quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Adolescentes sofrem violação de direitos no país

Nos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Brasil ainda está longe de garantir que as medidas socioeducativas aplicadas pela Justiça ofereçam um novo projeto de vida a jovens que cometeram atos infracionais. Um relatório da Secretaria Especial de Direitos Humanos divulgado no início deste ano apontou “graves violações de direitos, como ameaça à integridade física, violência psicológica, maus-tratos e tortura” em casas de internação, os chamados centros de socioeducação, onde os jovens cumprem medidas de privação de liberdade. Em 2009 foram registradas 13 mortes nos sistemas socioeducativos do país. Apesar de o ECA prever que a privação de liberdade deva ocorrer somente em último caso, o número de jovens nesta situação passou de 4,2 mil para 16,9 mil em 13 anos.

A antiga Fundação de Bem-Estar do Menor (Febem), em São Paulo, se tornou o maior símbolo dos maus-tratos cometidos contra jovens infratores. A instituição ficou marcada por suas rebeliões, mortes e espancamento de adolescentes. “Na primeira vez que entrei na Febem, me senti em um campo de concentração. Todos, adolescentes e mães, choravam desesperadamente”, recorda Maria da Conceição Paganele, fundadora da Associação das Mães e Amigos de Adolescentes em Risco, a Amar.

Em 1998, Cássio, o filho dela que havia recém-completado 15 anos, foi encaminhado à Febem após roubar um carro. Nos dois anos anteriores à detenção, Maria diz que bateu na porta de vários órgãos governamentais em busca de tratamento para a dependência de drogas do filho. Quando ele foi apreendido, ela de certa forma comemorou, acreditando que finalmente o Estado iria agir na vida dos dois.

Mas, na primeira visita ao filho, veio o choque: “Fiquei apavorada porque as mães que estavam lá choravam muito. Depois fui conhecer todas as violações que ocorriam. Eram todos meninos sem identidade”, afirma. No mesmo ano da internação, Maria fundou a Amar com o objetivo de tentar evitar as violações de direitos de meninos e meninas que viviam na Febem.

O filho de Maria tem hoje uma deficiência nos pés fruto da passagem pelo local. Os meses na fundação só ajudaram a consolidar o destino de Cássio com as drogas. Hoje, com 28 anos, o rapaz está internado em uma clínica para tentar se livrar do crack. “Infelizmente, o Estado só se fez presente na nossa vida no momento de punir e violar direitos”, argumenta.

Divisor de águas

Até 2006 cada estado tinha autonomia para aplicar as medidas socioeducativas como quisesse. Isso ocasionou o surgimento e a manutenção de locais como a Febem, considerada um verdadeiro “depósito de seres humanos”. Nesse ano, o governo federal lançou uma diretriz nacional para regulamentar as medidas, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Com isso, a situação nos centros de socioeducação começou a mudar. O Sinase determina um número menor de internos por unidade e atividades educativas, entre outros. Ainda em 2006, a Febem foi extinta e o governo de São Paulo criou a Fundação Casa, que prevê a descentralização do atendimento. Foram construídas mais de 40 novas unidades, com lotação máxima de 40 jovens.


De acordo com a Secretaria Nacional de Promoção dos Direi­tos da Criança e do Adolescente, a execução das medidas socioeducativas é de responsabilidade de estados e municípios, mas há regras gerais que devem ser seguidas. Entre elas estão a obrigatoriedade da escolarização, acompanhamento familiar, atividades de cultura e esporte e encaminhamento ao mundo do trabalho. “Temos que sensibilizar a sociedade para o acolhimentos destes jovens como cidadãos com deveres, mas que tiveram a maioria dos seus direitos violados ao longo de suas curtas vidas”, afirma Lúcia Elena Santos Junqueira Rodrigues, coordenadora-geral do Prosinase.

A Secretaria tem incentivado que as medidas socioeducativas em meio aberto e o acesso à Justiça sejam disseminados, por meio de encontros com juízes e fortalecimento de centros de defesa. Para Lucia Elena, “é preciso urgentemente que os estados substituam prédios inadequados ao atendimento dos adolescentes privados de liberdade, cessem as violações de direitos , como maus-tratos e falhas de segurança que permitem que adolescentes ainda morram sob a tutela do Estado”.


Fonte: Paola Carriel - Gazeta do Povo

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