segunda-feira, 23 de julho de 2012

Número de presos com curso superior dobra no Paraná


Dados do Ministério da Jus­­tiça (MJ) mostram que entre 2005 e 2010 aumentou em 113%, no Paraná, a população carcerária com diploma de ensino superior. No mesmo período, no estado, o número de pessoas que conquistaram um diploma cresceu 48%, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda nesse intervalo, o total de presos no Pa­­raná subiu 92%. 
A tendência de presos diplomados é nacional. Dados mostram que nos mesmos cinco anos as penitenciárias brasileiras passaram a ter 122% mais detentos com terceiro grau completo. Apesar de não haver estudos conclusivos sobre o assunto, especialistas apontam as drogas como principal causa desse fenômeno. Levantamento feito pela Gazeta do Povo nos estabelecimentos penais do Paraná reforça a hipótese. A análise mostrou que a maioria dos presos com curso superior (41%) foram condenados por tráfico de drogas.
“O tráfico tem mudado o perfil da população carcerária porque a droga não escolhe classe social ou escolaridade. Vai do analfabeto ao doutor”, afirma o doutor em Direito Penal Pedro Marcondes, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Marcondes afirma que outros delitos, como furtos, homicídios e até crimes passionais não raro também são influenciados pela droga.
Ex-diretor da Peni­­ten­­ciá­­ria Estadual de Londrina, Mar­­condes acredita que os chamados “crimes do colarinho branco” – outra hipótese para o aumento de presos com curso superior – ainda não condenam o suficiente para serem significativos nas estatísticas, mas já se fazem notar. “Esses criminosos ficam pouquíssimo tempo na prisão, porque conseguem pagar meios para sair da cadeia”, explica.
Maus lençóis
A aproximação das classes média e alta (maioria entre os universitários) com o tráfico começa com a dependência química. “Quando precisa de droga, o filho do rico não pede dinheiro à família. Ele contrai uma dívida com o traficante e, para pagá-la, é impelido a trabalhar para o tráfico e acaba preso”, ilustra o especialista.
A professora Sandra Re­­gina de Abreu Pires, do De­­­­­­par­­tamento de Serviço Social da Universidade Esta­­dual de Londrina e pós-doutora em Ciências Criminais, ressalta que o grau mais elevado de instrução acaba sendo uma ferramenta importante para o tráfico. “O crime está cada vez mais organizado e o tráfico exige uma logística bem articulada”, pondera.
Sandra chama a atenção para outra mudança no perfil dos traficantes: a participação mais ativa das mulheres (veja ao lado). “Elas sempre tiveram o tráfico como crime casual. Agora, têm aumentado a participação como membros e até chefes de quadrilhas, não mais como apêndice do companheiro”, observa. Os dados do Ministério da Justiça mostram que o aumento no número de mulheres com nível superior entre os presos foi maior do que o de homens.
Sem sucesso?
Em paralelo ao avanço das drogas nas classes mais abastadas, deve-se considerar a democratização do ensino superior. Para o doutor em Direito Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, esse pode ser mais um fator que contribui com as estatísticas. “O sujeito se esforça para custear uma faculdade e depois se frustra com o mercado de trabalho, que não dá a resposta que ele esperava”, afirma, sobre aspectos a serem investigados.
Para Coutinho, a divulgação do aumento de presos diplomados pode servir como alerta para aqueles que se deparam com um mercado pouco favorável. “Foi-se o tempo em que o sujeito que tem curso superior não era apanhado”, pondera.
Vida real
Sistema prisional é formado por pessoas de baixa instrução
Apesar do crescimento no número de detentos com curso superior completo, esse grupo ainda representa uma parte pequena da população carcerária – cerca de 0,7% do total. A maioria dos presos tem o ensino fundamental incompleto e alguns são analfabetos.
A condenação de um preso suspende o seu direito à liberdade, mas não o direito à educação. Em 2010, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos com privação de liberdade.
Além de garantir o direito ao ensino, a oferta de educação nas prisões é considerada uma ferramenta de ressocialização. “A educação dá aos presos habilidades e competências para ter um aporte e sobreviver honestamente quando sair”, avalia o jurista Pedro Marcondes.
Marcondes alerta para o fato de que, ao lado da educação, a relação com as drogas precisa ter atenção específica no sistema prisional. “Estudos mostram que, ao não se tratar a dependência das drogas nos presos, ainda que se melhore a escolaridade dele, a possibilidade de reincidência é grande”, explica.
Contradição
Escolaridade versus criminalidade intriga estudiosos
“A remuneração oferecida pelo mercado de trabalho, se comparada aos lucros do tráfico, é irrisória. O traficante ganha em uma semana o que a gente não ganha em um mês”, comenta Sandra Regina de Abreu Pires, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina.
Para ela, a expectativa depositada nas pessoas que investem em um curso superior e o estímulo ao ganho rápido podem estar entre os responsáveis pelo aumento do tráfico de drogas nos círculos mais escolarizados. “A dedicação à carreira, a batalha para conseguir um emprego, isso tudo está ficando longe do imaginário das pessoas. Tudo está estimulando a viver intensamente, não importam os meios”, avalia.
Para o sociólogo Fernando Salla, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a relação entre escolaridade e criminalidade é um paradoxo. Para ele, é constrangedor saber do aumento da criminalidade entre os mais estudados, dado que se deposita tanta fé no poder da educação. “O fato é que o ensino qualifica e habilita as pessoas e isso pode ser usado para qualquer lado”, pondera.
Descrença
Fernando Salla não acredita que as prisões por tráfico de drogas tenham crescido nas classes mais abastadas. Ele aponta o crescimento do tráfico em geral e o aumento da escolaridade da população como explicações para o maior número de presos com curso superior. “O tráfico cresceu muito e o combate ao tráfico também”, avalia.
“O tráfico tem mudado o perfil da população carcerária porque a droga não escolhe classe social ou escolaridade. Vai do analfabeto ao doutor.”
Pedro Marcondes, doutor em Direito Penal.


Fonte: JULIANA GONÇALVES - Gazeta do Povo

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