segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Suprema Corte dos EUA discute jogos e violência

A Suprema Corte dos Estados Unidos debateu, nesta terça-feira (2/11), o estabelecimento de restrições na venda de videogames que contenham conteúdo considerado impróprio para menores de idade. O caso se refere a uma lei estadual da Califórnia que pretende proibir a comercialização de jogos virtuais — para menores de 18 anos — que simulem cenas de violência extrema. A lei foi derrubada antes mesmo de entrar em vigor por ser considerada inconstitucional. Leis de outros estados, de natureza semelhante, tiveram o mesmo destino. Contudo, desta vez, a advocacia-geral do Estado da Califórnia conseguiu levar o caso à Suprema Corte do país. Neste terça, houve uma audiência preliminar, para que o estado da Califórnia se manifestasse.
Mais uma vez, o impasse envolve, claro, a onipresente Primeira Emenda da Constituição, cuja flexibilidade parece se estender aos mais diversos aspectos da vida em sociedade no país. Novamente, se discute se o “patrimônio jurídico” da liberdade — quase que irrestrita — de expressão também deve orientar este caso, que envolve jogos virtuais extremamente violentos e o acesso de jovens a esse tipo de conteúdo.
Considerado um dos principais nomes da ala liberal da alta corte, o juiz Stephen Breyer manifestou sua concordância com a lei proposta pelo Estado da Califórnia. “Não é uma questão de bom senso apenas”, afirma Breyer. “Se existem leis que proíbem a venda de imagens de nudez para jovens, porque também não proibir a venda de videogames com imagens de tortura gratuita de crianças?”, argumentou.
O chefe de Justiça, John Roberts, líder do grupo conservador e que preside a corte, concordou com o argumento do colega, citando como exemplo o jogo “Postal 2”, em que garotas são espancadas, têm seus rostos deformados por golpes e, depois de mortas, têm seus corpos incendiados para que se ocultem as provas do crime. “Não temos como tradição neste país expor crianças a esse tipo de violência gráfica”, disse Roberts, que se mostrou favorável, em outros casos, à ampla aplicação do princípio estabelecido pela Primeira Emenda.
Contudo, o juiz Antonin Scalia contrariou ambos ao afirmar que a Primeira Emenda sempre foi observada ao se decidir por não restringir representações de violência na mídia. “O mesmo argumento poderia ser aplicado para o cinema, quando determinados filmes são lançados. Podemos dizer que eles, em algum momento, irão chegar às crianças", argumentou Scalia, dirigindo-se ao vice-advogado-geral do Estado da Califórnia, que participou da audiência desta terça.
Scalia lembrou ainda que, desde os primórdios da nação, cenas de sexo têm sido censuradas, mas nunca foi aberto o precedente para se censurar imagens de violência e tortura. Antonin Scalia disse que nesse caso, a decisão tem de se dar à luz da História do país.
O juiz dirigiu-se então ao representante legal do Estado da Califórnia, perguntando sua "opinião sobre o que os autores da Primeira Emenda pensariam sobre a lei". A questão provocou "o fogo amigo" de um dos colegas de Scalia na ala conservadora, o juiz Samuel Alito Jr.
Alito afirmou, em tom de zombaria, que a intenção de Scalia, ao questionar o advogado, era saber o que James Madison (presidente dos EUA entre 1809 e 1817 e um dos pais da Constituição americana) pensava dos videogames.
"Videogames são uma nova mídia, impossíveis de serem concebidos na época da fundação do país", argumentou Alito. "É completamente artificial amparar uma decisão como essa no que os autores da nossa Constituição, que viveram no século 18, pensariam sobre o assunto", concluiu.
Samuel Alito deixou claro que concorda com Roberts e Breyer no sentido de que o Estado pode e deve restringir o acesso de menores a videogames que exibam "representações gráficas de violência e sadismo".
Inversão
As juízas Ruth Bader Ginsburg e Sonia Sotomayor, que geralmente votam contra a aplicação irrestrita da Primeira Emenda, desta vez, se juntaram à Scalia, considerando que a lei californiana pode, sim, vir a desrespeitar o princípio da liberdade de expressão. "Você poderia se livrar do 'rap' uma vez que as letras falam sobre matar pessoas?", perguntou Sotomayor.
Zachery Morazzini, o vice-advogado-geral do Estado da Califórnia respondeu à juíza, afirmando que a lei estadual se restringe a videogames, os quais a motivação do jogador seja matar ou mutilar uma figura "graficamente realista" de um ser humano inocente. Morazzini argumentou ainda que considera os videogames muito mais preocupantes do que os filmes, música ou mesmo mais do que a televisão. A razão disso, explicou, "se dá porque crianças e adolescentes, neste caso, assumem a representação de participantes ativos em assassinatos e mutilações, não sendo apenas observadores passivos", insistiu.
O juiz Anthony M. Kennedy e a juíza Elena Kagan questionaram tantos os seus colegas juízes quanto ao advogado sem deixarem claro sua inclinação. "Você está nos pedindo para entrar em uma área completamente nova", disse o juiz Kennedy a Morazzini, "isso pode abrir o precedente de se estabelecer restrições quanto à violência na mídia", concluiu.
O juiz Anthony Kennedy afirmou que a definição estabelecida pela lei estadual para se proibir jogos eletrônicos era vaga, não sendo clara o suficiente para orientar os fabricantes e comerciantes. Porém, o juiz questionou o porquê da violência nos meios de comunicação sempre ter gozado da proteção ao abrigo da Primeira Emenda. "Por que não dispensar o mesmo tratamento à violência que é dispensado à obscenidade, submetendo-a a limites mais estritos, quando consideramos que a audiência pode ser formada por menores de idade?", avaliou Kennedy ao dirigir-se aos colegas.
Depois de encerrada a audiência desta terça-feira (2/11), analistas consideraram que a aprovação da lei na Califórnia vai depender de se garantir que o foco da proibição se limitará tão somente a jogos eletrônicos.
A lei estadual foi motivada pela ação movida pelo governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, contra a fabricante de jogos eletrônicos Entertainement Merchants Assn. ainda no primeiro semestre de 2009.
A decisão deve sair apenas no próximo ano.

Clique aqui para ler, no site da Suprema Corte dos EUA, o processo movido pelo governador 

Schwarzenegger levando em conta a aplicação da lei do estado [em inglês].

Revista Consultor Jurídico, 3 de novembro de 2010.

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