terça-feira, 31 de julho de 2012

Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais


Sancionada pela presidente Dilma Roussef na última terça-feira (24/7), a Lei 12.694,/2012, que permite a adoção de um grupo de juízes em julgamentos de crimes praticados por organização criminosa, suprime garantias constitucionais.

A avaliação é de especialistas entrevistados pela revista Consultor Jurídico. Publicada no Diário Oficial União da União desta quarta-feira (25/7), a lei é conhecida por instituir a figura do juiz sem rosto, pois prevê a publicação das sentenças “sem qualquer referência a voto divergente”.
A sanção da lei ocorre um ano após o assassinato da juíza Patrícia Acioli e em meio a denúncias de ameaças recebidas por um juiz e uma procuradora que atuaram no processo que resultou na prisão de Carlinhos Cachoeira.

Para o professor da USP Pierpaolo Bottini, a medida viola o direito do réu e contraria a política de transparência adotada pelo governo federal com a Lei de Acesso à Informação. “O réu tem o direito de saber quais os argumentos expostos, seu teor, e os fundamentos das decisões, em especial daquela que divergiu dos demais. Em tempos de transmissão ao vivo das sessões do STF, do CNJ, e de aprovação da lei de transparência, parece um despropósito a criação de decisões ocultas, que não são expostas ou juntadas aos autos”, disse Bottini.

Ele afirmou que medidas de segurança devem ser tomadas para garantir a proteção dos juízes, mas sem a supressão de garantias constitucionais.

Pelo novo diploma, que altera dispositivos do Código Penal, quando houver ameaça à integridade física do juiz, outros dois juízes da área criminal deverão ser escolhidos, por sorteio, para integrar o colegiado.

Segundo Bottini, a legislação afeta a garantia da identidade física do juiz, já que dois magistrados que integrarão o colegiado poderão determinar a sentença sem terem participado de fases anteriores do processo, como a produção de provas, interrogatórios e audiências. “Quisesse ser a lei coerente com a identidade física, estabeleceria um colegiado que participasse também dos atos probatórios, da instrução do processo”, afirma.

Para o advogado Ramiro Rebouças, a lei viola a Convenção Americana de Direitos Humanos. "Se o Estado é incompetente para proteger seus cidadãos, não pode violar a Convenção para proteger, de maneira que viola o art. 8º do tratado, seus magistrados." Ele lembra, ainda, que o Peru foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por uma lei semelhante.
O crminialista Paulo Sergio Leite Fernandes também viu pontos críticos na lei. “Nunca se pensou, por exemplo, que advogados criminais não tivessem cara, ou devessem comparecer ao foro com máscaras impeditivas de identificação. A personalização faz parte do uso da toga, da beca, da farda ou da roupa do bombeiro.”

Em sua avaliação, as medidas podem reduzir, dificultar ou até mesmo anular as possibilidades de defesa plena.

Medidas de Segurança

Já o juiz federal Ali Mazloum, 7ª Vara Federal Criminal em São Paulo, diz ver pontos positivos na lei, especialmente em suas medidas de segurança. "Mais importante é a novidade quanto às medidas securitárias pessoais agora à disposição do juiz criminal, que vão desde melhor controle de acesso às dependências de onde trabalha como o porte de arma por órgãos de segurança institucional". Pela norma, também estão previstas a instalação de câmeras de vigilância em prédios da Justiça, especialmente nas varas criminais, e detectores de metal.

Mazloum, porém, faz ressalvas quanto ao veto à divulgação de voto divergente nas decisões colegiadas.

"A formação do colegiado para a análise e eventual julgamento de crimes praticados por organizações criminosas é salutar, merecendo maior reflexão a omissão quanto ao voto divergente, quando houver, tendo em vista o primado constitucional da necessária publicidade e fundamentação das decisões judiciais."

Fonte: Conjur


Dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e as Leis nos 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, e 10.826, de 22 de dezembro de 2003; e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:
I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;
II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;
III - sentença;
IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;
V - concessão de liberdade condicional;
VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e
VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.
§ 1o O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.
§ 2o O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.
§ 3o A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado.
§ 4o As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.
§ 5o A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.
§ 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.
§ 7o Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento.
Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
Art. 3o Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:
I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;
II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;
III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.
Art. 4o O art. 91 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o e 2o:
“Art. 91. ........................................................................
§ 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.
§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.” (NR)
Art. 5o O Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 144-A:
“Art. 144-A. O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
§ 1o O leilão far-se-á preferencialmente por meio eletrônico.
§ 2o Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial, será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro, podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial.
§ 3o O produto da alienação ficará depositado em conta vinculada ao juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à sua conversão em renda para a União, Estado ou Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à sua devolução ao acusado.
§ 4o Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial.
§ 5o No caso da alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.
§ 6o O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial.
§ 7o (VETADO).”
Art. 6o O art. 115 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar acrescido do seguinte § 7o:
“Art. 115. .....................................................................
§ 7o Excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN.” (NR)
Art. 7o O art. 6o da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XI:
“Art. 6o .........................................................................
XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. ......................................................................................” (NR)
Art. 8o A Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7o-A:
“Art. 7o-A. As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições descritas no inciso XI do art. 6o serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição.
§ 1o A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo independe do pagamento de taxa.
§ 2o O presidente do tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os servidores de seus quadros pessoais no exercício de funções de segurança que poderão portar arma de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do número de servidores que exerçam funções de segurança.
§ 3o O porte de arma pelos servidores das instituições de que trata este artigo fica condicionado à apresentação de documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei.
§ 4o A listagem dos servidores das instituições de que trata este artigo deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm.
§ 5o As instituições de que trata este artigo são obrigadas a registrar ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal eventual perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.”
Art. 9o Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal.
§ 1o A proteção pessoal será prestada de acordo com a avaliação realizada pela polícia judiciária e após a comunicação à autoridade judicial ou ao membro do Ministério Público, conforme o caso:
I - pela própria polícia judiciária;
II - pelos órgãos de segurança institucional;
III - por outras forças policiais;
IV - de forma conjunta pelos citados nos incisos I, II e III.
§ 2o Será prestada proteção pessoal imediata nos casos urgentes, sem prejuízo da adequação da medida, segundo a avaliação a que se referem o caput e o § 1o deste artigo.
§ 3o A prestação de proteção pessoal será comunicada ao Conselho Nacional de Justiça ou ao Conselho Nacional do Ministério Público, conforme o caso.
§ 4o Verificado o descumprimento dos procedimentos de segurança definidos pela polícia judiciária, esta encaminhará relatório ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ ou ao Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.
Brasília, 24 de julho de 2012; 191o da Independência e 124o da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo

Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.7.2012

Ibccrim.

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