sexta-feira, 20 de abril de 2012

Pergunta que não quer calar: 'Há crime sem vítima?'

Na discussão, é imperioso distinguir entre “vitimologia” e “vitimização”. A vítima de um crime pode ser qualquer pessoa que sofra infaustos resultados, seja de seus próprios atos, seja dos atos de outrem; ou do acaso.



os desdobramentos do Caso Fernanda Lages, estudante assassinada cruelmente em Teresina no mês de agosto do ano passado, despertam até mesmo estudos jurídicos sobre “vitimologia”, nomenclatura jurídica criada por Benjamin Mendelsohn, advogado israelense, e Hans Von Hentig, professor alemão, que estudaram a relação vítima-criminoso no fenômeno da criminalidade a partir de 1941.
“A priori”, uma pergunta não quer calar: “Há crime sem vítima?” Ainda em 1941, Von Hentig publicou trabalho em que propôs uma concepção interacionista da vítima, não só como sujeito passivo do delito, mas também como sujeito ativo, que contribui para a realização do crime - “The Criminal and his victim”, escrito em 1948.
O professor, então, desenvolveu a relação criminoso-vítima e colocou a vítima como elemento preponderante e decisivo na realização do delito, em que, consciente ou não, coopera, provoca ou conspira para a ocorrência do crime. Supostamente ou não!
Remeta-se, agora, a questão jurídica para a persecução processual sobre os crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação.  Citando ainda Hans Von Hentig, autor da obra “O criminoso e sua vítima”, de 1948, o passo inicial a examinar é qual será a causa e o efeito de um crime. Nas infrações contra a honra, por exemplo, poderá alguém ser processado e condenado por crimes de calúnia, injúria e difamação sem citar o nome da vítima, do ofendido? Claro que não! O processo penal brasileiro exige para estes casos que a vítima seja plenamente identificada, nominada na agressão, dado que não poderá haver condenação criminal por conjecturas, ilações ou deduções, quanto mais sobre suposições de ser esse ou aquele a vítima de um ilícito contra a honra, contra o decoro, contra a dignidade.
Na discussão, é imperioso distinguir entre “vitimologia” e “vitimização”. A vítima de um crime pode ser qualquer pessoa que sofra infaustos resultados, seja de seus próprios atos, seja dos atos de outrem; ou do acaso. Mas, que seja citada nominalmente na ofensa assacada. Já a vitimização – “contrariu sensu” – é o processo que leva alguém, uma determinada pessoa a vitimizar-se ou a tornar-se vítima de um suposto crime. A vitimização - assim por dizer - é o ato ou processo de trazer para si a condição de vítima, colocando-se no papel ridículo de sujeito passivo de uma suposta agressão moral que não se verificou, que não se consumou.
Em seu livro “Criminologia”, Roque de Brito Alves, em RT 616/415-16, São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, oferece uma classificação ampla dos tipos de vítimas:
a) as vítimas natas;
b) vítimas potenciais;
c) vítimas inocentes;
d) vítimas provocadoras;
e) vítimas falsas (simuladoras e imaginárias);
f) vítimas voluntárias.
Vítimas Natas: são aquelas que já nascem para ser vítimas, tudo fazendo consciente ou inconscientemente para produzir o crime, como se fossem tipos humanos vitimológicos, predestinados ou tendentes a se tornarem vítimas causadoras dos delitos de que elas próprias se tornam vítimas. Indica-se como exemplo o indivíduo masoquista.
Vítimas potenciais: os de personalidades insuportáveis, criadoras de casos e que levam ao desespero aqueles com quem convivem.
Vítimas inocentes (as verdadeiras ou realmente vítimas) - aquelas que podem ser definidas como vítimas de si próprias. Não são nem causa e nem fator, não tendo culpa alguma na realização do delito.
Vítimas provocadoras: é deveras importante a sua análise no fenômeno da execução ou realização do delito, resultando como vítima devido à ação de alguém que ela própria originou, provocou, causou, como que obrigando alguém ou o agente do delito a atuar contra a pessoa.
Vítimas falsas: São aquelas que induzem, urdem, instigam e provocam o agente a ponto de este não suportar mais e praticar o delito.(com duas espécies vítimas simuladoras e as imaginárias);
Vítimas simuladoras- aquelas que estão consciente de que não foi vítima de delito algum, do indivíduo a quem acusa, porém age geralmente por razões de vingança ou buscando obter alguma vantagem material ou não.
Vítimas imaginárias: é geralmente inconsciente de sua acusação, podendo apresentar alguma forma de anormalidade ou deficiência psíquica, mental, como nos casos de personalidades histéricas, paranóicas, retardadas, etc. Pensam, imaginam ou estão mesmo certas de que sofrem realmente a ação criminosa.
Vítimas indiscriminadas:  compreendem todas as vítimas que são passíveis de sofrerem, genericamente ou indiretamente, todas  espécies de agressões ou atentados na sociedade atual.
Vítimas voluntárias: concretamente existem, como nas hipóteses do denominado homicídio eutanásico e no suicídio a dois.
Contrariu sensu”, outros renomados doutrinadores trazem à tona as vítimas da prepotência, do despotismo, do arbitrarismo e do poder do forte sobre o fraco.
Concluindo, como esclarece a doutrina criminal, a análise da atuação da vítima em qualquer caso concreto é de suma importância para o perfeito enquadramento jurídico em si mesmo. Com efeito, não será possível no processo-crime “se a vítima se pôs na situação de agredida, de ofendida”, criando e provocando uma situação fática-ficta para, utilizando-se da lei penal, alcançar seu objetivo de consumar uma provável agressão moral que não sofreu e em desfavor do pretenso agressor, do suposto ofensor.
 
É por isso mesmo, doutores, que o duelo é uma prática não permitida no Brasil. Então, paciência! Parem com essa de ficar processando Promotor de Justiça!
 
por Miguel Dias Pinheiro, advogado. 07.04.2012.
Fonte: JL

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