quarta-feira, 22 de junho de 2011

Os direitos das crianças antes do interrogatório

Depois de uma atribulada e tensa sessão realizada nesta semana, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que a Polícia, em todo o país, deve levar em consideração a idade de crianças e adolescentes quando render suspeitos menores idade e realizar a leitura de direitos, conhecida como Advertências Miranda. Ou seja, crianças detidas em custódia devem ser esclarecidas dos seus direitos antes de serem interrogadas. A idade deve determinar como a leitura deve ser feita.
No julgamento do caso J.D.B versus o Estado da Carolina do Norte, ocorrido na quinta-feira (16/6), o alto tribunal avaliou se a Polícia daquele estado agiu dentro da lei ao interrogar um garoto de 13 anos, suspeito de conhecer dois criminosos, responsáveis por arrombamentos de casas. Retirado da sala de aula por dois políciais, o menino foi conduzido à sala de conferências da escola, onde, a porta fechadas, foi submetido a um interragotário que durou em torno de 30 a 45 minutos. Estavam presentes também o diretor da escola e um estagiário da administração. O diretor do colégio chegou a colaborar com os policiais, insisistindo com o estudante para que ele "fizesse a coisa certa".
Após J.D.B confessar que conhecia os arrombadores, um dos oficiais de Polícia o informou que ele poderia ter se recusado a responder as perguntas e o liberou.
Quando um tribunal do estado se recusou a suprimir as declarações de J.D.B. dos autos do processo, o advogado do estudante entrou com uma ação com o argumento de que os direitos constitucionais do adolescente foram violados. O caso foi parar na Suprema Corte da Carolina do Norte, que decidiu que a declaração das Advertências Miranda não era obrigatória naquele contexto porque o rapaz não estava sob custódia. Quando migrou para a esfera federal, tribunais de primeira instância e de apelação deram decisões distintas ao caso.
Na Suprema Corte, a decisão que beneficiou J.DB. foi apertada. Por 5 votos a 4, o tribunal reconheceu que houve violação de direitos e que as informações adquiridas durante o interrogatório do estudante não podem ser consideradas por qualquer tribunal. A Corte também estabeleceu que a idade do suspeito menor de idade deve ser levada em consideração ao se ler os direitos, uma vez que crianças podem não compreender que não precisam falar.
No texto da decisão assinado pela juíza Sonya Sotomayor, a Corte sugere que "crianças não podem ser consideradas adultos em miniatura" e que é evidente que pré-adolescentes podem se ver obrigados a responder indiscriminadamente à Polícia, "quando um adulto na mesma situação sabe que o fato de permanecer em silêncio e não colaborar com os agentes não será levado em consideração judicialmente".
"Não vendo razão para que agentes da Polícia ou tribunais ignorem o senso comum sobre a faixa etária de suspeitos, é determinado que a idade deve ser avaliada ao se ler os direitos Miranda de um menor de idade."
A sessão de quinta-feira converteu-se então em um clássico embate entre a ala conservadora do tribunal que votou contra Sonia Sotomayor, e os juízes considerados liberais, que garantiram a vitória de J.D.B..
O presidente John Roberts Jr. e os colegas Clarence Thomas e Samuel Alito não pouparam críticas à decisão, classificando-a como uma deformação extrema das diretrizes estabelecidas pela própria Suprema Corte no histórico caso Arizona versus Miranda, nos anos 1960, que ditou as bases de como a leitura dos direitos deve ser feita por autoridades policiais em todo os EUA.
Sobre o fato de que, a partir de agora, a idade dos menores é um fator determinante ao se avaliar como proceder com a leitura dos direitos do suspeito, o juiz Samuel Alito afirmou que se trata apenas de mais uma regra ambígua que distorce o próposito da garantia constitucional. "A decisão da Corte é fundamentalmente inconsistente com uma das bases das Advertências Miranda: a do consenso de que uma regra clara e inequívoca deve orientar sua aplicação. A decisão de hoje é insipiente no que diz respeito a proteger o direito constitucional de menores interrogados pela Polícia", disse Samuel Alito ao ler seu voto.
Colcha de retalhos
Samuel Alito Jr. afirmou ainda que o argumento dos juízes que votaram com a maioria não conseguiu demonstrar porque a idade é mais relevante do que outras características pessoais como grau de instrução, nível de inteligência ou antecedentes culturais do suspeito.
Impasses sobre como efetuar a leitura das Advertências Mirandas são comuns na Suprema Corte desde que a garantia foi estabelecida pelo tribunal nos anos 1960 como forma de tornar efetiva a garantia constitucional de não se autoincriminar. Contudo, a ausência de parâmetros para executá-la acabou repercutindo em intermináveis impasses judiciais que ocorrem em tribunais por todo os EUA. O problema é tão amplo, que o estudo das Advertências Miranda acabou se tornando um subcampo da psicologia forense norte-americana.
Em 2010, a Consultor Jurídico conversou com o maior especialista sobre o tema nos Estados Unidos, o psicólogo forense Richard Rogers, que estuda as Advertências Miranda há decadas. Seus estudos são referências para juristas e juízes sempre que o assunto ganha os tribunais. Rogers explicou à ConJur que o problema começou quando a Suprema Corte estabeleceu a obrigatoriedade da leitura de direitos antes de se interrogar ou deter alguém em custódia, mas não determinou um texto padrão para a declaração das advertências pelos policiais.
Diversos estudiosos, centros de pesquisa, universidades, e juristas entraram como amici curiae em apoio a J.D.B na ação julgada nesta quinta-feira (16/6).

Revista Consultor Jurídico, 18 de junho de 2011

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog