terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Discriminação contra estrangeiros preocupa a Europa


A percepção da efetividade da Justiça e do respeito ao Estado de Direito tende a ser maior nos países da Europa Ocidental e da América do Norte (com exceção do México, que foi incluído no grupo de países latinos) do que nos países das demais regiões do mundo, sob todos os aspectos avaliados nesta radiografia da Justiça no mundo. Esses países se caracterizam pelo baixo nível de corrupção, por seus governos abertos e controláveis e por seu sistema de Justiça criminal eficaz.
Outro ponto comum é a preocupação com a discriminação da polícia contra estrangeiros e minorias étnicas. A maior fraqueza dos países desse grupo é o acesso ao sistema de Justiça civil – especialmente pelos segmentos marginalizados da população. Os dados estão no relatório Índice do Estado de Direito (Rule of Law Index) 2011, da organização The World Justice Project (WJP), que busca fazer uma radiografia da Justiça no mundo. Em sua quarta edição, o relatório comparou a percepção do respeito ao Estado de Direito em 66 países de todas as regiões do planeta (clique aquipara ler texto sobre o relatório completo).
No grupo que abrange a Europa Ocidental e América do Norte, na área de acesso à assessoria jurídica a Itália (42º no mundo), o Canadá (54º), os Estados Unidos (50º) e a Noruega (48º) não mostram bom desempenho. Essas são áreas que requerem maior atenção das autoridades dos três poderes e da sociedade, nesses países, para que suas populações possam se beneficiar do sistema de Justiça civil.
Nessas regiões, a proteção aos direitos fundamentais está entre as mais altas do mundo, mas a discriminação da polícia contra estrangeiros e minorias étnicas continua grande e esse é outro ponto que requer maior atenção das autoridades e da sociedade. Em quase todas as dimensões do Estado de Direito, os países da Europa Ocidental estão melhores classificados no ranking do que os Estados Unidos.
Confira os resultados obtidos a partir do levantamento na Europa Ocidental e na América do Norte:
Suécia e Noruega
Os países nórdicos se classificam nos primeiros lugares na maioria dos quesitos usados para avaliar a percepção de respeito ao Estado de Direito. A Suécia fica em primeiro lugar em três das oito áreas avaliadas: direitos fundamentais, governo aberto e cumprimento eficaz da lei. E está entre os cinco melhores em sete das oito categorias. Os tribunais e os órgãos administrativos da Suécia são classificados como os mais eficientes e transparentes do mundo. De uma maneira geral, eles observam os direitos fundamentais. A Noruega fica em primeiro lugar em três áreas: mecanismos de controle do governo, acesso à Justiça civil e eficácia da Justiça criminal. E se coloca entre os cinco primeiros em sete dos oito indicadores do Estado de Direito. As instituições públicas da Noruega são muito fortes. O acesso à Justiça é geralmente garantido aos cidadãos nos dois países, embora o acesso à assessoria jurídica ao grande público continue limitado, particularmente para as classes menos favorecidas economicamente. A discriminação da polícia contra estrangeiros e minorias étnicas é percebida como um problema nos dois países.

Holanda
Está entre os três primeiros em três categorias: direitos fundamentais, governo aberto e acesso à Justiça civil. E se sai muito bem nas outras cinco categorias medidas pelo índice deste levantamento. O ambiente jurídico, em geral, é transparente e eficaz. Os tribunais do país são acessíveis e imunes a influências impróprias, com os tribunais criminais exibindo um notável respeito ao devido processo legal – fator em que a Holanda se classifica em primeiro lugar no mundo.

Alemanha
É um dos países na liderança do mundo em muitas dimensões do Estado de Direito. Os mecanismos de controle do governo são fortes (em sexto lugar, entre 66 países) e a corrupção é mínima (12º lugar no mundo). O sistema de Justiça civil se classifica em segundo lugar entre os 66 países avaliados, o que é um resultado das condições financeiramente acessíveis de serviços jurídicos, da facilidade de acesso e eficiência dos tribunais e ausência de influências indevidas. No entanto, a discriminação policial contra estrangeiros é percebida como um problema frequente.

Áustria
Está entre os dez melhores países em todas as oito dimensões do Estado de Direito. O país se classifica em quarto, entre os dez países europeus cobertos pelo levantamento, nos seguintes critérios: ausência de corrupção, ordem e segurança, respeito aos direitos fundamentais e eficácia do sistema de Justiça criminal. Apesar de o país ser bastante aberto, os austríacos têm mais dificuldades em acessar documentação oficial do que os cidadãos de maioria dos países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, a Alemanha e a França. Além disso, a discriminação da polícia contra estrangeiros é percebida como significativa.

Reino Unido [Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales) e Irlanda do Norte]
Os países do Reino Unido estão entre os melhores do mundo nas áreas de governo aberto (quarto lugar) e cumprimento efetivo da lei (sexto lugar). A classificação é boa em mecanismos de controle do governo (nona colocação) e a corrupção pode ser considerada mínima. Embora Judiciário seja independente e livre de influências indevidas, não é tão acessível e econômico quanto em outros países da região. E seu sistema correcional está mal posicionado nas tabelas de ranking regional e de ranking por classe econômica (entre os países de mais alta renda).

França
O país se sai bem em todos os oito critérios usados para avaliar o respeito ao Estado de Direito. As forças mais notáveis da França incluem a ausência de corrupção e um sistema de Justiça civil independente, acessível e econômico. No entanto, atrasos nos procedimentos judiciais constituem uma fraqueza, tanto na área civil como na criminal, em que casos podem levar anos para serem resolvidos. A França obtém, igualmente, classificações altas nas áreas de cumprimento eficaz da lei e de proteção aos direitos fundamentais. Mas a discriminação da política contra minorias étnicas e religiosas é percebida como um problema.

Bélgica
O país está bem colocado nas oito categorias. A Bélgica se destaca por suas altas notas em mecanismos de controle do governo e proteção aos direitos individuais, embora a discriminação da polícia contra estrangeiros seja percebida como significativa. O Judiciário é independente, acessível e econômico, o que contrasta com o desempenho relativamente fraco, nessa área, de outros países de alta renda. Entretanto, atrasos judiciais em casos civis é uma fonte de preocupação. Nas áreas de eficácia da Justiça criminal e de cumprimento efetivo da lei, a Bélgica fica atrás da maioria dos países de renda alta.

Espanha
O país obtém classificação alta em garantia de direitos individuais, particularmente no que se refere à proteção dos direitos do trabalhador e à prevenção de interferência na privacidade dos cidadãos, bem como nas áreas de controle do governo, ausência de corrupção, acesso à assistência jurídica e respeito ao devido processo legal. Entretanto, a Espanha fica atrás de outros países da região e da mesma faixa de renda no fornecimento de mecanismos para a participação pública – incluindo o direito de peticionar autoridades públicas – e no cumprimento eficaz de regulamentação governamental, itens nos quais se classifica de segundo a último nas regiões da Europa Ocidental e América do Norte. Atrasos judiciais, cumprimento ineficaz da Justiça civil e discriminação da polícia também são áreas que requerem maior atenção das autoridades e da sociedade.

Itália
É o país de pior desempenho entre os países da Europa Ocidental e América do Norte, no que se refere ao Estado de Direito, conforme medido pelo Índice – embora haja variações significativas entre as três cidades pesquisadas (Roma, Milão e Nápoles). Entre os 12 países cobertos na região, a Itália se classifica em 12º lugar em sete critérios que avaliam o respeito ao Estado de Direito. A corrupção dentro do sistema judiciário (22º lugar no mundo) e a impunidade de autoridades governamentais (35º lugar) constituem uma fraqueza institucional significativa. A Itália se classifica em último lugar, entre os países de alta renda, nas áreas de governo aberto, ordem e segurança e acesso à Justiça civil. Falta de mecanismos de controle do governo, atrasos nas decisões administrativas e judiciais, discriminação da polícia contra estrangeiros e segurança jurídica deficiente também são fontes de preocupação. No entanto, a Itália está bem classificada nas áreas de independência judicial e de proteção de direitos fundamentais.

Estados Unidos
O país está bem classificado na maioria das dimensões do Estado de Direito. Se destaca pelo bom funcionamento sistema de controle mútuo entre instituições públicas e pelos bons resultados obtidos nas garantias das liberdades civis entre os cidadãos, incluindo os direitos de associação, opinião e expressão, religião e petição. O sistema de Justiça civil é independente e livre de influências indevidas, mas continua inacessível aos fragmentos da sociedade menos favorecidos (21º lugar no mundo). A assistência jurídica é cara (52º lugar no mundo) e a disparidade entre pessoas ricas e pobres, em termos de uso real e de satisfação com o sistema de Justiça civil, continua significativa. Entre todos os países da América do Norte e Europa (incluindo os do Leste Europeu), o acesso à Justiça civil só é pior na Itália, Croácia e Polônia. Além disso, há uma percepção generalizada de que minorias étnicas e estrangeiros recebem um tratamento desigual da polícia e dos tribunais.

Canadá 
Está entre os dez melhores países do mundo em quatro categorias de respeito a Estado de Direito: governo com poderes limitados, ordem e segurança, governo aberto e eficácia da Justiça criminal. A corrupção é mínima e o país observa os direitos fundamentais, de uma maneira geral. No entanto, a discriminação contra imigrantes e contra os pobres continua sendo uma fonte de preocupação (30º lugar no mundo). A pior classificação do Canadá está na área de acesso à Justiça civil (16º lugar, entre os 23 países de alta renda). Isso pode ser parcialmente explicado pelas deficiências na capacidade de parte da população de cobrir os custos da assistência jurídica ou de representação, bem como pela longa duração de casos civis.


João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2011

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