terça-feira, 8 de novembro de 2011

Casa de prostituição: aceitação social e descriminalização

  A decisão cuja ementa segue cuida do peculiar e progressivo fenômeno da descriminalização de uma conduta tipificada em lei. Veja-se:
"PENAL. RECURSO ESPECIAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TIPICIDADE CARACTERIZADA. EVENTUAL TOLERÂNCIA SOCIAL OU MESMO DAS AUTORIDADES PÚBLICAS OU POLICIAIS NÃO DESCRIMINALIZA A CONDUTA DELITUOSA LEGALMENTE PREVISTA. INAFASTABILIDADE DA TIPICIDADE PRECONIZADA PELO LEGISLADOR. PRECEDENTES. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONTRASTE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Este Sodalício firmou orientação no sentido de que eventual tolerância social ou mesmo das autoridades públicas e policiais não descriminaliza a conduta tipificada no artigo 229, do Código Penal. 2. Recurso especial provido para cassar o v. acórdão e a r. sentença."
(STJ - REsp 1102324/RS - Rel. Des. Conv. do TJRJ Adilson Vieira Macabu - DJe de 22.8.11)

            Do corpo do acórdão, lê-se:
"(...)
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento nas alíneas ‘a' e ‘c' do inciso III do artigo 105 da Constituição da República, contra v. acórdão do e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado, in verbis:
‘CRIME CONTRA OS COSTUMES. I - RECURSO DA DEFESA. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO QUALIFICADO. ART. 228, CAPUT E §§ 1º E 3º, DO CÓDIGO PENAL. FACILITAÇÃO. 1. RECURSO DEFENSIVO: A denunciada, com o objetivo de obtenção de lucro, favoreceu a prostituição, na forma do verbo nuclear 'facilitar', ao manter, especialmente adolescentes, em sua casa de prostituição; ao dar abrigo, alimentação, emprestar quartos às vítimas e ao cobrar aluguel dos quartos aos clientes do local para encontros libidinosos, bem como vender bebidas a estes. Facilitar significa prestar auxílio, criar condições, tornar fácil ou acessível a prática de prostituição. II 2. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CASA DE PROSTITUIÇÃO. ATIPICIDADE. À sociedade civil é reconhecida a prerrogativa de descriminalização do tipo penal configurado pelo legislador. A eficácia da norma penal nos casos de casa de prostituição mostra-se prejudicada em razão do anacronismo histórico, ou seja, a manutenção da penalização em nada contribui para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, e somente resulta num tratamento hipócrita diante da prostituição institucionalizada com rótulos como 'acompanhantes', 'massagistas', motéis, etc, que, ainda que extremamente publicizada, não sofre qualquer reprimenda do poder estatal, em razão de tal conduta, já há muito, tolerada, com grande sofisticação, e divulgada diariamente pelos meios de comunicação, não é crime, bem assim não será as de origem mais modesta. 3. APENAMENTO. Crime continuado. Exasperação mínima. Reconhecimento. Apenamento readequado. RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.' (fl. 311.)
Em suas razões recursais, a parte recorrente sustenta que o acórdão recorrido violou o artigo 229, do Código Penal, fixando entendimento antagônico à jurisprudência deste Sodalício. Argumenta que ‘a tolerância ou desuso não se apresentam como causa de despenalização' (fl. 331). Ao final, requer o provimento do recurso para que, reformando o v. acórdão recorrido, seja a recorrida condenada, também, nas sanções do artigo 229 do Código Penal. (...)
O recurso merece prosperar. De plano, ressalta-se que este Sodalício firmou orientação no sentido de que eventual tolerância social ou mesmo das autoridades públicas e policiais não descriminaliza a conduta tipificada no artigo 229, do Código Penal. (...) Dessarte, verifica-se que o entendimento firmado pela e. Corte de origem está em contraste com a jurisprudência do STJ devendo, portanto, ser reformado.
Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para reconhecer como típica a conduta praticada pela recorrida, cassando o v. acórdão e a r. sentença. Em tempo, determino o retorno dos autos ao r. Juízo de primeiro grau para que profira outra sentença, como entender de direito, respeitando o comando emanado por este Superior Tribunal de Justiça. Por fim, expeçam-se ofícios ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, bem como ao Presidente da Quinta Câmara Criminal, com cópia desta decisão, para que tomem conhecimento.
Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Brasília (DF), 16 de agosto de 2011.
MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ)
Relator" (destacamos)

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