sexta-feira, 11 de maio de 2012

Reincidência e maus antecedentes: diferença conceitual e considerações jurídicas


Por William Garcez

A reincidência e os maus antecedentes são institutos jurídicos que, não raras vezes, são confundidos por acadêmicos do Direito e profissionais da área jurídica. Isso se deve ao fato de que a nomenclatura de ambos os institutos sugere tratar-se da mesma coisa, o que não é verdade.
 “Reincidência” significa voltar a incidir. É um conceito jurídico, aplicado ao direito penal, que significa voltar a praticar um delito havendo sido anteriormente condenado por outro, de igual natureza (reincidência específica) ou não (reincidência geral).
 A reincidência é circunstância agravante, analisada pelo Magistrado na segunda fase da aplicação da pena, nos termos do artigo 61 do Código Penal. Logo, é reincidente aquele que tendo uma ou mais condenações criminais irrecorríveis, pratica outro crime, obedecido o lapso temporal de cinco anos, previsto no artigo 64 do mesmo Diploma.
 “Maus antecedentes” são tudo o que remanesce da reincidência. Ou seja, decorrido o prazo de cinco anos, por exemplo, do cumprimento da pena (período no qual há reincidência, como acima se demonstrou) deixa o indivíduo de ser considerado reincidente, mas carregará ele em sua ficha o gravame de maus antecedentes. Esse instituto é considerado circunstância judicial, a ser analisada pelo Magistrado na primeira fase da dosimetria da pena, nos termos do artigo 59 do Código Penal.
 Em suma, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 05 anos, não há falar em reincidência. Após o decurso do prazo qüinqüenal o réu será considerado novamente primário. Contudo, será primário com maus antecedentes, pois para este efeito, a condenação subsiste.

Configuração de “maus antecedentes”

É importante referir, que atos infracionais não são considerados maus antecedentes, uma vez que a configuração destes limita-se ao início da imputabilidade do agente. Atente-se, da mesma forma, para o fato de que a incidência da prescrição da pretensão punitiva afasta o reconhecimento dos maus antecedentes, mas a prescrição executória não.
nsta referir, também, que a sentença homologatória da transação penal não gera reincidência, nem pesa como maus antecedentes. O artigo 76, § 4º, da Lei 9.099/95 é de clareza incontestável: “Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos”.
 Na mesma esteira, o perdão judicial, que extingue a punibilidade, jamais poderá ser considerado para fins de reincidência, nos termos do artigo 120 do Código Penal. Em harmonia está a súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.

O princípio da não culpabilidade

É entendimento majoritário na doutrina e na jurisprudência que enquanto não transitar em julgado uma ação judicial não haverá maus antecedentes. O Superior Tribunal de Justiça, na súmula 444, estabelece que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
 Dessa forma, é possível afirmar-se que a reincidência é condição sine qua non para o surgimento de maus antecedentes. Os registros de maus antecedentes somente podem ser considerados após condenação irrecorrível e decorrido o lapso temporal que caracteriza a reincidência.
 Assim, em respeito ao princípio constitucional da não-culpabilidade, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, as ações penais que resultaram em sentenças extintivas de punibilidade não podem ser tidas como maus antecedentes, assim como os inquéritos policiais ou processos em andamento.
 Os defensores dessa corrente argumentam que, enquanto não houver transito em julgado de sentença penal condenatória, os procedimentos não servem para a valoração da personalidade do agente.
 Esse foi o entendimento exarado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal ao julgar o Habeas Corpus 97665, em 2010, quando se decidiu que “processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu”.
Ao conceder o Habeas Corpus, determinou-se que a pena não pode ser aumentada com base em inquéritos policiais arquivados ou em curso. O ministro Celso de Mello lembrou que “a jurisprudência desta Corte tem enfatizado que processos penais em curso, inquéritos policiais em andamento ou até mesmo condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados como maus antecendentes do réu e também não podem justificar a exasperação da pena ou denegação de benefícios que a própria lei estabelece em favor daqueles que sofrem uma condenação criminal”.
 Na ocasião, por unanimidade, a Suprema Corte reformou uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que aumentou a pena de um homem baseado em outras ações que corriam contra ele na Justiça. O acórdão do TJRS dizia que “não é porque em alguns desses processos ele foi absolvido, ou porque de outros se livrou em face da extinção da sua punibilidade, ou ainda porque não condenado definitivamente que se há de considerar neutro o seu passado”.

Em sentido contrário

O Ministro Ricardo Lewandowski, relator do Habeas Corpus 94620, enfatizou que “não obstante a Corte entenda que o simples fato de tramitarem ações penais ou inquéritos policiais em curso não leva, automaticamente, à conclusão de que o réu possui maus antecedentes, é lícito ao magistrado deduzi-los em face da existência de diversos procedimentos criminais, sem que, com isso, reste ofendido o princípio da presunção de não-culpabilidade”.
Prosseguiu o Ministro explicando que “o magistrado, ao fixar a pena-base dos pacientes, observara fundamentadamente todas as circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, o que justificaria a fixação do quantum da pena acima do mínimo legal”.
Ressaltou que, no caso concreto, “o juiz levara em conta a extensa ficha criminal dos pacientes, a sua acentuada culpabilidade, caracterizada pela premeditação das condutas, as circunstâncias e os motivos reprováveis da ação, em especial a busca do lucro fácil como modo de vida, as conseqüências graves da conduta e a falta de ressarcimento dos danos causados à vítima”.
Aduziu que “a avaliação dos antecedentes do réu, na fixação da pena, sujeita ao prudente arbítrio do juiz, tem apoio no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, que determina a individualização da pena”.
Por fim, asseverou que “o sopesamento dos antecedentes do réu é diverso do reconhecimento da reincidência, prevista no art. 63 do CP, a qual gera efeitos penais diversos, como no âmbito da suspensão condicional da pena ou de fixação do regime prisional”.

Bis in idem

O bis in idem nada mais é do que o mesmo duas vezes: "bis", repetição; "in idem", sobre o mesmo.
Há vedação no direito de que o mesmo fato seja considerado duas vezes ou que um mesmo individuo sofra duas vezes as consequências do mesmo fato. Essa máxima é decorrência do princípio do ne bis in idem: não duas vezes a mesma coisa.
 Dessa forma, não pode acontecer de o sujeito ser reincidente e portador de maus antecedentes em razão do mesmo crime ou dos mesmos crimes, sob pena de bis in idem. A súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça é taxativa: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.
 Entretanto, isso não significa que um indivíduo não possa ser reincidente e registrar maus antecedentes ao mesmo tempo. Só que para que isso ocorra é necessário que seja pela prática de crimes distintos. Uma pessoa pode ser reincidente pela prática do crime “A”, dentro do lapso temporal de 5 anos estabelecido pela lei, e registrar maus antecedentes pelos crimes “B” e “C”, cujo lapso temporal extrapola aquele período.
 Concorrendo diversas condenações em desfavor do réu, parte pode ser utilizada na primeira fase de aplicação da pena, como circunstâncias judiciais desfavoráveis (maus antecedentes e conduta social), e outra parte na segunda fase, como reincidência, nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Habeas Corpus 139501, em 2010. Dessa forma, não há que se falar em dupla valoração pelo mesmo fato, excluindo-se a configuração do indevido bis in idem.

Sobre o autor

William Garcez é Delegado de Polícia do Rio Grande do Sul. Representante da Associação dos Delegados de Polícia da Vigésima Segunda Região Policial. Ex-Assistente de Promotoria de Justiça. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul - CAMVA/RS.

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