumprir o que ficou acordado, por exemplo, trabalhar, fazer um curso de capacitação, submeter-se a um tratamento antinarcótico, ele recebe benefícios e progride no tratamento. Assim, sabe que o espera. Isso também evita decepções e violência. Tudo é um pouco mais previsível e não é tão arbritário.
Dessa forma, pode-se afirmar que a qualidade das prisões e a organização do sistema afeta o índice de criminalidade?
O sistema no Brasil, como está hoje, é um incentivo à prisão. São escolas de delinquência. Claro, se os presos não têm o que fazer todos os dias, fazem planos, começam a brigar. Na Alemanha, não há emprego suficiente para os presos, mas se tenta conseguir trabalho. Os detentos trabalham, estudam, podem obter licenças para sair e estudar fora das prisões. Na Alemanha não é tão complicado planificar a execução porque as penas são mais curtas. Você pode planejar uma pena de dois, quatro anos, mas como se planeja 10, 15, 20 anos? Então é preciso ter penas mais curtas com um enfoque assistencial e não repressivo para que seja possível ressocializar. Aqui o enfoque é meramente repressivo.
No Brasil, há uma pressão da opinião pública para tratar os detentos com dureza, como o senhor avalia isso?
Isso acontece em todos os países. É um populismo penal usado pelos partidos de direita para fazer política. É preciso usar argumentos da acadêmica que digam o contrário, ou seja, mais penas produzem mais sofrimentos, mais gastos e mais delinquência. É preciso também que a academia elabore estudos que tenham propostas, sejam instrumentos para o sistema.

Gazeta do Povo. 17/08/2012

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